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sexta-feira, 26 de abril de 2024

A Formação da Inglaterra na Idade Média

 Como se Desenvolveu o Feudalismo na Inglaterra? Que Fatos Forçaram o Surgimento do Parlamento Inglês? Quais as Principais Dinastias Que Governaram a Inglaterra Nesse Período?




 

Na Baixa Idade Média, a evolução política da Inglaterra apresenta características originais que se evidenciam em suas instituições feudais, que são distintas das existentes na Europa continental.

Na Inglaterra, o feudalismo se desenvolveu com a invasão de Guilherme (Duque da Normandia) e rei da Inglaterra (1066 / 1087), o qual reforçou a servidão e distribuiu feudos, mas jamais admitiu que algum de seus vassalos constituísse uma ameaça ao seu poder.

A expropriação de terras dos vencidos – habilmente distribuídas em pequenos feudos – manteve o rei como o maior senhor feudal e permitiu-lhe o exercício de sua autoridade, apesar das resistências dos barões normandos e da nobreza anglo-saxônica.

No século XII ascendeu ao poder a dinastia dos Plantagenetas – também de origem normanda e possuidora de feudos na França – e isso criou uma situação excepcional, pois enquanto governavam territórios ingleses e franceses era obrigada a desenvolver uma política contraditória.

Isto é, como reis da Inglaterra empenhavam-se em manter a supremacia monárquica sobre o feudalismo inglês e, como senhores feudais na França, empregavam suas forças para resistir ao fortalecimento da monarquia francesa. Por isso, eles se desgastaram e foram obrigados a fazer concessões à nobreza feudal inglesa, interessada em limitar o poder da monarquia.

No reinado de Henrique III (1227 / 1272) surgiu o Parlamento que era integrado pelos representantes da nobreza e do clero, além da burguesia e da pequena nobreza (gentry). No século XVI o Parlamento dividiu-se em Câmara dos Lordes (com os grandes senhores feudais que eram leigos e eclesiásticos) e a Câmara dos Comuns (formada pelos gentry e pela burguesia).

Reunindo-se por convocação do rei, o Parlamento submetia proposições aos monarcas que concordavam a fim de obter colaboração na execução da sua política no continente, sobretudo quando o antagonismo com a França conduziu à Guerra dos Cem Anos (1337 / 1453).

Esse conflito aumentou a importância do Parlamento, coincidindo com a subida ao poder da dinastia Lancaster. No entanto, a derrota inglesa contribuiu para a guerra entre os Lancaster e York em uma contenda aristocrática, onde os senhores feudais buscaram compensações pela perda de feudos na França.

Arruinada, a nobreza feudal se enfraqueceu e debilitou o Parlamento – que tinha na nobreza sua principal sustentação – ascendendo ao trono Henrique VII, o qual iniciou a dinastia Tudor.

Outro representante dessa dinastia foi Elisabete I que recebeu um país cansado de guerras civis, as quais dizimaram a nobreza na Inglaterra. Porém, o sentimento nacional – excitado pela guerra – bem como o ódio em relação à França favorecia o poder real e, dessa forma, Henrique VII continuou habilmente a convocar o Parlamento e manter as aparências de um governo representativo, evitando chocar-se com a tradição de que o rei devia governar em colaboração com o Parlamento.

A afirmação do Absolutismo monárquico foi facilitada com a “Reforma” (de Henrique VIII, fundador da Igreja Anglicana), a qual confiscou parte dos bens eclesiásticos, o que contribuiu para expandir o capitalismo agrário. O apogeu do Absolutismo correspondeu ao reinado de Elisabete I que, vivendo sob o temor de uma invasão espanhola, aumentou ao máximo os recursos do Estado.




A criação de novas indústrias foi estimulada pelos monopólios e pela instalação de colônias de estrangeiros, os quais haviam sido expulsos do continente pelas guerras de religião. As transformações econômicas beneficiaram a monarquia e contribuíram para reforçar as classes sociais ligadas ao capitalismo que, já no fim do reinado de Elisabete I, começaram a manifestar oposição ao Absolutismo e suas implicações.

Com a morte de Elisabete I – última Tudor, e que não deixou herdeiros – subiu ao trono Jaime I que iniciou a dinastia Stuart, coincidindo com a crise final do feudalismo na Inglaterra, minado pelas contradições entre classes sociais ligadas a formas capitalistas de produção e classes vinculadas às formas feudais ainda existentes.

Com isso, o ideal passou a ser uma monarquia moderada pelo Parlamento onde se encontravam representantes da burguesia e da gentry e que imprimiam diretrizes governamentais do interesse dos setores capitalistas.

Diferentemente dos Tudor – que se concentravam em exercer um Absolutismo de fato – os Stuart procuraram reforçar o poder monárquico fundamentando-o com a teoria do “Direito Divino”, o que implicava a imposição da unidade religiosa.

Mas, foi no reinado de Carlos I (1625 / 1649) que os antagonismos se aguçaram, tanto que ao se envolver em guerras contra a França e a Espanha o rei teve de convocar o Parlamento. Este lhe impôs a proibição de cobrança de impostos não autorizada pelo Parlamento e vedou a adoção de leis marciais em tempos de paz.

Porém, Carlos I violou esses princípios e dissolveu o Parlamento, ficando o país onze anos sem câmaras (Período de Tirania) e, quando a monarquia tentou intervir na Igreja Presbiteriana da Escócia, desencadeou-se a guerra civil e forçou o rei a reunir o Parlamento a fim de obter recursos. A oposição parlamentar manifestou-se e se transformou em movimentos revolucionários.

A Revolução Puritana opôs os partidários do rei (os Cabeças Redondas) e os defensores do Parlamento que tinham nos setores agrários capitalistas sua principal força. Liderados pelo calvinista Oliver Cromwell, os Cabeças Redondas obtiveram a vitória, decapitaram o rei e proclamou a República, cabendo a ele – Cromwell – o título de Lorde Protetor. Seu governo apoiou-se no exército e no Conselho de Estado e, dentre as suas principais ações, destacamos:

·                     As terras da Igreja Anglicana foram confiscadas, acelerando-se a desintegração do feudalismo e do desenvolvimento do capitalismo agrário.

·                     A Irlanda e a Escócia – declarando-se partidárias dos Stuart – foram conquistadas e submetidas.

·                     A ampliação do império colonial mediante a anexação de áreas americanas – como a Jamaica, conquistada à Espanha.

·                     Um ato de navegação estabelecendo que todos os artigos importados fossem transportados em navios ingleses.

Essa última medida estimulou a construção naval e o comércio, embora tenha provocado a guerra contra a Holanda que era o centro de redistribuição de mercadorias de todas as partes do mundo. Com a morte de Cromwell abriu-se a crise que acabou conduzindo à restauração dos Stuart, através de Carlos II.

Sob o reinado de Carlos II, ampliou-se o império colonial graças a nova guerra contra a Holanda e ao dote recebido por seu casamento com uma princesa portuguesa (Tanger e Bombaim). Em 1670, o Tratado de Dover (entre ele e Luís XVI, da França) estabeleceu que o monarca inglês recebesse elevada importância em troca da promessa de se converter ao catolicismo, obrigando os ingleses a fazerem o mesmo e orientando sua política externa a não entravar os interesses franceses.

No Parlamento crescia a oposição e quando Jaime II – que havia se convertido ao catolicismo e pretendia restabelecer essa religião, desprezando os interesses da maioria protestante – estourou a Revolução Gloriosa (1688 / 1689), onde o Stuart foi vencido facilmente e refugiou-se na França de Luís XIV. Mas, apesar de entregarem o trono ao príncipe holandês (Guilherme III), os ingleses asseguraram uma forma de governo coerente com as suas reivindicações através da Declaração de Direitos.

Ela estabelecia como competência do Parlamento o recrutamento das tropas, o lançamento de impostos, as eleições, a liberdade de palavra, petição e justiça, restringindo, entretanto, a liberdade religiosa aos cultos protestantes.

No reinado de Guilherme III (1689 / 1701) completou-se a evolução, pois somente aqueles que obtivessem apoio parlamentar poderiam se tornar ministros. Essas ideias foram continuadas sob o reinado de Ana Stuart que ratificou a união entre a Escócia e a Inglaterra.

 

quarta-feira, 5 de abril de 2023

Os Republicanos e a Instalação do Novo Regime

 Como Deveria Ocorrer a Troca da Monarquia Pelo Regime Republicano? De Que Forma Benjamin Constant Achava Que a Revolução Deveria Acontecer? Qual a Relação da Convenção de Itu Com a Revolução Republicana? Que Papéis os Cafeicultores Paulistas Representaram na Queda da Monarquia?

 


Uma demorada salva de palmas acolheu Antônio da Silva Jardim no plenário da Câmara Municipal de Campinas em fevereiro de 1888. O orador trazia uma mensagem radical: _ a execução sumária de membros da família imperial brasileira que resistissem à troca da Monarquia pelo regime Republicano. Na opinião de Silva Jardim, os Republicanos deveriam aproveitar o ano seguinte – 1º centenário da Revolução Francesa – para instalar o novo regime. À família Imperial seriam dadas duas opções. A primeira, o exílio na Europa e, a segunda, morte em praça pública em nome dos interesses nacionais. Lembrava que, em 1789, os revolucionários franceses haviam executado na guilhotina o Rei Luís XVI e a Rainha Maria Antonieta – entre outros nobres.

O inflamado discurso era parte da propaganda republicana que, àquela altura, empolgava os brasileiros mais bem informados. Em 1889, havia ao todo no Brasil 237 clubes republicanos, 204 nas províncias do Sul e Sudeste e, além disso, 74 jornais pregavam abertamente a queda do Império. Os mais importantes eram a “Gazeta de Notícias”, o “Diário de Notícias” (que tinha Rui Barbosa como colaborador) e “O País” – de Quintino Bocaiúva.

Nas publicações satíricas, o Imperador Pedro II era chamado de “Pedro Banana”. A pena demolidora de Rui Barbosa se referia ao soberano como uma “figura decadente de velho coroado”, e à Monarquia “coisa senil, gangrenosa e contagiosa que apodrecia no Brasil”. Silva Jardim era o mais radical de todos os propagandistas republicanos. Nascido na Vila Capivari (RJ) e formado pela Escola de Direito de São Paulo, era casado com uma sobrinha de José Bonifácio de Andrade e Silva – o Patriarca da Independência.

Muitas vezes, Silva Jardim enfrentava ambientes hostis e, na cidade de Paraíba do Sul, falou sob uma chuva de pedras disparadas por adeptos da Monarquia. Em outra ocasião teve de interromper seu discurso ao ser atacado pela Guarda Negra – milícia organizada pelo abolicionista José do Patrocínio e composta de ex-escravos simpatizantes da Princesa Isabel, herdeira do trono. Nem todos os republicanos eram tão radicais e, alguns como Quintino Bocaiúva, por exemplo, preferiam até esperar a morte do idoso Imperador para, só então fazer a troca do regime. Outros, como o professor e Tenente-Coronel Benjamin Constant, achavam que a revolução teria de acontecer rapidamente, porém, nesse caso, a família Imperial deveria ser tratada com todo o respeito e consideração.

Alguns, como Campos Salles, acreditavam que seria possível chegar à República pelas urnas. Outros discordavam dessa alternativa por acreditar que o corrompido sistema eleitoral do Império jamais permitiria o acesso dos Republicanos ao poder e, nesse caso, a solução deveria ser revolucionária.

Apesar das divergências a campanha republicana ecoava um sonho alimentado por muitos brasileiros em diversos períodos da história nacional. Até então, o Brasil tinha sido governado sob o regime monárquico, no qual todo o poder emanava do soberano e em seu nome era exercido.

Foram 322 anos de administração da Coroa portuguesa durante o período colonial – do Descobrimento, em 1500, até a Independência, em 1822 – mais 67 anos do Primeiro e do Segundo Reinados, sob a liderança de Pedro I e Pedro II. Sob o regime republicano, o poder seria exercido por representantes eleitos pelo povo com vistas a servir ao interesse comum; ou seja, à coisa pública. Em nome desse conceito, na segunda metade do século XIX o país já tinha uma história republicana significativa, embora trágica. Nela contabilizavam-se alguns mártires, caso do mineiro Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes – e do pernambucano Joaquim do Amor Divino Rabelo, o Frei Caneca, fuzilado na Confederação do Equador. Ambos morreram defendendo o sonho de fazer do Brasil uma República.

O ideal republicano esteve por trás de episódios como a Guerra dos Mascates (1710), em Pernambuco; a Revolta dos Alfaiates (Conjuração Baiana), em 1798; a Revolução Pernambucana, de 1817; a Sabinada, de 1837, na Bahia e a Revolução Farroupilha de 1835, no Rio Grande do Sul. Na Independência, esse era o projeto de Brasil defendido pelas cortes mais radicais da Maçonaria. Um dos primeiros jornais republicanos no Brasil foi o “Sentinela do Serro”, publicado em Minas Gerais em 1832 sob a direção do político liberal Teófilo Ottoni. “Somos de opinião que se deve lentamente republicanizar a Constituição do Brasil”, propunha o jornal meio século antes da Proclamação.

O dia 3 de novembro de 1870 é considerado o marco do início da jornada política que levaria à queda do Império duas décadas depois e, nessa data, foi criado o 1º clube republicano do Brasil. Dele faziam parte os jornalistas Quintino Bocaiúva, Francisco Rangel Pestana, Aristides da Silveira Lobo, Miguel Vieira Ferreira e Antônio Ferreira Viana, os advogados Henrique Limpo de Abreu e Salvador Mendonça, o médico José Lopes da Silva Trovão e o engenheiro Cristiano Benedito Ottoni – quase todos dissidentes do Partido Liberal.

Foram tomadas três decisões: _ a redação de um manifesto à nação, a criação de um partido republicano e o lançamento de um jornal que expressasse as ideias do grupo. E, apesar da pequena repercussão inicial, o Manifesto de 1870 lançou as sementes para que iniciativas semelhantes brotassem em outras regiões. Nos dois anos seguintes, foram lançados 21 jornais republicanos em todo o país. Coube a Itu (SP) ser o berço do mais bem organizado movimento republicano brasileiro, pois lá aconteceu em 1873 a Convenção de Itu – marco da fundação do Partido Republicano Paulista (PRP) – cuja atuação seria decisiva na queda do Império, em 1889, e principalmente na consolidação do novo regime nos anos seguintes.

Há uma ironia na história dessa Convenção, pois o mais importante evento republicano teve de pegar carona em uma comemoração da Monarquia para alcançar a repercussão desejada. A data (18 de abril) foi planejada para coincidir com a inauguração da Estrada de Ferro Ituana, destinada a conectar Itu aos trilhos da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Tratava-se de um evento do governo Imperial, mas era tudo de que os republicanos precisavam. Às vésperas de ser reativado como atração turística, depois de muitos anos de abandono, um trecho dessa antiga estrada de ferro, com 7 quilômetros de extensão entre Itu e a vizinha cidade de Salto, é hoje chamado de “Trem Republicano”, em mais uma prova de que a história, quase sempre, é contada e reescrita pela ótica dos vencedores.

Itu foi escolhida para sediar a convenção de 1873, não apenas pela coincidência das datas, mas trata-se de uma cidade situada a 100 quilômetros de S. Paulo, entre Campinas, Piracicaba e Sorocaba. No final do século, Itu refletia as profundas mudanças ocorridas na economia cafeeira nos anos anteriores, pois o café era a principal riqueza brasileira na segunda metade do século. No entanto, o eixo da produção havia se deslocado do Vale do Paraíba para as terras férteis da nova fronteira agrícola do oeste paulista – a região dominada pelos fazendeiros republicanos. Haviam mudado também as técnicas de cultivo e as relações de trabalho nas lavouras.

O contraste entre a moderna lavoura cafeeira paulista e as decadentes propriedades escravagistas do Vale do Paraíba era marcante. Nos anos derradeiros do Império, cerca de 700 dessas antigas fazendas com 35 mil escravos, estavam hipotecadas ao Banco do Brasil por falta de pagamento das dívidas. Seus donos estavam quebrados, pois o cultivo do café no Vale do Paraíba pautava-se em técnicas rudimentares. A produtividade era baixíssima, pois a abundância de terra e mão de obra escrava desobrigava os Barões a realizar investimentos para melhorar as técnicas de produção.

O café era plantado nas encostas, sem nenhum cuidado para deter a erosão do solo. Depois de 15 anos, toda a camada fértil tinha sido lavada pelas chuvas e carregada para o fundo dos vales e rios. Para trás ficava a terra desmatada e improdutiva, pois em vez de usar adubo para tentar recuperá-las, os fazendeiros derrubavam as matas vizinhas e abriam novas lavouras que depois tinham de ser igualmente abandonadas. Eram denominadas de “lavouras nômades”.

Situação diferente era a das novas fazendas de Campinas, Piracicaba, Pirassununga, Rio Claro e Itu, pois embora ainda usassem mão de obra cativa os fazendeiros dessa região foram pioneiros na substituição dos escravos pelo trabalho assalariado de imigrantes europeus. Outras mudanças ocorreram no beneficiamento do café, etapa executada após a colheita e a secagem dos grãos. Máquinas modernas como ventiladores e separadores realizavam sozinhas a tarefa que, antes, exigia o trabalho de até 90 escravos.

Os custos diminuíram bem e a prosperidade resultante desse surto de desenvolvimento impressionava a todos. Tanto que, ao passar por Campinas em 1859, o jornalista Augusto Emílio Zaluar ficou admirado ao observar que a cidade tinha 3 fábricas de licores, 2 de cerveja, 1 de velas de cera, 1 de chapéus, 3 hotéis, diversas alfaiatarias, sapateiros, 1 jornal, 4 igrejas e um teatro.

Em 1874 alguns fazendeiros (participantes do Congresso de Itu) se reuniram novamente em Campinas a fim de angariar fundos para a criação do órgão oficial do novo Partido Republicano Paulista. No ano seguinte foi lançado o jornal “A Província de São Paulo” que, mais tarde foi rebatizado de “O Estado de São Paulo”, marcou profundamente a história da imprensa brasileira cujo plano de ação defendia “a descentralização completa” do Estado brasileiro. Nos anos que se seguiram à divulgação do seu primeiro manifesto no Rio de Janeiro e à Convenção de Itu, os republicanos enfrentaram um dilema que se revelaria insuportável: _ a escassez de votos. Apesar do entusiasmo público, a campanha republicana não encontrava eco nas urnas e, por mais animados que fossem os comícios, seus candidatos não conseguiam reunir votos suficientes para se eleger.

É como se o eleitorado fosse surdo às ideias do novo regime. Mesmo nas cidades maiores (RJ e SP) menos vulneráveis à manipulação dos coronéis da Monarquia, os resultados eleitorais haviam sido medíocres ao longo de 2 décadas. Nas eleições de agosto de 1889 (3 meses antes da Proclamação) os votos dos Republicanos não chegaram a 15% do total. Além de fracos eleitoralmente os Republicanos estavam divididos, pois entre eles havia rivalidades profundas e irreconciliáveis.

As maiores divergências se relacionavam à fórmula de República a ser implantada no Brasil e ao caminho para chegar a ela. Os cafeicultores paulistas e parte dos jornalistas, professores e advogados do Rio de Janeiro sonhavam com uma democracia liberal e federalista, semelhante à dos EUA com sufrágio universal e liberdade de expressão que resguardasse os direitos de propriedade e o livre-comércio. Na ala mais radical dos civis liderada por Silva Jardim e Lopes Trovão estavam os que eram denominados de “jacobinos”, admiradores da Revolução Francesa e defensores da instalação da República mediante insurreição popular e até a execução de toda família Imperial. Um 3º grupo era formado pelos positivistas – seguidores de Auguste Comte e que pregavam a instalação de uma ditadura republicana. Essa corrente tinha grande influência no meio militar, onde se destacava o professor e Tenente-Coronel Benjamin Constant – da chamada “mocidade militar”. Outro foco de divergências estava relacionado à escravidão, o maior dos problemas à época. No Manifesto de 1870 os Republicanos passaram ao largo do tema. A abolição da escravatura, diziam os fazendeiros paulistas, deveria ser tratada “mais ou menos lentamente” pelas províncias, conforme as possibilidades de substituição pela mão de obra livre e levando em conta o “respeito aos direitos adquiridos”.

O motivo da omissão era óbvio, pois muitos signatários – incluindo a família do futuro Presidente, Campos Salles – eram senhores de escravos. Em uma população de 10.800 habitantes, o município de Itu contava à época com 4.400 escravos; ou seja, de cada 10 ituanos, quatro eram cativos. As obras de Alberto Sales, um dos ideólogos do Movimento Republicano paulista, oferecem um resumo das ideias dos fazendeiros a respeito da escravidão. São conceitos que hoje soariam racistas, mas que, na época, eram discutidos com naturalidade na imprensa, nos livros e no Parlamento. “O africano, além de ser muito diferente do europeu, sob os pontos de vista anatômicos e fisiológicos, ainda se acha em um grau muito embrionário da evolução mental”.

Até 1889, os diferentes grupos republicanos agiam de forma isolada, mas todos aderiram rapidamente na madrugada de 15 de novembro ao golpe do Marechal Deodoro da Fonseca que, por sua vez, até então não se identificava com nenhuma dessas facções – e, segundo todas as evidências, nem republicano era. Sem ressonância nas urnas, o Partido Republicano passou a enxergar no Exército um instrumento para acelerar a mudança de regime. Cabia-lhes fomentar ao máximo as divergências entre os militares e as autoridades imperiais. Nos meses seguintes, o jornal “A Federação” – dirigido por Júlio de Castilho – aproveitou todas as oportunidades para explorar os ressentimentos entre o comando militar e o governo Imperial. Em razão disso, a troca de regime, em vez de percorrer um caminho mais suave e institucional, como desejavam os moderados, veio por um golpe planejado às escondidas e executado na calada da noite.


 

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

A Roda da Fortuna de Uma Nova República no Brasil

 

O Que Representou o Encilhamento na Fase da Implantação da República Brasileira? Quais Foram as Consequências do Novo Surto de Prosperidade Econômica? Quais Foram as Medidas Tomadas Pelo Ministro da Fazenda Rui Barbosa? Qual a Importância de Sebastião Pinho, Eduardo Guinle e do Barão de Drummond Para a Economia da Época?

 


Nos primeiros meses de 1890 uma série de editais curiosos apareceu nos jornais cariocas, anunciando a criação de bancos, fábricas, comércio, navegação, projetos de colonização, transporte, ferrovias, companhias telefônicas, hotéis, restaurantes e outros negócios. As pessoas eram convidadas a participar desses empreendimentos como acionistas e as expectativas de lucros astronômicos das novas empresas oferecia a possibilidade de fortuna rápida. Quem não tivesse dinheiro poderia recorrer a empréstimos de longo prazo a juros módicos e, depois de pagar o banco rapidamente uma vez que os negócios se diziam promissores, seria possível embolsar uma boa soma. Isto é, tudo fácil e simples.

Havia de tudo e algumas iniciativas tinham aparência sóbria, como era o caso da Empresa Industrial Melhoramentos do Brasil que, comandada pelo engenheiro Paulo de Frontin, oferecia aos acionistas um empreendimento destinado à “exploração de privilégios e concessões do governo” na área de obras públicas. Outras eram bem pitorescas como a Companhia Industrial de Mate e Coca, cujo objetivo seria explorar no Paraná uma “planta muito semelhante à coca boliviana com todas as suas aplicações terapêuticas e riquíssimas em cocaína”. Já a Companhia Empresa Funerária propunha-se a “estabelecer um perfeito serviço para condução de cadáveres à sua última morada”.

Quem observasse esses anúncios teria a impressão de que um novo Brasil estava se erguendo praticamente do nada e, onde antes havia uma economia agrária e rudimentar, movida a mão de obra escrava, agora nascia uma nação empreendedora de economia complexa e variada. Graças ao novo surto de prosperidade, estradas de ferro iriam cortar as lonjuras do interior, encurtando distâncias. Empresas de comunicação aproximariam as pessoas oferecendo serviços de telefonia, telégrafo e correios. Os rios da Amazônia e do Centro-Oeste seriam usados na navegação de passageiros e transporte de cargas.

Até então escuras, as cidades receberiam iluminação pública, redes de esgoto e fornecimento de água tratada. As terras férteis do Paraná, R. G. do Sul, S. Paulo e Goiás seriam colonizadas por agricultores que teriam crédito para produzir e exportar. Fazendas de gado brotariam no sertão nordestino e haveria mineração de fosfato no arquipélago de Abrolhos (Bahia), produção de cerveja em São Paulo, construção de estaleiros navais e fabricação de gelo e de tecidos no Rio de Janeiro, onde uma empresa se candidatava a inaugurar restaurantes, rinques de patinação, salões de baile e jogos, além de um hotel à beira-mar.

Infelizmente nada disso era realidade, pois os anúncios nos jornais retratavam apenas um Brasil fictício, um país de papel composto de títulos e contratos alimentados por uma ciranda financeira como nunca se vira na história brasileira. O fenômeno durou poucos meses e, como um passe de mágica, gerou algumas fortunas relâmpago, destruiu outras com a mesma velocidade e passou para a história com o nome de “Encilhamento” ([1]).

Essa palavra vem do verbo “encilhar”, ato de colocar e apertar os arreios dos cavalos antes das provas de turfe. O encilhamento dos animais acontecia minutos antes do início do páreo, quando os frequentadores – sempre em busca de bons palpites – arriscavam a sorte apostando freneticamente em favoritos e azarões.

Ali fortunas eram produzidas ou destruídas em minutos e dificilmente haveria melhor termo para definir a primeira grande corrida especulativa no Brasil. Na falta de uma Bolsa de ações, os papéis eram negociados nas ruas, esquinas, mesas de bares e restaurantes com a mesma sofreguidão com que se faziam as apostas no jóquei. O Encilhamento foi estimulado por decreto do Ministro da Fazenda (Rui Barbosa) em 17 de janeiro de 1890, sem o conhecimento dos demais colegas de ministério. O decreto dos bancos emissores mudou o critério pelo qual o governo fabricava dinheiro, pois até então, o papel-moeda estava atrelado ao ouro.

Isto é, a quantidade de dinheiro em circulação deveria refletir exatamente as reservas do país em metal precioso e isso era uma garantia de que a emissão de moeda não geraria inflação. Rui Barbosa alterou esse parâmetro ao autorizar a criação de 10 novos bancos que, distribuídos pelas diferentes regiões, poderiam fazer emissões de dinheiro baseadas em títulos da dívida pública federal.

Os bancos emitiam dinheiro, o governo garantia e, quem precisasse de crédito, poderia recorrer a essas instituições a fim de obter o dinheiro para criar uma empresa ou ampliar um negócio. Na aparência era uma boa ideia, mas o saldo foi catastrófico. Estimulada pela produção desenfreada de dinheiro, a inflação atingiu níveis altíssimos. A maioria dos novos bancos quebrou sem honrar seus compromissos. O Banco Emissor de Pernambuco colocou no mercado papéis no valor de ½ milhão de libras esterlinas (65 milhões de dólares) e, desse total, conseguiu honrar apenas 100 mil libras.

Dessa forma, o Tesouro Nacional assumiu o saldo de 400 mil libras. O Encilhamento deixou profundas cicatrizes na biografia de Rui Barbosa, o qual passou para a história como um dos maiores juristas brasileiros, mas também como um financista desastrado. Outra medida desastrada de Rui Barbosa foi o decreto que determinava a queima de todos os registros do comércio de escravos. A justificativa era eliminar dos arquivos – e, portanto, da memória nacional – os vestígios de um capítulo que julgava vergonhoso. Na realidade, o objetivo era tornar impossível compensar os prejuízos que os senhores de escravos pudessem reclamar na Justiça.

A história do Encilhamento está repleta de personagens fascinantes e, atualmente, alguns são nomes de cidades, praças e ruas. O conselheiro Francisco de Paula Mayrink, nome de município no Paraná e em São Paulo, ganhou tanto dinheiro que adquiriu o Palácio do Catete – marco da arquitetura Imperial no RJ que, mais tarde, foi transferido ao governo federal para pagamento de dívidas. Considerado o maior de todos os especuladores do Encilhamento, Sebastião Pinho começou a vida como vendedor de bilhetes de loteria no Rio de Janeiro e, em 1890, lançou no mercado ações de 5 companhias e uma delas era chamada de Banco de Paris e Rio. A soma de todos os seus empreendimentos chegou a 295 mil contos de réis (3,2 bilhões de dólares) ([2]).

Sua relação de bens incluía o terreno onde anos mais tarde o empresário Eduardo Guinle, também personagem do Encilhamento, construiria o Palácio das Laranjeiras. Sebastião era sócio de João Batista Vianna Drummond (o Barão de Drummond) cujos negócios incluíam o Banco dos Imigrantes, a Empresa Industrial do Norte e Oeste do Brasil, a Fábrica de Tecidos Lázaro e o Banco Italiano. No entanto, ele ficou conhecido por dois outros feitos: _ a criação do bairro de Vila Isabel e a invenção do jogo do bicho – ainda hoje dominado por seus descendentes. Os milionários do Encilhamento gastaram suas fortunas comprando joias, casas, fazendas e títulos de nobreza. Depois da queda da Monarquia brasileira, essas honrarias passaram a ser oferecidas pelo governo português, o qual cobrava altíssimas somas por elas. Muitos escritores e intelectuais deixaram-se contaminar pela ciranda financeira e, entre os intelectuais que enriqueceram, estavam o teatrólogo Artur de Azevedo, o jornalista José do Patrocínio e o escritor Júlio Ribeiro.

A maioria dos empreendimentos do Encilhamento fracassou e, no entanto, alguns prosperaram. Um deles se incorporou definitivamente à paisagem carioca, pois em janeiro de 1891 foi criada a Companhia de Construções Civis através dos sócios Otto Simon e Theodoro Eduardo Duvivier. Seu objetivo principal era explorar uma área distante alguns quilômetros do centro do RJ, onde se pretendia fazer um loteamento e assim nasceu o bairro de Copacabana.

Outros exemplos de sucesso foram a Companhia Antarctica Paulista, a qual se tornaria uma das mais respeitadas cervejarias brasileiras e a Companhia Melhoramentos de São Paulo. Entretanto, de todas as iniciativas, a mais simbólica foi o surgimento das bolsas de ações que nas décadas seguintes ajudariam a organizar o mercado, de modo a evitar aventuras semelhantes. O Encilhamento foi o principal motivo das crises ministeriais do governo Deodoro da Fonseca. Inconformado com as medidas que Rui Barbosa adotara sem ouvir os demais, Demétrio Ribeiro demitiu-se da pasta da Agricultura e, desiludido com os rumos do novo regime, Aristides Lobo afastou-se do Ministério do Interior. Quintino Bocaiúva pediu demissão duas vezes do Ministério das Relações Exteriores e, de todas as brigas no governo, a mais ruidosa foi a que resultou na saída de Benjamin Constant do Ministério da Guerra.

Benjamin morreu quatro meses mais tarde – em janeiro de 1891 – magoado com os rumos da República que ajudou a fundar. Boatos afirmavam que nas últimas semanas de vida teria perdido a sanidade mental. O governo provisório chegou ao fim em 25 de fevereiro de 1891 (no dia seguinte à promulgação da nova Constituição), quando o Congresso Nacional elegeu, por via indireta, o primeiro presidente da República. O vencedor, como se poderia imaginar, foi o próprio Marechal Deodoro da Fonseca, o candidato dos militares, o qual teve 129 votos contra 97 do civil Prudente de Moraes. Seu governo já nascia condenado ao fracasso e implodiria nove meses mais tarde.

O Encilhamento de Rui Barbosa, as brigas no Ministério e o gênio difícil do Marechal Deodoro mostravam que os desafios do novo regime eram muito maiores do que imaginavam os jovens idealistas de 1889. Nesse momento, entraria em cena um dos personagens mais enigmáticos de toda a história brasileira – o alagoano Floriano Peixoto, também conhecido como o “Marechal de Ferro”.

 

http://www.facebook.com/profigestao

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([1]) Movimento incomum de especulação na Bolsa que ocorreu durante o começo da República, de que resultaram transtornos econômicos de toda ordem.

([2]) “1889: Como um Imperador Cansado, um Marechal Vaidoso e Um Professor Injustiçado Contribuíram Para o Fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil”. Laurentino Gomes – 1ª ed. – S. Paulo: Globo, 2013, p. 338.


sábado, 24 de setembro de 2022

A Disputa Entre as Cortes Portuguesas e Brasileiras

 

Que Fatos Precipitaram a Ruptura Entre Portugueses e Brasileiros, em Setembro de 1820? Quais Foram as Consequências Para o Brasil da Revolução Liberal do Porto? Por Que D. João VI Aceitou Abrir Mão da Sua Autoridade em Favor de um Congresso?

 


Até as vésperas do Grito do Ipiranga, eram raras as vozes entre os brasileiros que apoiavam a separação completa entre Brasil e Portugal. A maioria das pessoas defendia a manutenção do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, na forma criada por D. João em 1815. Esse era o tom das proclamações do Príncipe Regente, dos discursos dos deputados brasileiros em Lisboa e também a linha dos editoriais do jornalista do Correio Braziliense, o principal formador de opinião da imprensa brasileira.

Foram o radicalismo e a falta de sensibilidade política das cortes portuguesas (pomposamente intituladas de Congresso Soberano) que precipitaram a ruptura. Convocadas em setembro de 1820, as cortes só começaram a se reunir em Lisboa em janeiro do ano seguinte. Antes foi necessário proceder às eleições dos deputados, que viriam de todos os confins do império português. O número de representantes seria proporcional à população de cada região, mas os escravos estavam excluídos.

Embora contasse 4,5 milhões de habitantes, o Brasil teve direito a ocupar somente 72 das 181 cadeiras, cabendo a Portugal 100 deputados. As demais províncias – Angola, Moçambique e os arquipélagos da Madeira e dos Açores – ficaram com as nove cadeiras restantes. Mesmo assim, somente 46 brasileiros tomaram posse em Lisboa. Os demais permaneceram no Brasil por dificuldades de locação ou divergências dentro da delegação.

Caso tivesse prevalecido a proposta brasileira, o império lusitano se converteria numa entidade semelhante ao da “British Commonwealth”, a comunidade dos países que compunham o Império Britânico e que concordaram em manter a rainha da Inglaterra como símbolo, mesmo depois de conquistar a autonomia – caso da Austrália, Nova Zelândia e Canadá. O Brasil tinha interesse na manutenção do Reino Unido por razões econômicas e, antes mesmo da fuga da família real para o Rio de Janeiro, a colônia já havia se tornado a mais rica e influente porção dos domínios portugueses.

As notícias da Revolução Liberal do Porto ocorrida em agosto de 1820, tinham sido recebidas com entusiasmo no Brasil e se alastraram rapidamente no país. O Pará foi a primeira província a aderir à causa constitucional e a novidade chegou a Belém no navio Amazonas em dezembro de 1820. O portador era o estudante de Direito Alberto Patroni Martins Maciel Parente, da Universidade de Coimbra. Ele trazia na bagagem uma tipografia que daria origem ao primeiro jornal editado no Pará – “O Paraense” – lançado cinco meses mais tarde.

As semanas seguintes foram de grande agitação em Belém, cidade de doze mil e quinhentos habitantes, dos quais cinco mil e oitocentos eram escravos. Uma conspiração liderada por Patroni explodiu em 1º de janeiro de 1821, durante a parada militar celebrada no Ano-Novo, no centro da cidade. O alferes de milícias Domingos Simões Cunha se adiantou de seu lugar e, diante do coronel João Pereira Vilaça, comandante do 1º Regimento de Infantaria, disparou três “vivas”. Nos dois primeiros não havia novidades, mas o terceiro mudava tudo:

_ “Viva a Religião Católica” Viva El-Rei! Viva a Constituição! ”. Para surpresa geral, em vez de mandar prendê-lo, o coronel repetiu o brado do alferes e foi seguido pela tropa. Era parte da conjuração arquitetada nas reuniões secretas. O estudante Patroni e o alferes Simões da Cunha eram os profetas da boa-nova que nos meses seguintes haveria de se espalhar pelo Brasil e resultar na Independência.

Em fevereiro de 1821 foi a vez da Bahia aderir à causa constitucional após uma rápida troca de tiros entre tropas leias ao governador e oficiais rebeldes. A cabeça do império – o Rio de Janeiro – caiu duas semanas depois. Pressionado pelos revoltosos, um assustado D. João VI apareceu no dia 26 de fevereiro na janela do Paço Imperial e balbuciou as palavras com as quais jurou as bases da futura constituição a serem elaboradas pelas cortes. Pela primeira vez em sete séculos de monarquia portuguesa, um soberano aceitava abrir mão de parte de sua autoridade em favor de um congresso que, convocado a sua revelia, iria delimitar dali para frente os seus poderes. Com quase ½ século de atraso, Brasil e Portugal eram finalmente capturados pelos ventos soprados nos EUA em 1776 e na França, em 1789.

D. João também acatou as ordens de embarcar de volta para Lisboa, deixando o filho D. Pedro como príncipe regente do Brasil. Diante de tantas novidades o clima era de euforia e, aparentemente, brasileiros e portugueses lutavam pela mesma causa. No entanto, aos poucos as divergências iam ficando mais claras, pois as cortes se revelariam liberais em relação aos seus próprios interesses em Portugal, mas reacionárias naquilo que dizia respeito ao Brasil.

As cortes eram uma assembleia na qual os reis e a nobreza de Portugal pactuavam as suas relações e, desde a criação do reino no século 12, eram convocadas sempre que houvesse dúvidas sobre os limites e legitimidade do poder dos reis.

Nessas assembleias o soberano ouvia a grande nobreza da terra, os chefes militares e a alta hierarquia da Igreja sobre a aplicação das leis e o papel que as próprias cortes desempenhariam à frente do governo. Foram caindo em desuso à medida que o poder do rei foi se fortalecendo e, em 1820, já fazia 120 anos que as cortes não eram convocadas. A assembleia convocada em 1820, além de quebrar o jejum dessas reuniões no século anterior, tinha uma diferença em relação as que haviam precedido. Eram cortes liberais, muito influenciadas pelas noções da Revolução Francesa, que defendia o fim do poder dos reis. Caberia a essas cortes a tarefa de construir um novo sistema político, o de monarquia constitucional – até então nunca tentado em Portugal.

A composição das cortes de 1820 também se diferenciava das demais. Em lugar da grande nobreza da terra e da alta hierarquia militar e eclesiástica, era integrada por padres, professores, advogados e comerciantes – representantes de uma nova elite política e intelectual que havia emergido no país durante a permanência da família real no Rio de Janeiro. É curiosa a alta proporção de padres na delegação brasileira – 30% dos deputados – prova de que a Igreja se constituía num dos pilares da revolução em andamento na colônia. Fazendeiros, advogados e médicos compunham os outros 30%. Os magistrados, 20%; os militares, 10%, cabendo aos funcionários públicos e professores os 10% restantes.

Somente a representação de São Paulo levou instruções à constituinte portuguesa. Elaborado por José Bonifácio, o documento defendia a “integridade e a indivisibilidade do Reino Unido” e igualdade de direitos entre brasileiros e portugueses. No Brasil haveria um governo centralizado ao qual se submeteriam todas as províncias. Ao desembarcarem em Lisboa (no final de 1821), os deputados brasileiros foram surpreendidos por diversas decisões tomadas na sua ausência, pois todos os projetos tinham o objetivo de recolonizar o Brasil cassando todos os privilégios concedidos por D. João VI nos anos anteriores. Ao agir assim, os representantes portugueses haviam quebrado a promessa de não tocar em assuntos de interesse do Brasil, antes da chegada de seus representantes.

Em um esforço de fragmentar o território brasileiro como forma de controla-lo mais facilmente, as cortes decidiram dividir o Brasil em províncias autônomas e, cada uma delas, elegeria sua própria junta provisória de governo que responderia a Lisboa, sem dar satisfações ao príncipe. No Rio de Janeiro, D. Pedro se sentia cada vez mais isolado: _ “Fiquei regente, e hoje sou capitão-general, porque governo só a província”. As medidas mais drásticas saíram em setembro, anulando os tribunais de justiça e outras instituições criadas por D. João no Rio de Janeiro. Elas restabeleciam o antigo sistema de monopólio comercial português sobre produtos comprados (ou vendidos) pelos brasileiros e, por fim, determinavam que o príncipe regente retornasse a Lisboa e dali passasse a viajar incógnito pela Espanha, França e Inglaterra “a fim de instruir-se”.

Para assegurar que suas resoluções fossem cumpridas, as cortes nomearam “governadores das armas” para cada província, os quais seriam encarregados de preservar a ordem e sufocar quaisquer tentativas de autonomia. O tom dos discursos entre os deputados portugueses era incendiário e, ao pedir mais tropas para a Bahia, José Joaquim Ferreira de Moura afirmou que a população brasileira era “composta de negros, mulatos, crioulos e europeus de diferentes caracteres; ou seja, gente de segunda classe, a ser tratada a pau e chicote”.

Dois meses depois, Xavier Monteiro chamava D. Pedro de “um mancebo vazio de experiência, arrebatado pelo amor da novidade e por um insaciável desejo de figurar, vacilante em princípio, incoerente em ação, contraditório em palavras”. Nessa época, as comunicações entre Brasil e Portugal eram muito lentas, pois uma viagem entre Salvador e Lisboa demorava 65 dias e, do Rio de Janeiro, demorava cerca de 70 dias. Por isso, é natural que os deputados brasileiros em Lisboa demorassem meses a tomar posse e, uma vez instalados em Lisboa, tivessem dificuldades em saber das novidades no Brasil.

O mesmo acontecia com as decisões das cortes que afetavam os interesses brasileiros e, por essa razão, só em dezembro de 1821 o navio Infante Dom Sebastião atracou no Rio de Janeiro com as notícias de que as repartições governamentais no Brasil seriam fechadas e que D. Pedro deveria embarcar para Lisboa. A reação dos brasileiros foi de revolta. Manifestos e abaixo-assinados contra as cortes e pedindo a permanência de D. Pedro no Brasil começaram a ser organizados em São Paulo, Minas Gerais e na própria capital. Aí, o centro da conspiração era uma cela no Convento de S. Antônio, no Largo da Carioca.

Seu ocupante – o frei Francisco Sampaio – era ligado à maçonaria e foi o autor da representação que seria entregue ao príncipe pedindo que ficasse no Brasil. O abaixo-assinado tinha 8 mil assinaturas – número espantoso para uma cidade de apenas 120 mil habitantes. A data escolhida, 9 de janeiro de 1822, passaria para a História como o “Dia do Fico”. Ao receber o documento das mãos do presidente do Senado da Câmara, D. Pedro anunciou a decisão de permanecer no Brasil, contrariando as ordens da corte.

Os brasileiros mal tiveram tempo de comemorar o “Fico”, pois na tentativa de forçar o príncipe a recuar e obedecer às ordens das cortes, o general Jorge de Avilez de Souza Tavares, comandante da principal guarnição militar portuguesa no Rio de Janeiro, ocupou o Morro do Castelo que dominava a área da zona portuária da cidade. O tenente-coronel português, José Maria da Costa lançou um desafio: “Havemos de levá-lo pelas orelhas. A tropa vai cerca-lo e prendê-lo”.

A cidade amanheceu em clima de guerra, com brasileiros e portugueses prontos para a batalha. No lado brasileiro, concentradas no Campo de Santana havia 10 mil pessoas armadas, incluindo soldados, “ armados de pistolas, facas e pedaços de pau, negros carregando capim e milho para animais da tropa ou levando à cabeça tabuleiros de doces e refrescos para os homens” – na descrição da viajante Maria Graham. Os portugueses eram em menor número (2000 soldados), porém mais bem treinados e organizados. No dia 12, os ânimos se acalmaram com a notícia de que o general Avilez se dispunha a retirar seus homens para Niterói.

Em 5 de março um novo esquadrão português apareceu na entrada da Baía de Guanabara, trazendo 1.200 soldados destinados a substituir as forças do general Avilez e, uma vez mais, D. Pedro se manteve inflexível. Os navios entraram na baía, mas tiveram de ficar ao largo sob a pontaria dos canhões das fortalezas cariocas e com suas tropas impedidas de desembarcar. Os oficiais só puderam ir a terra depois de jurar obediência ao príncipe regente.

O primeiro grande enfrentamento entre portugueses e brasileiros resultou numa tragédia familiar que abalou o ânimo de D. Pedro. Assustado com os rumores sobre um plano para sequestra-lo, o príncipe decidiu proteger sua família enviando a princesa Leopoldina e os filhos pequenos para a Real fazenda de Santa Cruz.

Foi uma viagem desconfortável, por estradas esburacadas e sob calor sufocante do verão carioca. Grávida de 8 meses, Leopoldina levava nos braços o filho mais velho – João Carlos – de apenas 9 meses. Frágil e doente, morreu em 4 de fevereiro, depois de 28 horas seguidas de convulsões. A partir disso as relações azedaram de vez e, em Lisboa, os deputados brasileiros eram alvos de zombarias nas ruas e vaiados nos recintos das cortes. E, com a expulsão do general Avilez e a proibição de desembarque das tropas de reforço enviadas por Lisboa, o Rio de Janeiro (e parte das regiões sul e sudeste) estavam livres de qualquer pressão militar.

Uma semana após o “Dia do Fico”, D. Pedro organizou seu primeiro governo no Brasil. Era liderado pelo paulista José Bonifácio, o homem cujos conselhos seriam decisivos nas ações do príncipe no caminho para a Independência. Bonifácio agiu rápido e, com uma série de decretos, restaurou a administração das diversas províncias a partir do Rio de Janeiro.

Anunciou que a execução de qualquer ordem das cortes seria ilegal sem o prévio consentimento do príncipe regente e, por fim, convocou um “Conselho de Procuradores das Províncias” – encarregadas de elaborar as primeiras leis do Brasil independente.

Em maio, D. Pedro aceitou o título de “defensor perpétuo e protetor do Brasil”, que lhe foi oferecido por iniciativa da maçonaria. Na primeira semana de agosto ele lançou um manifesto, redigido pelo maçom Gonçalves Ledo, o qual dizia que “estava acabado o tempo de enganar os homens”. Daí as cortes responderam no mesmo tom, proibindo o embarque de armas e reforços para as províncias obedientes ao Rio de Janeiro e determinaram que D. Pedro dissolvesse o novo governo, cancelando a convocação da constituinte e prendesse os ministros contrários às decisões de Lisboa.

Em discursos contra os “rebeldes” brasileiros, o deputado Borges Carneiro ameaçou: _ “Mostre-se que ainda temos um cão de fila, ou leão, tal que, se soltarmos, há de trazê-los a obedecer às cortes, ao rei e às autoridades constituídas”. Foram essas as ordens insolentes que D. Pedro recebeu das mãos do esbaforido mensageiro Paulo Bregaro ao cair da tarde de 7 de setembro de 1822, às margens do riacho Ipiranga.

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

A Guerra Entre os Irmãos Portugueses

 

Qual Era o Perfil de D. Pedro I e de Seu Irmão D. Miguel? Por Que Houve Confronto Entre Liberais e Absolutistas em Portugal? Como se Desenrolou a Guerra Entre Ambos os Irmãos? Quem Saiu Vencedor?

 


Quando eram adolescentes no Rio de Janeiro, os irmãos D. Pedro I e D. Miguel tinham como brincadeira favorita os jogos de guerra. O pintor Jean-Baptiste Debret conta que os príncipes “organizavam e comandavam exércitos formados pelos filhos dos escravos, que se enfrentavam na Quinta da Boa Vista – onde moravam – ou na Real Fazenda de Santa Cruz, onde passavam as férias. Em 1832, essa brincadeira se tornaria realidade, pois nos dois anos seguintes, os 2 irmãos protagonizaram a mais longa e cruel guerra civil da história de Portugal.

O confronto entre os liberais – sob o comando de D. Pedro – e os absolutistas liderados por D. Miguel, deixou milhares de mortos e abriu feridas que demoraram mais de um século para cicatrizar. Diferentes em tudo, os irmãos nasceram com os sinais trocados em relação aos pais, pois D. Pedro era o preferido de D. João e herdou a índole mãe – Carlota Joaquina – porque ele era ativo, irrequieto, aventureiro e namorador.

D. Miguel – protegido de Carlota – tinha o caráter do pai, pois ele era menos impulsivo que o irmão, apegado à etiqueta, à tradição e ao protocolo. Seus traços físicos alimentavam rumores de que tivesse inclinações homossexuais, suspeita que também acompanhara o pai no Brasil. ([1])

Outra diferença curiosa entre os dois é que D. Miguel, ao contrário de toda a descendência dos Bragança, não gostava de canja de galinha nem de franguinhos passados na manteiga, a iguaria favorita de D. Pedro e de seu pai (D. João). Seu prato predileto era a carne de caça. Até a sua filiação era colocada em dúvida, pois D. Miguel nasceu em 1802 quando o casamento dos pais já andava estremecido.

Rumores nunca comprovados, o apontavam como resultado de um romance entre Carlota Joaquina e D. Pedro José de Meneses Coutinho, de quem teria herdado os traços físicos e o gosto pela equitação. Diferentes na aparência, no caráter e nos gostos pessoais, os irmãos também divergiam na política, pois D. Pedro era maçom, admirador de Napoleão Bonaparte e leitor dos iluministas franceses. Ele foi um monarca liberal e modernizador das leis e dos costumes do seu tempo. Ao contrário, D. Miguel era conservador, avesso ao regime constitucional e adepto do absolutismo real.

Desde a morte de D. João VI em 1826, a crise política portuguesa tinha se agravado e, duas providências tomadas por D. Pedro ainda no Rio de Janeiro, dividiram Portugal ao meio. Tão logo soube das decisões de anistia aos presos políticos e a outorga de uma constituição liberal, o governador da cidade do Porto aderiu aos liberais e enviou uma delegação a Lisboa para exigir o imediato juramento da nova Constituição.

Os absolutistas reagiram com levantes militares em várias cidades e, esperançoso de uma solução pacífica, D. Pedro nomeou o irmão regente de Portugal impondo duas condições: _ D. Miguel deveria jurar a nova Constituição e se casar com a sobrinha e legítima herdeira do trono, Maria da Glória, que se tornaria a rainha de fato quando atingisse a maioridade.

Aparentando aceitar as exigências do irmão, D. Miguel deixou o exílio em Viena e desembarcou em Lisboa no dia 22 de fevereiro de 1828, sendo recebido em triunfo pelos absolutistas. Na condição de regente, dissolveu câmaras, demitiu o ministério, proibiu a execução do hino constitucional, afastou os governadores liberais e convocou as cortes para decidir quem assumiria o trono no lugar de D. João VI. E, em julho de 1828, ele próprio foi declarado legítimo rei.

Entronizado com o nome de D. Miguel I, o novo rei tinha o apoio da nobreza, cujos interesses eram ameaçados pelos liberais e da Igreja Católica, que o via como a salvação contra as sementes anticlericais plantadas pela Revolução Francesa. Nos meses seguintes à aclamação de D. Miguel, o clima de terror se instalou entre os portugueses e, em março de 1829, havia 23.190 pessoas na prisão. Outras 40.790 tinham emigrado para a América ou países vizinhos. Forcas foram erguidas para executar os adversários e estima-se que 1.122 opositores tenham sido assassinados.

Incapazes de resistir à onda absolutista, o general Saldanha e os demais chefes liberais do Porto fugiram para a Inglaterra e a Espanha, de onde começariam a tramar a derrubada do novo rei. Em julho de 1828, uma revolta liberal irrompeu na Ilha Terceira – nos Açores – que se converteria em santuário de resistência contra o absolutismo. Para lá se transferiram os líderes refugiados na Inglaterra.

Os acontecimentos em Portugal reacenderam em D. Pedro I – já impopular e desprestigiado no Brasil – a conhecida atração pelos grandes desafios. Aos 23 anos havia se tornado o herói do novo mundo ao proclamar a Independência. Agora, era sua terra natal que o atraía e fascinava. A causa oferecia oportunidades de glória e a guerra contra D. Miguel seria o seu último ato como homem de duas pátrias. Pela causa de sua filha – Maria da Glória – D. Pedro gastaria os últimos três anos de sua vida.

Em meados de 1828, ainda sem saber do golpe encabeçado pelo irmão, D. Pedro decidiu enviar Maria da Glória para Viena, onde ficaria aos cuidados do avô – Francisco I – até a época do casamento com o tio. A princesa zarpou do Rio de Janeiro sob a proteção do Marquês de Barbacena, até essa época ainda um fiel aliado do imperador brasileiro.

Ao chegar a Gibraltar, Barbacena tomou conhecimento das notícias em Portugal e decidiu mudar os planos. Desconfiado de um apoio do governo austríaco a D. Miguel ele levou Maria da Glória para a Inglaterra e, depois de 6 meses, devolveu-a ao pai no Rio de Janeiro.

Depois de abdicar o trono brasileiro em 1831, D. Pedro assumiu o título de Duque de Bragança e desembarcou na Europa em busca de apoio para a guerra contra o irmão. À primeira vista, o cenário lhe parecia favorável, pois na França, o novo rei liberal – Luís Filipe – era seu primo. A Inglaterra também passara por mudanças: o conservador Lord Wellington, herói da vitória contra Napoleão, fora substituído na chefia do ministério por Lord Grey, simpático à causa liberal.

 

Ao cair, Wellington estava inclinado a reconhecer D. Miguel como legítimo governante de Portugal. O novo gabinete decidiu adiar a decisão e dar alguma chance aos opositores comandados por D. Pedro. O Duque de Bragança foi homenageado com deferência em Londres e em Paris, mas nenhum dos dois governos concordou em dar-lhe o suporte necessário, obrigando-o a iniciar a campanha contra seu irmão em condições precárias. Ao partir dos Açores em 27 de junho de 1832, comandava um exército que tinha em suas fileiras 2 futuros escritores e poetas famosos, mas cujas perspectivas de vitória pareciam remotas.

A tropa era composta de 7.500 voluntários e muitos deles sem treinamento militar, enquanto que o exército de D. Miguel somava uma força 10 vezes maior. Restou a D. Pedro gastar parte da fortuna que acumulou no Brasil e, ainda nos Açores, autorizou o saque de 12.000 libras esterlinas de sua conta no Banco Rothschild para financiar as despesas do exército.




Ao anoitecer de 7 de julho de 1832, as sentinelas miguelistas postadas na aldeia de pescadores do rio Douro flagraram na linha do horizonte as velas da esquadra liberal, que se aproximava da costa portuguesa. Tambores anunciaram a novidade a todos os moradores e, o local escolhido para desembarque, era uma praia de areia grossa batida, alguns quilômetros ao norte do Porto.

Para os moradores foram horas de tensão e medo, pois todos acreditavam que a 2ª cidade mais importante do país seria atacada pelos liberais e que o exército miguelista a defenderia até o último homem.

Curiosamente não foi o que aconteceu, pois os miguelistas evacuaram o Porto sem trocar tiros com a minguada força liberal que se aproximava. Isso permanece como o maior mistério da guerra civil portuguesa. Os oficiais de D. Miguel não apenas deixaram de proteger a cidade, como ali abandonaram milhares de armas e munições – incluindo 50 canhões. Se os absolutistas tivessem mantido suas posições, a derrota de D. Pedro estaria selada logo de início. Ao desembarcar, o exército liberal estava exausto e faminto, a artilharia não passava de um obus e 2 canhões, os quais eram puxados pelos próprios soldados.

Os historiadores levantaram três possíveis explicações para o comportamento dos absolutistas. Na primeira hipótese, teriam como objetivo isolar os liberais no Porto, transformando a cidade numa ratoeira, da qual só sairiam mortos. A 2ª estaria relacionada a supostas simpatias do principal comandante miguelista – o Visconde de Santa Marta – à causa de D. Pedro e, a terceira hipótese, seria a incompetência pura e simples, das quais os oficiais de D. Miguel dariam, renovadas provas ao longo da guerra.

Na falta de um cavalo, D. Pedro entro no Porto cavalgando um burro que um simpático morador providenciou no percurso entre a praia e a cidade. Era a sina que o acompanhava nos momentos de glória, pois tinha sido um animal como esse que fizera o Grito do Ipiranga, dez anos antes. As forças da praça Nova foram desmontadas, os presos libertados e o carrasco – odiado pela crueldade – foi executado a tiros de espingarda.

 

Porém, os moradores reagiram com um misto de alívio e apreensão. A cidade celebrava a chegada do exército liberal, mas sabia que o futuro era incerto e perigoso. E os temores logo se confirmaram, pois o que parecia um passeio, se transformou rapidamente em pesadelo. As forças miguelistas abandonaram a cidade, mas não a guerra, pois após o primeiro recuo fecharam um arco em torno do Porto, impedindo a entrada de pessoas, armas, munições e alimentos.

Os liberais tinham de fato caído em uma ratoeira e, os meses seguintes foram de fome, doença e muito sacrifício. Esfomeados, soldados (e moradores) caçavam cães, gatos, burros, cavalos e roedores em terrenos baldios. A madeira das casas era usada para acender fogueiras a fim de amenizar o frio. Em março. O soldo da tropa já estava atrasado 9 meses e uma epidemia de cólera dizimou milhares de pessoas.

Em meio a tudo isso, D. Pedro se revelou um chefe militar dedicado e carismático que haveria de ficar para sempre na memória da cidade do Porto. Cabia ao rei-soldado cuidar da defesa da cidade e alimentar 60 mil habitantes. Nos dias chuvosos de inverno, percorria a cidade a pé, usando um capote militar até os pés, que o protegia do frio.

Incansável e hiperativo, envolvia-se em tudo, descendo às trincheiras, orientando os atiradores, supervisionando os armazéns, visitando hospitais e feridos e participando das reuniões para a tomada de decisões.

Às vezes, até se expunha a riscos desnecessários, pois uma vez uma bala disparada da margem oposta do rio Douro matou um oficial que estava a seu lado. Outra ricocheteou na parede da igreja e passou de raspão pela cabeça do imperador. Mas, apesar da situação aflitiva, ainda encontrava tempo para passear, se divertir e namorar. Ao partir para a guerra, havia deixado a imperatriz Amélia e as duas filhas – Maria da Glória e Maria Amélia – na França.

Mais tarde, incomodadas com o tratamento pouco cortês recebido das autoridades francesas, as três se transferiram para a Inglaterra. Distante da mulher 19 meses, envolveu-se com uma freira de 23 anos – Ana Augusta Peregrino Faleiro Toste – a qual deu à luz o último filho bastardo de D. Pedro, um menino que, batizado com o mesmo nome do futuro Pedro II do Brasil – Pedro de Alcântara – morreu cedo e foi sepultado com honras.

Iniciado em julho de 1832 o “Cerco do Porto” durou até o final do ano seguinte e, ao todo, os miguelistas fizeram 29 ataques, alguns repelidos de forma desesperada pelos liberais quando os adversários já ocupavam as ruas e praças da cidade. O total de mortos entre os liberais foi de 2.792 soldados, de acordo com o coronel Owen.

Ou seja, de cada 2 voluntários que haviam embarcado com D. Pedro nos Açores, um morreu. Porém, o exército miguelista teve baixas muito maiores, pois 23.004 homens morreram. Os civis foram cerca de 3 mil, dos quais mil atingidos pelo fogo dos canhões e fuzis e 2.000 de doenças.

Em meio à carnificina houve também episódios pitorescos e um deles foi o fiasco de um poderoso canhão doado a D. Miguel por João Paulo Cordeiro. Batizado de “mata-malhados”, em referência aos liberais que eram conhecidos por “malhados”, o canhão foi levado em procissão de Lisboa ao Porto durante várias semanas.

De tão pesado, eram necessárias 13 juntas de boi para arrastá-lo. Posicionado às margens do rio Douro com o cano apontado para o centro da cidade do Porto, logo no 1º tiro revelou-se uma decepção. O disparo era tão potente que estourava os tímpanos dos artilheiros.

Calibrá-lo exigia enorme esforço físico, a tal ponto que os militares desistiram de usar toda a sua capacidade de tiro e passaram a carrega-lo com apenas meia carga de pólvora. Ao fim de alguns dias, tornara-se tão inofensiva que virou motivo de piada entre os moradores do Porto.

O cerco foi rompido graças a uma rápida sequência de acontecimentos que mudaram os rumos da guerra em menos de 2 meses. Em Londres, o embaixador informal dos liberais (D. Pedro de Souza Holstein) conseguiu dos ingleses o apoio que D. Pedro buscava desde o começo.

Em 1º de junho de 1833, cinco navios de guerra a vapor britânicos, comandados pelo almirante Charles Napier, apareceram na foz do rio Douro trazendo peças de artilharia, 150 marinheiros e 322 soldados bem treinados. Três semanas depois, Napier desembarcou no Algarves (ao sul do território português) com 2.500 soldados, avançando rapidamente pelo Alentejo em direção a Lisboa, enquanto no mar ele obtinha uma vitória memorável ao destruir a esquadra de D. Miguel perto do cabo de São Vicente.

Em seguida, seus navios entraram no rio Tejo e bloquearam a capital que, sem resistência, foi ocupada no dia 24 de junho. No dia 28, D. Pedro deixou a cidade do Porto em direção à capital, onde foi recebido em triunfo. No entanto, a guerra em Portugal ainda estava longe de terminar, pois D. Miguel refugiou-se em Santarém e dali passou a comandar a resistência. A capitulação só veio em 26 de maio de 1834 e, pelos termos da rendição, D. Miguel pôde partir em segurança para o exílio, agora em caráter definitivo.

Mesmo depois da capitulação, os absolutistas imporiam um derradeiro sacrifício aos moradores da cidade do Porto, pois ao se retirarem da cidade – na noite de 16 de agosto de 1834 – os miguelistas incendiaram os armazéns da Companhia de Vinha do Alto Douro, onde estavam guardadas 17 mil pipas de vinho e 500 de aguardente. O objetivo era evitar que o estoque fosse vendido aos ingleses para financiar a reconstrução nacional planejada pelos liberais. O prejuízo de 2.500 contos de réis foi um duríssimo golpe nas já combalidas finanças nacionais.

Ao final da guerra o coronel Owen fez uma lista de vinte fatores que contribuíram para o triunfo liberal contra todas as adversidades. A vitória no começo da campanha era tão improvável que Owen batizou a sua lista de vinte milagres. A lista incluía a mudança de cenário político na Europa, a incompetência dos ministros e oficiais de D. Miguel, a energia sem paralelo dos habitantes do Porto e, além disso, “a milagrosa conservação da existência de D. Pedro, que durou o tempo necessário para a execução de seus planos, sob padecimento de uma moléstia mortal”.

Sua obra modernizadora das leis e dos costumes aprofundou-se ao fim da guerra contra o irmão. De um lado, agiu com rigor ao confiscar bens da Igreja Católica, extinguir o dízimo que sobrecarregava as atividades econômicas e, por fim, expulsar de Portugal autoridades eclesiásticas que haviam apoiado a causa absolutista.

De outro lado, impediu a vingança dos liberais que defendiam penas de morte para os derrotados e, em vez disso, concedeu anistia e permitiu que o irmão partisse para o exílio. Era seu traço característico – impor-se primeiro e contemporizar depois. Ou seja, “ele vencia para perdoar” ([2]).

Mas, o povo português não se conformava com o tratamento generoso dispensado aos homens que tantos sofrimentos haviam impostos ao país e, certa noite, ao chegar ao teatro em Lisboa, D. Pedro foi cercado pela multidão enfurecida, a qual atirava pedras em sua carruagem.

A plateia o recebeu com demorada vaia e, pálido, o imperador teve um acesso de tosse. Surpresa com a cena a multidão fez um profundo silêncio. D. Pedro guardou o lenço e, com a voz rouca, ordenou que o espetáculo seguisse. Era o prenúncio do fim de uma vida.



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([1]) Revista “Gosto”. José A. Dias Lopes, Ed 1, julho 2001. p. 54

([2]) PIMENTEL, Alberto. “A Corte de D. Pedro IV”. p. 263