quinta-feira, 13 de outubro de 2022

A Roda da Fortuna de Uma Nova República no Brasil

 

O Que Representou o Encilhamento na Fase da Implantação da República Brasileira? Quais Foram as Consequências do Novo Surto de Prosperidade Econômica? Quais Foram as Medidas Tomadas Pelo Ministro da Fazenda Rui Barbosa? Qual a Importância de Sebastião Pinho, Eduardo Guinle e do Barão de Drummond Para a Economia da Época?

 


Nos primeiros meses de 1890 uma série de editais curiosos apareceu nos jornais cariocas, anunciando a criação de bancos, fábricas, comércio, navegação, projetos de colonização, transporte, ferrovias, companhias telefônicas, hotéis, restaurantes e outros negócios. As pessoas eram convidadas a participar desses empreendimentos como acionistas e as expectativas de lucros astronômicos das novas empresas oferecia a possibilidade de fortuna rápida. Quem não tivesse dinheiro poderia recorrer a empréstimos de longo prazo a juros módicos e, depois de pagar o banco rapidamente uma vez que os negócios se diziam promissores, seria possível embolsar uma boa soma. Isto é, tudo fácil e simples.

Havia de tudo e algumas iniciativas tinham aparência sóbria, como era o caso da Empresa Industrial Melhoramentos do Brasil que, comandada pelo engenheiro Paulo de Frontin, oferecia aos acionistas um empreendimento destinado à “exploração de privilégios e concessões do governo” na área de obras públicas. Outras eram bem pitorescas como a Companhia Industrial de Mate e Coca, cujo objetivo seria explorar no Paraná uma “planta muito semelhante à coca boliviana com todas as suas aplicações terapêuticas e riquíssimas em cocaína”. Já a Companhia Empresa Funerária propunha-se a “estabelecer um perfeito serviço para condução de cadáveres à sua última morada”.

Quem observasse esses anúncios teria a impressão de que um novo Brasil estava se erguendo praticamente do nada e, onde antes havia uma economia agrária e rudimentar, movida a mão de obra escrava, agora nascia uma nação empreendedora de economia complexa e variada. Graças ao novo surto de prosperidade, estradas de ferro iriam cortar as lonjuras do interior, encurtando distâncias. Empresas de comunicação aproximariam as pessoas oferecendo serviços de telefonia, telégrafo e correios. Os rios da Amazônia e do Centro-Oeste seriam usados na navegação de passageiros e transporte de cargas.

Até então escuras, as cidades receberiam iluminação pública, redes de esgoto e fornecimento de água tratada. As terras férteis do Paraná, R. G. do Sul, S. Paulo e Goiás seriam colonizadas por agricultores que teriam crédito para produzir e exportar. Fazendas de gado brotariam no sertão nordestino e haveria mineração de fosfato no arquipélago de Abrolhos (Bahia), produção de cerveja em São Paulo, construção de estaleiros navais e fabricação de gelo e de tecidos no Rio de Janeiro, onde uma empresa se candidatava a inaugurar restaurantes, rinques de patinação, salões de baile e jogos, além de um hotel à beira-mar.

Infelizmente nada disso era realidade, pois os anúncios nos jornais retratavam apenas um Brasil fictício, um país de papel composto de títulos e contratos alimentados por uma ciranda financeira como nunca se vira na história brasileira. O fenômeno durou poucos meses e, como um passe de mágica, gerou algumas fortunas relâmpago, destruiu outras com a mesma velocidade e passou para a história com o nome de “Encilhamento” ([1]).

Essa palavra vem do verbo “encilhar”, ato de colocar e apertar os arreios dos cavalos antes das provas de turfe. O encilhamento dos animais acontecia minutos antes do início do páreo, quando os frequentadores – sempre em busca de bons palpites – arriscavam a sorte apostando freneticamente em favoritos e azarões.

Ali fortunas eram produzidas ou destruídas em minutos e dificilmente haveria melhor termo para definir a primeira grande corrida especulativa no Brasil. Na falta de uma Bolsa de ações, os papéis eram negociados nas ruas, esquinas, mesas de bares e restaurantes com a mesma sofreguidão com que se faziam as apostas no jóquei. O Encilhamento foi estimulado por decreto do Ministro da Fazenda (Rui Barbosa) em 17 de janeiro de 1890, sem o conhecimento dos demais colegas de ministério. O decreto dos bancos emissores mudou o critério pelo qual o governo fabricava dinheiro, pois até então, o papel-moeda estava atrelado ao ouro.

Isto é, a quantidade de dinheiro em circulação deveria refletir exatamente as reservas do país em metal precioso e isso era uma garantia de que a emissão de moeda não geraria inflação. Rui Barbosa alterou esse parâmetro ao autorizar a criação de 10 novos bancos que, distribuídos pelas diferentes regiões, poderiam fazer emissões de dinheiro baseadas em títulos da dívida pública federal.

Os bancos emitiam dinheiro, o governo garantia e, quem precisasse de crédito, poderia recorrer a essas instituições a fim de obter o dinheiro para criar uma empresa ou ampliar um negócio. Na aparência era uma boa ideia, mas o saldo foi catastrófico. Estimulada pela produção desenfreada de dinheiro, a inflação atingiu níveis altíssimos. A maioria dos novos bancos quebrou sem honrar seus compromissos. O Banco Emissor de Pernambuco colocou no mercado papéis no valor de ½ milhão de libras esterlinas (65 milhões de dólares) e, desse total, conseguiu honrar apenas 100 mil libras.

Dessa forma, o Tesouro Nacional assumiu o saldo de 400 mil libras. O Encilhamento deixou profundas cicatrizes na biografia de Rui Barbosa, o qual passou para a história como um dos maiores juristas brasileiros, mas também como um financista desastrado. Outra medida desastrada de Rui Barbosa foi o decreto que determinava a queima de todos os registros do comércio de escravos. A justificativa era eliminar dos arquivos – e, portanto, da memória nacional – os vestígios de um capítulo que julgava vergonhoso. Na realidade, o objetivo era tornar impossível compensar os prejuízos que os senhores de escravos pudessem reclamar na Justiça.

A história do Encilhamento está repleta de personagens fascinantes e, atualmente, alguns são nomes de cidades, praças e ruas. O conselheiro Francisco de Paula Mayrink, nome de município no Paraná e em São Paulo, ganhou tanto dinheiro que adquiriu o Palácio do Catete – marco da arquitetura Imperial no RJ que, mais tarde, foi transferido ao governo federal para pagamento de dívidas. Considerado o maior de todos os especuladores do Encilhamento, Sebastião Pinho começou a vida como vendedor de bilhetes de loteria no Rio de Janeiro e, em 1890, lançou no mercado ações de 5 companhias e uma delas era chamada de Banco de Paris e Rio. A soma de todos os seus empreendimentos chegou a 295 mil contos de réis (3,2 bilhões de dólares) ([2]).

Sua relação de bens incluía o terreno onde anos mais tarde o empresário Eduardo Guinle, também personagem do Encilhamento, construiria o Palácio das Laranjeiras. Sebastião era sócio de João Batista Vianna Drummond (o Barão de Drummond) cujos negócios incluíam o Banco dos Imigrantes, a Empresa Industrial do Norte e Oeste do Brasil, a Fábrica de Tecidos Lázaro e o Banco Italiano. No entanto, ele ficou conhecido por dois outros feitos: _ a criação do bairro de Vila Isabel e a invenção do jogo do bicho – ainda hoje dominado por seus descendentes. Os milionários do Encilhamento gastaram suas fortunas comprando joias, casas, fazendas e títulos de nobreza. Depois da queda da Monarquia brasileira, essas honrarias passaram a ser oferecidas pelo governo português, o qual cobrava altíssimas somas por elas. Muitos escritores e intelectuais deixaram-se contaminar pela ciranda financeira e, entre os intelectuais que enriqueceram, estavam o teatrólogo Artur de Azevedo, o jornalista José do Patrocínio e o escritor Júlio Ribeiro.

A maioria dos empreendimentos do Encilhamento fracassou e, no entanto, alguns prosperaram. Um deles se incorporou definitivamente à paisagem carioca, pois em janeiro de 1891 foi criada a Companhia de Construções Civis através dos sócios Otto Simon e Theodoro Eduardo Duvivier. Seu objetivo principal era explorar uma área distante alguns quilômetros do centro do RJ, onde se pretendia fazer um loteamento e assim nasceu o bairro de Copacabana.

Outros exemplos de sucesso foram a Companhia Antarctica Paulista, a qual se tornaria uma das mais respeitadas cervejarias brasileiras e a Companhia Melhoramentos de São Paulo. Entretanto, de todas as iniciativas, a mais simbólica foi o surgimento das bolsas de ações que nas décadas seguintes ajudariam a organizar o mercado, de modo a evitar aventuras semelhantes. O Encilhamento foi o principal motivo das crises ministeriais do governo Deodoro da Fonseca. Inconformado com as medidas que Rui Barbosa adotara sem ouvir os demais, Demétrio Ribeiro demitiu-se da pasta da Agricultura e, desiludido com os rumos do novo regime, Aristides Lobo afastou-se do Ministério do Interior. Quintino Bocaiúva pediu demissão duas vezes do Ministério das Relações Exteriores e, de todas as brigas no governo, a mais ruidosa foi a que resultou na saída de Benjamin Constant do Ministério da Guerra.

Benjamin morreu quatro meses mais tarde – em janeiro de 1891 – magoado com os rumos da República que ajudou a fundar. Boatos afirmavam que nas últimas semanas de vida teria perdido a sanidade mental. O governo provisório chegou ao fim em 25 de fevereiro de 1891 (no dia seguinte à promulgação da nova Constituição), quando o Congresso Nacional elegeu, por via indireta, o primeiro presidente da República. O vencedor, como se poderia imaginar, foi o próprio Marechal Deodoro da Fonseca, o candidato dos militares, o qual teve 129 votos contra 97 do civil Prudente de Moraes. Seu governo já nascia condenado ao fracasso e implodiria nove meses mais tarde.

O Encilhamento de Rui Barbosa, as brigas no Ministério e o gênio difícil do Marechal Deodoro mostravam que os desafios do novo regime eram muito maiores do que imaginavam os jovens idealistas de 1889. Nesse momento, entraria em cena um dos personagens mais enigmáticos de toda a história brasileira – o alagoano Floriano Peixoto, também conhecido como o “Marechal de Ferro”.

 

http://www.facebook.com/profigestao

__________________________________________________

([1]) Movimento incomum de especulação na Bolsa que ocorreu durante o começo da República, de que resultaram transtornos econômicos de toda ordem.

([2]) “1889: Como um Imperador Cansado, um Marechal Vaidoso e Um Professor Injustiçado Contribuíram Para o Fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil”. Laurentino Gomes – 1ª ed. – S. Paulo: Globo, 2013, p. 338.


Nenhum comentário :

Postar um comentário