quarta-feira, 18 de junho de 2025

As Artes Liberais Clássicas

 

Como Eram Divididos os Esquemas das Artes Liberais Clássicas? Qual a Relação de Pitágoras Com Essas Artes? Que Disciplinas Eram Estudadas no Trívio? E no Quadrívio?

 

 


As artes liberais clássicas podem ser divididas em Trivium e Quadrivium (Trívio e Quadrívio), tornando-se o principal modelo de educação na Antiguidade e na Idade Média. As chamadas “Artes Liberais Clássicas”, ou “As Sete Artes Liberais”, constituíram o modelo de educação durante a antiguidade clássica (greco-romana) e a Idade Média.

O termo “Liberal”, implicado no título que se dá a tais artes, procede do latim liber, que significa “livre”, no sentido de ter liberdade para escolher a instrução, para procurar a educação, sob a orientação de um mestre. Essa era a principal característica da educação liberal até o fim da Idade Média: a não obrigatoriedade da educação e o não enquadramento ela pelo poder estatal.

O esquema das Sete Artes Liberais era dividido em Trivium e Quadrivium, sendo o primeiro composto por três (3) disciplinas: a lógica, a gramática e a retórica e, o segundo era composto por quatro (4) disciplinas: a aritmética, a astronomia, a música e a geometria. Esse esquema figurou pela primeira vez durante o século IX d.C., sob o império erguido por Carlos Magno, que procurou reordenar a cultura herdada do Império Romano.




Entretanto, essa organização em duas (2) áreas do conhecimento remetia à concepção de estudo desenvolvida pelo matemático e filósofo grego Pitágoras (de Samos). Pitágoras – tal como vários de seus contemporâneos – era muito interessado em obter um tipo de conhecimento que desse conta da totalidade das coisas existentes, desde o âmbito propriamente humano (isto é, da linguagem, dos modos de expressão e de raciocínio) até o âmbito natural (isso implicava desvendar os símbolos “ocultos” na linguagem da natureza).

Nesse sentido, o Trivium – lógica, gramática e retórica – englobava o âmbito da linguagem desenvolvida pelos homens, desde o raciocínio lógico-dialético até o método gramatical (entonação, contato com poemas épicos, fábulas, texto de oradores, etc.).

Já o Quadrivium dava continuidade a esses estudos, disponibilizando ao estudante ferramentas para entender a organização do mundo natural e a simbólica dos números. As formas geométricas, os cálculos (teoremas, etc.) de fenômenos do mundo físico e astronômico, bem como o conhecimento das sete (7) notas musicais, eram estudados pelas disciplinas do Quadrivium.

Havia também uma singular analogia entre as Sete Artes Liberais e a ordem cósmica dos sete planetas visíveis a olho nu: [...] “analogia com o sentido simbólico dos planetas, relacionando a retórica com Vênus; a gramática com a Lua; a lógica com Mercúrio; a aritmética com o Sol; a música com Marte; a geometria com Júpiter; e a astronomia com Saturno” ([1])

Esse modelo de educação liberal foi infundido também nas Universidades Medievais, e o método da escolástica – no qual se formaram personalidades como São Tomás de Aquino – seguia os quadros do Trivium e do Quadrivium. Um dos principais expositores medievais do método da educação liberal foi Hugo de São Victor, com sua obra Didascalicon.

 

 

Cláudio Fernandes

(https://www.historiadomundo.com.br/curiosidades/artes-liberais-classicas.htm )




([1]NASSER, José Monir. Para entender o Trivium. In: Joseph, Miriam. O Trivium: as artes liberais da lógica, da gramática e da retórica. São Paulo: É realizações, 2008. p.15

quarta-feira, 7 de maio de 2025

A República Popular da China Pós-Guerra

 Como Era Composta a Maioria da População Chinesa Antes da 2ª Guerra? Qual Era a Relação da China Com o Japão Nesse Período? O Que Significou o “Grande Salto Para Frente”?





Mesmo após a proclamação da República, a China não se livrou da anarquia interna e da pressão do imperialismo, crescendo as rivalidades entre americanos e japoneses. Contudo, ocorreram mudanças favorecidas pela disponibilidade de mão de obra barata e, na medida em que o proletariado urbano aumentava, as constantes greves se evidenciavam e crescia o descontentamento.

Camponeses pobres compunham a maioria da população e suas dificuldades eram agravadas com o fracionamento da terra, a elevada taxa de arrecadamento do solo, as frequentes guerras e com as inundações dos rios. O governo de Chiang Kai-shek empreendeu violenta repressão contra os comunistas, embora tenha visto crescer a presença japonesa com a ocupação da Manchúria (1931), culminando com a guerra aberta visando a apoderar-se de todo país.

À medida que a guerra contra os japoneses se processava, modificou-se a relação de forças entre os comunistas e a direção do governo. Embora fosse feita uma frente antinipônica, a resistência era conduzida pelos comunistas. Chiang Kai-shek procurava preservar suas forças a fim de lutar contra os comunistas.

Nas regiões comunistas organizaram-se governos democráticos, confiscando-se as terras dos grandes proprietários que foram distribuídas aos camponeses. Em contrapartida, o governo mostrava-se fraco, corrupto, apático, não realizava reformas e oferecia pouca resistência aos japoneses.

Com o fim da Segunda Guerra os japoneses se retiraram do país, abandonando os territórios e equipamentos bélicos aos comunistas. A luta recomeçou: _ na Segunda Guerra Civil (1946/49) – apesar da ajuda econômica americana – a desintegração do governo chinês foi rápida. Enquanto Chiang Kai-shek fugia para Formosa, Mao Tsé-tung proclamava a República Popular da China.

 

Após uma etapa inicial começaram as reformas estruturais para a socialização integral. Na fase de transição (1949/53) o regime foi misto, permanecendo formas capitalistas (pequenos comércios, propriedades rurais privadas, permissão do “preço justo”) paralelamente à socialização dos meios de produção (nacionalização dos bancos e das empresas chaves da indústria).




Ao se envolver na Guerra da Coreia (1950/53), a China desviou recursos da reconstrução interna e, seguindo o modelo soviético, procurou estimular a industrialização (dando prioridade à produção de equipamentos) e acelerar a coletivização da agricultura mediante a multiplicação de cooperativas agrícolas.

 Após o 1º Plano, Mao Tsé-tung pregou o “Grande Salto Para Frente” visando acelerar a marcha para o comunismo. As taxas de crescimento eram ambiciosas, pois a produção agrícola aumentaria 75% e a renda nacional cresceria 50%. Para atingir os objetivos criaram-se “Comunas Populares”, suprimindo-se os últimos vestígios da propriedade individual.

 A Comuna era uma unidade social, agrícola, industrial, administrativa, cultural, médica e militar cujo comitê central controlava a produção, organizava as Brigadas de Trabalho e reunia entre 20 a 30 mil pessoas. Estas possuíam e cultivavam a terra coletivamente e as indústrias em que trabalhavam.

O Grande Salto Para Frente não deu os resultados previstos, contribuindo para tal as secas e inundações que reduziram a produção de alimentos e matérias primas para as indústrias. Com o tempo, as máquinas se desgastaram – pelo uso excessivo e inexperiência técnica – e a insuficiência de transportes ferroviários, estrangulava o desenvolvimento industrial.

 Além disso, o desvio de mão de obra da agricultura para a indústria criava desequilíbrios de produção e o corte da ajuda soviética acabou afetando a indústria. Tudo isso contribuiu para o reajustamento do planejamento, pois deu-se prioridade à agricultura e, no setor industrial, elevou-se a prioridade da produção de bens de consumo em detrimento dos bens de equipamentos.

Desde 1960 a China desenvolveu intensa atividade diplomática, tentando quebrar seu isolamento e aumentar suas ligações internacionais – principalmente com países do Terceiro Mundo. Na Europa, a Albânia dependeu muito da China para o seu desenvolvimento econômico e, em 1971, foi admitida na ONU. Mas, a morte de Mao Tsé-tung (1976) abriu a luta pelo poder, opondo moderados e radicais de esquerda.

A vitória dos moderados marcou a ruptura com o radicalismo político-ideológico do Maoismo. Adotaram-se diretrizes visando à modernização na agricultura, na indústria, defesa, educação e cultura. Daí, o governo chinês procedeu uma série de expurgos sobressaindo a condenação à morte dos líderes radicais, que foram transformadas em prisão perpétua enquanto antigos dirigentes eram reabilitados.

Novas metas na economia mostraram o abandono dos princípios maoístas, houve maior autonomia na produção agrícola e industrial e nas empresas, permitindo-se o funcionamento de empresas familiares e de economia mista. O grande objetivo tornou-se a modernização e o aumento da produção, a abertura de mais empregos e a elevação do nível de vida da população, sem abandonar o sistema socialista.

No plano externo, os ataques da Albânia à política interna e externa da China prenunciavam nova ruptura no Mundo Socialista e, condenando os métodos da política chinesa, a Albânia criticou o apoio chinês à corrida armamentista da OTAN. As relações diplomáticas com os EUA foram restabelecidas em 1979.

A economia chinesa continuou a crescer sob o impacto das reformas econômicas iniciadas por Deng Xiao-ping, embora essas reformas liberalizantes tenham enriquecido apenas uma parte da população, agravando as desigualdades sociais, ao mesmo tempo em que crescia a corrupção. As relações comerciais com os EUA foram seriamente abaladas em virtude da pirataria dos programas de computadores, causando prejuízos de bilhões de dólares aos americanos.

Outro problema que abalou as relações da China com o resto do mundo foi a questão dos direitos humanos e, países como a Alemanha e organizações governamentais, criticaram duramente o governo chinês pela intensa repressão política, prisões, torturas e execuções de dissidentes  do regime.

No plano político a China enfrentou a questão da reintegração da ilha de Formosa (Taiwan), a fim de que esta ocorra de forma breve e pacífica, mas encontrou oposição daqueles favoráveis à independência da ilha e, em 1998, Li Peng resolveu acelerar a abertura econômica. Seu sucessor foi o cérebro de novas reformas, enfrentando a difícil tarefa de promover a transição da economia quase totalmente estatizada para a economia de mercado.


quarta-feira, 9 de abril de 2025

A Filosofia: da Grécia Antiga Até a Idade Moderna

 

Que Filósofos da Grécia Antiga Indagaram Sobre o Surgimento do Cosmos e da Natureza? Sobre Que Assuntos Aristóteles Pesquisou Inicialmente? Em Que Época a Filosofia Passou a Defender a Religião Cristã? Quais os Pensamentos Filosóficos Contidos no Iluminismo, Liberalismo e no Capitalismo?

 

 




Na antiga Grécia (600 a. C. – 428 a. C.), a Filosofia se focou na investigação das causas das transformações na Natureza. Para Castro (2008, p.11), “As indagações dos filósofos dessa época primeva reapresentam a primeira vontade do ser humano de entender os mecanismos reguladores da natureza para além de qualquer explicação mítica...”. Assim, os antigos filósofos gregos, tais como Tales, Pitágoras, Heráclito, Anaxágoras, Demócrito e muitos outros, indagaram sobre o surgimento do cosmos e a natureza. Nesta época destaca-se o filosofo Sócrates que propunha em seus ensinamentos aos jovens a melhor forma de direcionar sua vida para ser satisfatória. Para Sócrates o filósofo devia dedicar-se à investigação de si mesmo. O interesse primordial de Sócrates era a moral, se preocupava em indagar:

 

·        O Que é amor?

·        O Que é justiça?

·        O Que é a bondade?

·        O Que é a compaixão?

 

Mais tarde, parte das preocupações filosóficas centra-se no estudo do raciocínio, das regras do pensamento correto. No contexto desta preocupação Aristóteles pensava que a Filosofia devia ser a demonstração da prova, para ele uma afirmação não provada não era verdadeira. Aristóteles escreveu o primeiro texto sobre lógica. Aristóteles (384-322 a. de C.) é considerado um dos maiores filósofos gregos. Entre suas preocupações está a ética, a natureza da alma, a separação dos ramos do saber de acordo com seu objeto, Aristóteles e seus discípulos contribuíram com os primeiros estudos sérios sobre botânica, zoologia, mecânica, física, astronomia, medicina e outras disciplinas humanas. É considerado o fundador da lógica, seus escritos sobre lógica estão reunidos no Organon.

Do final do século IV ao final do século III a.C., chamado de período sistemático, a Filosofia busca mostrar, a partir da sistematização de tudo quanto foi pensado sobre a cosmologia e a antropologia, que tudo pode ser objeto de conhecimento filosófico, desde que seguidos os critérios da verdade e da ciência. Do século I ao século VII d.C., surge a Filosofia patrística, a partir do esforço de conciliar o Cristianismo com o pensamento dos gregos e dos romanos, numa tentativa de convencer aos pagãos acerca das novas verdades prega- das pelo cristianismo. A Filosofia irá girar principalmente em torno das relações entre fé e ciência, a natureza de Deus, da alma, a vida moral. A Filosofia liga-se a defesa da religião cristã, da evangelização.

Para impor as ideias cristãs, estas foram transformadas em verdades divinas, isto é, reveladas por Deus. Assim, as verdades cristãs, por serem divinas, se converteram em dogmas, isto é, em ideias irrefutáveis e inquestionáveis. A partir deste momento surgem diferentes verdades: as verdades reveladas ou da fé e as verdades da razão ou humanas, as primeiras referem-se à noção de conhecimento recebido por um superior divino, as segundas referem-se ao simples conhecimento racional. Para Aranha e Martins, (1986, p.137) nesta época “Mesmo quando se pede ajuda à razão filosofante, é ainda a revelação que surge como critério último de verdade na produção do conhecimento”.

Durante o período medieval, do século VIII ao século XIV, os interesses da Igreja Romana dominam a Europa, nesse período surge propriamente a Filosofia cristã, que é, na verdade, a teologia, também conhecida com o nome de escolástica. Nesta época a Filosofia cristã está interessada em provar de forma racional a existência do infinito criador, Deus, e da alma, isto é, o espírito humano imortal.

A diferença e separação entre infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a primeira deve subordinar-se à segunda), a diferença e separação entre corpo (matéria) e alma (espírito), o Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia medieval (2000, p.54).

A ciência medieval se caracterizou pela dificuldade em incorporar a experimentação e matematização das ciências da natureza, o que ocorrera apenas na Idade Moderna. Após longos séculos de adormecimento da ciência e do predomínio dos dogmas e verdades divinas, no século XIV ao século XVI assistimos ao renascer da ciência, da cultura e da política. Durante o Período chamado Renascimento, século XV e XVI, com as grandes descobertas marítimas, como a descoberta da América, a formação das monarquias nacionais, a reforma protestante, o renascimento artístico e a ideia de liberdade política, volta ao cenário científico e filosófico a possibilidade do homem conhecer a natureza e agir sobre ela.

Para concluir esta aula, podemos reafirmar que áreas de interesse da Filosofia mudam conforme os diversos momentos históricos da nossa sociedade. As preocupações filosóficas da Grécia Antiga até o renascimento nos mostram a necessidade do ser humano compreender seu mundo e ao mesmo tempo responder as clássicas perguntas - seja no âmbito da sociedade, da natureza ou pensamento - porque e como. Mais tarde, no século V, após o fracasso da invasão persa, por toda Grécia se estende um forte movimento intelectual que favoreceu a democracia. Atenas se converteria no centro da cultura que irradia ciência e Filosofia, arte e cultura a toda Grécia. Neste período a Filosofia sai das escolas para as cidades; os filósofos, no início chamados de sofistas, passam a investigar não mais a natureza, mas o habitante do universo: o próprio homem, as questões humanas, isto é, a ética, a política e as técnicas.

Para Sócrates, o ser humano devia refletir sobre sua conduta, se autocriticar e encontrar mediante o diálogo, a verdade de cada um, a partir da qual cada um deveria viver. O método utilizado por Sócrates para chegar à verdade é a pergunta, o diálogo, a arte de debater por meio de perguntas e respostas, chegando assim à verdade, ou muito próximo dela. Sócrates nasceu em Atenas no ano 470 a.C., aprendeu a ler e escrever, fato pouco comum para aquela época. Foi acusado, entre outras coisas, de corromper a juventude, motivo pelo qual foi condenado à morte por envenenamento.

Para Castro (2008, p. 22), “a morte de Sócrates entra para a Filosofia como um símbolo do poder que as ideias possuem e de como podem ameaçar o status quo. Sócrates só pretendia levar os jovens atenienses à descoberta do pensamento autônomo e da reflexão”. Sócrates não deixou nada escrito, mas seu discípulo Platão conservou suas ideias. Ao utilizar o método socrático, Platão buscou refletir sobre quatro (4) perguntas:

 

·        Onde o homem pode encontrar a verdade?

·        Qual é a origem e composição do Universo?

·        Qual é a finalidade do homem sobre a terra?

·        Qual é a origem da criação do homem?

 

 Da Idade Moderna Até a Época Contemporânea

 

No final do mundo medieval e início do mundo moderno, encontram-se diversas características que marcam a contemporaneidade. Destacam-se, entre elas: a noção de indivíduo que ganha força a partir do século XIV; a formação de Estados laicos, que buscam a independência em relação ao poder religioso e, sobretudo, o pensamento que estabelece, já desde o século XIII, o revigoramento da Filosofia e, portanto, da razão como necessária para reger a vida do homem e a construção da ordem social. Durante o século XVII a meados do século XVIII, período denominado de Idade Moderna, a Filosofia passou a preocupar-se com novos assuntos, como as questões do conhecer. Este período é marcado por importantes eventos como o renascimento científico - Galileu, Kepler, Newton -, o desenvolvimento do mercantilismo e o absolutismo. Com os pensadores como Galileu, Descartes, Bacon, Hobbes, a Filosofia passa a ser definida de outra maneira.

A Filosofia passou a ser vista como aquele conhecimento capaz de oferecer a fundamentação do conhecimento científico, cujo objetivo é dominar e controlar a natureza. Neste período assistimos também ao Iluminismo (Montesquieu e Kant), ao Enciclopedismo (Voltaire, Diderot, D’Holbach, La Mettrie, Rosseau), ao Liberalismo, mais tarde à Revolução Industrial (máquina a vapor), Inconfidência Mineira, Independência dos EUA, Revolução Francesa, a conformação política e econômica de um novo sistema de produção: o capitalismo.

 

·        Iluminismo: As teorias políticas e econômicas que ganharam força na Europa Ocidental entre o final do século XVII e o início do século XVIII constituíram um movimento cultural denominado Iluminismo, que resgatava os ideais e os valores burgueses do Renascimento. Os interesses da burguesia renascentista eram diferentes dos interesses da burguesia iluminista, que reivindicava maior participação política, liberdade religiosa e econômica e igualdade social, chocando-se com o poder absoluto dos monarcas e com os privilégios da nobreza e do clero. Esse cenário foi acompanhado pelo desenvolvimento e difusão de novas ideias e teorias que criticavam o absolutismo monárquico e o mercantilismo e propunham outras formas de governo e de organização econômica, expressando os interesses da burguesia em ascensão. Diversos filósofos iluministas dedicaram-se a formular teorias e propostas adequadas a reivindicações burguesas, tais como Locke, Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Diderot, D’Alembert.

·        Liberalismo: Doutrina econômica que nasce junto com o avanço do poder político da burguesia, sustenta a necessidade da livre concorrência, o livre-cambismo (ausência de impostos sobre os produtos importados) e a não interferência do Estado na economia.

·        Revolução industrial: Antes da Revolução Industrial o sistema produtivo era baseado no artesanato doméstico e na manufatura. Com a revolução industrial do século XVIII, além de envolver a criação de indústrias e máquinas na Inglaterra, constituiu-se um processo complexo de transformações nas relações de trabalho, nas técnicas de produção, nos meios de transporte, na propriedade das terras e na atividade comercial. A revolução Industrial consolidou o trabalho assalariado e com isto o sistema capitalista. As relações de produção se transformaram e aprofundaram-se as desigualdades sociais. Ao proletariado (formado por ex-camponeses desempregados pelos cercamentos e ex-artesãos empobrecidos pelo crescimento das manufaturas) restava vender sua força de trabalho à burguesia capitalista, proprietária das fábricas, das matérias-primas, das máquinas e da produção.

·        Capitalismo: sistema econômico e político baseado na propriedade privada e na exploração do trabalho assalariado pela burguesia. Consolida-se como sistema político após a Revolução Francesa (1789).

 

Com a Idade Moderna vive-se um momento histórico marcado pela ideia da conquista e de apoderação da natureza. A marca desta época é a possibilidade do homem - por meio do uso da razão e o conhecimento - dominar a natureza. A Filosofia surge então como a justificativa teórica e racional de um conhecimento que pretende ser total e dominar a realidade. Embora o método tenha sido sempre objeto de discussão dos filósofos, nunca o foi com a intensidade e prioridade concedidas pelos filósofos modernos. Até então a Filosofia se preocupava fundamentalmente com o problema do ser, mas na Idade Moderna a Filosofia centra-se para as questões do conhecer. Daí surge o interesse pela epistemologia.

Para Chauí (2000, p. 56), esse período, conhecido como o Grande Racionalismo Clássico, é marcado por três grandes mudanças intelectuais:

Aquela conhecida como o “surgimento do sujeito do conhecimento”, isto é, a Filosofia, em lugar de começar seu trabalho conhecendo a Natureza e Deus, para depois referir-se ao homem, começa indagando qual é a capacidade do intelecto humano para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer. A realidade é um sistema de causalidades racionais rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo homem. Nasce a ideia de experimentação e de tecnologia (conhecimento teórico que orienta as intervenções práticas) e o ideal de que o homem poderá dominar tecnicamente a Natureza e a sociedade. Predomina, assim, nesse período, a ideia de conquista científica e técnica de toda a realidade, a partir da explicação mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas, graças às experiências físicas e químicas.

Existe também a convicção de que a razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e das emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governá-las e dominá-las, de sorte que a vida ética pode ser plenamente racional. A mesma convicção orienta o racionalismo político, isto é, a ideia de que a razão é capaz de definir para cada sociedade qual o melhor regime político e como mantê-lo racionalmente. O século XIX é o século do otimismo científico, filosófico social, artístico, presentes na afirmação de que a razão se desenvolvia plenamente para que o conhecimento completo possibilitasse o alcance dos objetivos almejados pela sociedade. Na ciência e na arte, esta afirmação se sustenta na confiança do aperfeiçoamento. Com o passar do tempo, na ideia do progresso permanente, de que o presente é melhor que o passado, e o futuro será melhor e superior, ao ser comparado ao presente. Neste século assistimos a momentos históricos relevantes como o Império de Napoleão, da Rainha Vitória, o Colonialismo, as Revoluções liberais, a Comuna de Paris, a Independência do Brasil, entre muitos outros.

No entanto, a Filosofia contemporânea, que compreende de meados do século XIX e chega aos nossos dias, questiona este otimismo racionalista. O século XIX é o século da descoberta, do ser humano como ser histórico, da História ou da historicidade do homem, da sociedade, das ciências e das artes. Na esfera sociopolítica se evidenciava na real possibilidade de construção de uma sociedade justa; a Filosofia passou a apostou nas utopias revolucionárias. Para Chauí (2000, p.63), Marx, no final do século XIX, e Freud, no início do século XX, puseram em questão esse otimismo racionalista. Marx e Freud, cada qual em seu campo de investigação e cada qual voltado para diferentes aspectos da ação humana - Marx, voltado para a economia e a política; Freud, voltado para as perturbações e os sofrimentos psíquicos -, fizeram descobertas que, até agora, continuam impondo questões filosóficas. Que descobriram eles? Marx descobriu que temos a ilusão de estarmos pensando e agindo com nossa própria cabeça e por nossa própria vontade, racional e livremente, de acordo com nosso entendimento e nossa liberdade, porque desconhecemos um poder invisível que nos força a pensar como pensamos e agir como agimos. A esse poder - que é social - ele deu o nome de ideologia.

Freud, por sua vez, mostrou que os seres humanos têm a ilusão de que tudo quanto pensam, fazem, sentem e desejam, tudo quanto dizem ou calam estaria sob o controle de nossa consciência porque desconhecemos a existência de uma força invisível, de um poder - que é psíquico e social - que atua sobre nossa consciência sem que ela o saiba. A esse poder que domina e controla invisível e profundamente nossa vida consciente, ele deu o nome de inconsciente. As descobertas realizadas por Marx e Freud, obrigaram a Filosofia a retomada da discussão sobre o que é e o que pode a razão, sobre o que é e o que pode a consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento, sobre o que são e o que podem as aparências e as ilusões. A Filosofia também reabriu discussões éticas e morais: O homem é realmente livre ou é inteiramente condicionado pela sua situação psíquica e histórica? Se for inteiramente condicionado, então a História e a cultura são causalidades necessárias como a Natureza? Ou seria mais correto indagar: Como os seres humanos conquistam a liberdade em meio a todos os condicionamentos psíquicos, históricos, econômicos, culturais em que vivem.

No século XX, com o surgimento da Primeira Guerra Mundial (1914 -1918), a Revolução Russa (1917), a quebra da Bolsa de Nova York (1929), a ascensão do fascismo na Itália (1922), de nazismo na Alemanha (1933) do stalinismo, da Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945), a bomba atômica (Hiroshima e Nagasaki – 1945) as ditaduras sangrentas da América Latina, a Filosofia também passou a desconfiar do otimismo revolucionário e das utopias e a indagar se os seres humanos, os explorados e dominados serão capazes de criar e manter uma sociedade nova, justa e feliz. No século XX, a Filosofia passou a mostrar que as ciências não possuem princípios totalmente certos, seguros e rigorosos para as investigações, que os resultados podem ser duvidosos e precários, e que, frequente- mente, uma ciência desconhece até onde pode ir e quando está entrando no campo de investigação de uma outra.

Os princípios, os métodos, os conceitos e os resultados de uma ciência podem estar totalmente equivocados ou desprovidos de fundamento. (2000, pág. 66). Na Idade Contemporânea a Filosofia se interessa pela teoria do conhecimento, a ética e a epistemologia, pelo conhecimento das estruturas e formas de nossa consciência e também pelo seu modo de expressão, isto é, a linguagem. O interesse pela consciência reflexiva ou pelo sujeito do conhecimento deu surgimento a uma corrente filosófica conhecida como fenomenologia, iniciada pelo filósofo alemão Edmund Husserl. Já o interesse pelas formas e pelos modos de funcionamento da linguagem corresponde a uma corrente filosófica conhecida como Filosofia analítica cujo início é atribuído ao filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein.

No entanto, a atividade filosófica não se restringiu à teoria do conhecimento, à lógica, à epistemologia e à ética. Desde o início do século XX, a História da Filosofia tornou-se uma disciplina de grande prestígio e, com ela, a história das ideias e a história das ciências. Desde os anos 70, com a luta pela democracia em países submetidos a regimes autoritários, um grande interesse pela Filosofia política ressurgiu e, com ele, as críticas de ideologias e uma nova discussão sobre as relações entre a ética e a política, além das discussões em torno da Filosofia da História. Atualmente, um movimento filosófico conhecido como desconstrutivismo ou pós-modernismo, vem ganhando preponderância. Seu alvo principal é a crítica de todos os conceitos e valores que, até hoje, sustentaram a Filosofia e o pensamento dito ocidental: razão, saber, sujeito, objeto, História, espaço, tempo, liberdade, necessidade, acaso, natureza, homem, etc.

Para Chauí (2000), no século XX, os impasses da ciência, das artes, a precariedade das religiões, a ideia de uma revolução utópica política de libertação transtornam um mundo que parecia dominado, explicado e controlado. A Filosofia se torna a busca da origem, causa e forma de todas essas crises no século XX.

 

 

  

REFERÊNCIAS

 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando, Introdução à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1986

CASTRO, Suzana. Introdução à Filosofia. Petrópolis, RJ: VOZES, 2008.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.



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quarta-feira, 2 de abril de 2025

A República Brasileira Um Começo Difícil

 

Quais Eram as Dificuldades Iniciais do Novo Governo Republicano? Por Que Vários Oficiais Envolvidos na Conspiração Republicana Foram Beneficiados Com Promoções? Por Que o Marechal Deodoro Achava que o Chefe de Governo Deveria Ter a Prerrogativa de Dissolver o Congresso Sempre Que Julgasse Necessário?



 


Nos seus 15 meses de duração o novo governo republicano brasileiro se dedicou a intensa atividade legislativa e, conforme observou Raimundo Magalhães Jr, biógrafo de Deodoro, “cada Ministério era uma fábrica de leis, cada Ministro valia por um Congresso.

Alguns desses decretos e leis eram importantes, como o que determinou a separação entre a Igreja e o Estado e o que estabeleceu o casamento civil. Outros pareciam mesquinhos ou mera retaliação ao regime deposto.

Havia dificuldades de toda sorte, a começar pela falta de quadros republicanos para os postos-chaves da administração e a pouca experiência dos novos governantes. Durante o primeiro ano a rotatividade nos governos estaduais foi altíssima e, somente a província do Rio Grande do Norte, teve dez administrações.

Minas Gerais teve seis, o Paraná também, Pernambuco oito e Sergipe teve sete administrações. Habituado à vida na caserna e desconfiado das intenções dos civis, Deodoro preferiu de início delegar esses cargos aos seus companheiros de armas.

Um mês depois da posse do novo governo foi decretada uma reorganização do Exército, aumentando o número de unidades com o objetivo de liberar vagas para promoções – uma das principais queixas contra as autoridades imperiais.

As promoções foram aceleradas mediante a transferência para a reserva de muito oficiais veteranos. Dessa forma, abria-se caminho para a ascensão dos mais jovens e, dos 28 Generais da ativa em 1890, dez foram promovidos e nove reformados.

Em janeiro de 1890, uma lista de promoções por “serviços relevantes” beneficiou vários oficiais envolvidos na conspiração republicana. Hermes da Fonseca, sobrinho de Deodoro e futuro Presidente da República, passou de Capitão a Major e Tenente-Coronel em menos de um ano. Lauro Sodré – que era Tenente e auxiliar de ensino na ESG – terminou o ano como Major e catedrático da instituição.

O aluno José Maria Moreira Guimarães foi promovido a Alferes, 2º Tenente, 1º Tenente, Capitão, Ajudante de Ordens do Governador de Sergipe e, por fim, Professor do Colégio Militar – tudo isso em 2 anos.

Até quem não tinha participado dos eventos de 15 de novembro acabou beneficiado, como foi o caso do Tenente-Coronel Jacques Ourique que acordou tarde e chegou atrasado ao centro do Rio de Janeiro, quando as tropas já se confraternizavam depois da derrubada do Ministério de Ouro Preto.

No dia 25 de maio de 1890, Deodoro conferiu a todos os Ministros a patente de General. A promoção a um dos postos mais altos da hierarquia do Exército incluía os civis como Rui Barbosa, Quintino Bocaiúva e Francisco Glicério, embora jamais tivessem envergado uma farda na vida. Ao tomar conhecimento das novidades, o monarquista Eduardo Prado reagiu com ironia: “O Quinze de Novembro não foi, portanto, um ato heroico; foi um bom negócio”.

Em meio ao bate-cabeça do governo provisório, o esforço de reorganização do Brasil deu um passo importante em 3 de dezembro de 1889 com a nomeação de uma comissão para elaborar uma nova Constituição.

Caberia à futura Assembleia Constituinte aprová-la mais tarde. Ainda em novembro de 1889, o Diário Oficial começou a publicar em capítulos a íntegra da Constituição dos Estados Unidos da América e, desse modo, imaginava-se que os futuros constituintes pudessem se familiarizar com as peculiaridades de cada sistema republicano, de maneira a escolher depois o que julgasse conveniente para o Brasil.

Presidida por Joaquim Saldanha Marinho – considerado o Patriarca da República – a comissão de juristas elaborou três pareceres que, depois de editados por Rui Barbosa, resultaram no projeto submetido à Constituinte. Deodoro fez questão de dar diversos palpites e também achou estranho a proposta do artigo 20, na qual os parlamentares teriam imunidade jurídica, não podendo ser presos ou processados no exercício do mandato.

Ele relutou em aceitar esse artigo e também o princípio da independência entre o Executivo e o Legislativo. Fiel à tradição Imperial na qual foi educado, Deodoro achava que o chefe de governo deveria ter a prerrogativa de dissolver o Congresso sempre que julgasse necessário.

Composta de 295 membros – dos quais, 40 militares – a Constituinte reuniu-se no edifício do Cassino Fluminense na Rua do Passeio, e depois se transferiu para o antigo Palácio Imperial da Boa Vista, em São Cristóvão. Os trabalhos eram dirigidos por Prudente de Moraes e, 4 anos depois, esse líder republicano paulista se tornaria o primeiro Presidente civil da República.

Em 24 de fevereiro de 1891, o país finalmente adotava sua nova Constituição republicana cujas principais novidades eram:

 

·                     O Brasil se converteria em uma República Federativa com 20 estados autônomos e um distrito federal. Além disso, a cidade do Rio de Janeiro continuaria sendo a capital da República até que se construísse uma nova capital no planalto central.

·                     A União compunha-se de três poderes independentes entre si – o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

·                     Chefe do Executivo, o Presidente da República seria eleito a cada 4 anos, sem direito à reeleição. Todos os brasileiros natos, homens e maiores de 35 anos, poderiam concorrer ao posto.

·                     O Vice-Presidente da República, igualmente eleito por 4 anos, exerceria simultaneamente a Presidência do Senado, cabendo a ele substituir o Presidente sempre que necessário, mas se a vacância ocorresse antes de completados 2 anos do exercício do mandato seria realizada nova eleição (esse item seria motivo de crise do governo Floriano Peixoto, após a renúncia e morte de Deodoro).

·                     O Poder Legislativo seria exercido em 2 instâncias: _ o Senado Federal, composto de 3 Senadores para cada Estado, e a Câmara dos Deputados com representantes eleitos de forma proporcional ao total de habitantes.

·                     À Câmara competiria a iniciativa de propor leis, criar impostos, fixar os quadros das Forças Armadas e discutir projetos apresentados pelo Executivo. O Senado funcionaria como uma instância revisora dos projetos da Câmara, tendo a prerrogativa de aprovar as nomeações dos Juízes do Supremo Tribunal Federal e do Prefeito do Distrito Federal.

·                     O Poder Judiciário compunha-se de 2 jurisdições: _ a primeira seria a da Justiça Federal, a cargo da União e exercida por um STF composto de 15 juízes nomeados pelo Presidente da República, aprovados pelo Senado e pelos juízes federais de 1ª instância.

 

A organização dos Estados espelhava a estrutura dos 3 poderes. Eleitos pelo voto direto, governadores e deputados estaduais teriam a competência de tomar decisões e legislar sobre vários temas, incluindo a definição do orçamento regional, a cobrança de impostos e a criação de políticas locais.

A Constituição assegurava a todos os residentes no país – brasileiros ou estrangeiros – os direitos relativos à liberdade, à segurança individual e à propriedade. Igualmente garantidos estavam os direitos à associação, de representação aos poderes públicos, de locomoção, de inviolabilidade do domicílio, de liberdade de imprensa e de tribuna.

As eleições seriam feitas por sufrágio universal e secreto, do qual tomariam parte todos os homens maiores de 21 anos, com exceção dos mendigos, analfabetos, soldados e religiosos.

Durante as discussões, um Deputado chegou a propor o direito de voto às mulheres, mas seus colegas reagiram escandalizados, pois o voto feminino seria transformado em lei somente 4 décadas depois – em 1932.



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quinta-feira, 27 de março de 2025

A Queda do Sistema Colonial Inglês e Espanhol na Idade Contemporânea

 Que Transformações Econômicas Provocaram o Domínio da Economia Europeia? Quais Eram as Condições Políticas da Espanha e da Inglaterra Nessa Época? E o Quadro Social na América Espanhola?

 

 



O antigo sistema colonial havia sido o instrumento de expansão da economia mercantil europeia e, na segunda metade do século XVIII, ele entrou em declínio contribuindo para a crise do antigo sistema colonial espanhol.

Essa crise ligou-se a uma profunda transformação – a transferência da supremacia do capital comercial para o capital industrial. Isso significa que apareceu um capital industrial autônomo e independente do capital comercial – que era exclusivamente dedicado à produção industrial – e, a partir da Revolução Industrial, a indústria capitalista assumiu o domínio da economia europeia.

Sendo assim, a preocupação inglesa passou a ser a de conseguir mercados para seus produtos industrializados e a obter matérias-primas para suas fábricas. Os ingleses viam as áreas coloniais com grande interesse, pois as oportunidades de ampliar suas trocas eram muitas. No entanto, as colônias ainda se mantinham em regime de monopólio comercial, que era uma das práticas mercantilistas.

Mas, a situação mudaria, pois na segunda metade do século XVIII a ideia do laissez-faire conflitava com a do monopólio do comércio colonial. Em fins desse século, a Espanha dominava a maior parte do continente americano, pois na América Central ela possuía todas as terras continentais e a maior parte das Antilhas e, na América do Sul, somente o Brasil e as Guianas não lhe pertenciam.

Nesse imenso império colonial as condições políticas pouco haviam evoluído, a administração permanecia complexa, pouco eficiente e, exercida pelos espanhóis vindos da metrópole, permanecia lenta e não favorecia o desenvolvimento das colônias.

As condições econômicas continuavam subordinadas ao Pacto Colonial, que obrigava as colônias a comerciar diretamente com a metrópole e a não produzir mercadorias que concorressem com a produção metropolitana – com exceção ao artesanato.

A economia era voltada para a produção agrícola (tabaco e cana-de-açúcar) ou mineradora (ouro, prata, mercúrio e ferro) que era exportada. O rígido monopólio comercial foi lentamente abolido no século XVIII: Felipe V suprimiu o sistema de frotas e Carlos III autorizou o comércio direto de todos os portos espanhóis com a América. Em princípio, manteve-se a proibição do comércio com o estrangeiro – com exceção dos ingleses.

Fazendo concessões à Inglaterra a estupidez da Espanha acabava afastando suas colônias da metrópole, aumentando cada vez mais o interesse inglês. E, se no  terreno econômico as colônias já podiam dispensar a subordinação à metrópole espanhola, isso – por si só – não era suficiente para que se efetivassem mudanças na condição colonial. Para tanto, era necessário que as forças sociais se mobilizassem organizadamente na luta para realizar as transformações.

Na América Espanhola o quadro social apresentava contradições entre os proprietários coloniais e a metrópole, além das contradições entre proprietários coloniais e os trabalhadores indígenas e negros. Nas colônias, a supremacia social cabia aos espanhóis nascidos na metrópole que monopolizassem os cargos dirigentes na Igreja, no Exército, na Justiça e na Administração. Nem todos eram ricos, porém se consideravam superiores aos demais.

Abaixo, a poderosa classe dos proprietários rurais e mineradores (criollos – descendentes dos espanhóis nascidos na América), os quais eram excluídos do comércio exterior. Seguia-se a classe dos mestiços (branco / índio) que aspirava ascender na escala social, artesãos, criados domésticos, etc. A massa indígena era a maioria da população, explorada nos trabalhos agrícolas e minas. Finalmente, a população escrava negra, empregada nas plantações das Antilhas, utilizada nas minas e como domésticos.

Embora o castelhano fosse a língua comum, os povos hispano-americanos permaneceram separados pelo fato de cada região constituir uma unidade econômica distinta e, como não havia qualquer intercâmbio entre as regiões, o particularismo se agravava pelas enormes distâncias e barreiras geográficas – como a cadeia dos Andes. A luta pela independência tornou evidente esse particularismo regionalista, sendo fatal a quebra de uma unidade ilusória do Império Hispano-Americano.


quarta-feira, 12 de março de 2025

O Rei de Portugal / Brasil

 Por Que Haviam Boatos Sobre o Assassinato de D. João VI? Em Que a Nova Constituição de Portugal – Promulgada Por D. Pedro – Era Parecida Com a Brasileira? Por Que a Inglaterra Era a Principal Negociadora do Reconhecimento do Brasil Independente?

 




D. João VI morreu misteriosamente em 10 de março de 1826, dois (2) meses antes de completar 59 anos. Sua agonia começou com uma crise de fígado que o fez vomitar bílis e, na manhã seguinte, pediu que o levassem a dar um passeio de carruagem pelo rio Tejo.

No dia quatro parecia recuperado, pois almoçou com o apetite de sempre. Mas, depois de ingerir as frutas teve nova crise devastadora sem volta. A hipótese de envenenamento ganhou fôlego recentemente em análises dos restos mortais de D. João. O estudo indicou elevada concentração de arsênico nas vísceras, em quantidade suficiente para mata-lo em poucas horas.

A pergunta é: _ quem teria matado o rei de Portugal? Em 1826 os dois maiores interessados seriam a rainha Carlota Joaquina (que contra ele ensaiara inúmeras conspirações fracassadas) e o filho mais novo do casal – D. Miguel, o 2º na linha sucessória e que já tentara um golpe malsucedido.

A notícia do falecimento do rei produziu uma onda de choque que atravessou o Atlântico e causou furor no Rio de Janeiro. Em princípio, com a Independência, todos os vínculos entre Brasil e Portugal haviam se rompido e D. Pedro havia reafirmado isso às margens do rio.

Ao tomar conhecimento da morte do pai, D. Pedro recebeu os papéis timbrados com a notícia de que era o legítimo herdeiro do trono português. Bastava dizer sim para usar duas coroas. Obviamente não era uma decisão tão simples e, ao contrário, talvez em nenhum outro momento D. Pedro tivesse se confrontado com um dilema tão complicado. Caso decidisse acumular as duas coroas e voltasse para Lisboa, anularia a independência do Brasil – cuja ruptura com Portugal custou muito sangue e sofrimento.

Se ele continuasse a governar do Rio de Janeiro, Portugal seria devolvido à condição de colônia do Brasil, situação que de fato vigorava durante a permanência da corte de D. João nos trópicos. Recusar a coroa portuguesa implicava em drásticas consequências, pois havia uma guerra em andamento em Portugal – entre liberais e absolutistas – e D. Pedro era visto como esperança pelos liberais.

Assustado com a encruzilhada que o destino colocou em seu caminho, o imperador pediu orientações a 8 conselheiros e, o seu fiel confessor, o Frei Antônio Arrábida, opinou que não haveria mal em assumir as duas coroas, desde que Portugal e Brasil fossem mantidos como reinos autônomos sob a liderança de um mesmo rei. No entanto, os brasileiros foram contrários à proposta. “Todos os argumentos que empregamos em defesa da nossa independência se voltariam contra Vossa Alteza”, alertou Felisberto Caldeira Brant, o Marquês de Barbacena.

D. Pedro acatou o parecer de Barbacena e deu a notícia na sessão inaugural da primeira legislatura do Parlamento brasileiro, em maio de 1826. A reação foi de entusiasmo e até os opositores mais ferrenhos (como o deputado mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos) elogiaram o gesto.

D. Pedro foi rei de Portugal com o nome de Pedro IV, entre 20 de março e 2 de maio de 1826, data da abdicação em favor da filha Maria da Glória. Na prática, só exerceu seus poderes por uma semana, a partir de 26 de abril, dia em que aceitou oficialmente a coroa.

Nesses sete dias tomou decisões de grande impacto e, a mais importante, foi dar aos portugueses uma nova constituição. A anterior havia sido revogada em maio do ano seguinte – insurreição contra os liberais comandadas pelo infante D. Miguel, que dissolveu as cortes e devolveu D. João à condição de rei absoluto.

A nova Constituição de D. Pedro era uma cópia da brasileira, outorgada pelo próprio imperador dois anos antes. Como resultado, o Brasil e sua antiga metrópole ficavam a partir daquele momento sob a égide da mesma lei – uma constituição avançada e liberal para a época.

A intervenção dele nos assuntos portugueses ocorreu em uma circunstância delicada, pois ao morrer, D. João VI deixou um país à beira da ruptura política e debilitado pela perda do Brasil – sua maior e mais rica colônia. Seus últimos anos de reinado foram de muito sofrimento para o soberano e seus súditos.





Na volta à Lisboa – em julho de 1821 – a nau em que viajava ficou incomunicável no cais por ordem das cortes, como se trouxesse a bordo um inimigo ou uma doença contagiosa. Parte de seus acompanhantes foi proibida de desembarcar, por serem acusados de corrupção no Brasil ou considerados inimigos do novo regime em Lisboa.

Restituído aos seus poderes nem por isso D. João teve paz e, ao contrário, o inimigo agora estava dentro de casa. Carlota Joaquina – que havia sido banida da corte em 1822 por se recusar a jurar a nova constituição liberal – recuperou seus privilégios e se aliou ao príncipe D. Miguel em novo golpe. Transformado em prisioneiro do filho e da mulher, D. João foi salvo pela intervenção dos ingleses e, destituído, D. Miguel foi despachado para o exílio na Áustria, de onde voltaria em 1828 para usurpar o trono proclamando-se rei absoluto.

O resultado disso foi a guerra civil portuguesa, na qual o destino da coroa foi decidido em batalha tendo de um lado D. Miguel e, de outro, seu irmão D. Pedro, pai da legítima sucessora – a futura rainha D. Maria II (Maria da Glória).

Todos esses acontecimentos colocaram D. Pedro no centro da ciranda política de Portugal e, ao contrário do que havia prometido aos brasileiros, ele jamais poderia dela se livrar. A outorga da nova constituição o transformou em avalista do processo político português, cabendo a ele assegurar que os direitos da filha seriam respeitados até que ela atingisse a maioridade e assumisse o trono.

Ao mesmo tempo, isso o enfraquecia cada vez mais no Brasil. As desconfianças em relação a D. Pedro eram tantas que alguns o acusavam de manter no Rio de Janeiro um gabinete secreto, liderado pelo “Chalaça” e integrado pelos amigos portugueses.

O envolvimento nos assuntos de Portugal fez de D. Pedro um soberano equilibrista com um pé em cada lado do Atlântico. Era uma situação dúbia, a qual persistia desde 1822. Na prática, ele passou parte do Primeiro Reinado governando dois países ao mesmo tempo. O Brasil, na condição de imperador e, Portugal, como pai da rainha menina. Um exemplo desse malabarismo havia sido o demorado processo de reconhecimento da Independência brasileira.

Os dois primeiros monarcas a aprovar o Brasil independente foram o Benin e Lagos, dois reinados situados na costa africana por uma razão óbvia: eram, juntos com Luanda (em Angola) os maiores exportadores de escravos para lavouras e cidades brasileiras.

Em seguida veio o reconhecimento dos Estados Unidos (maio de 1824), também por uma forte motivação política e econômica. Meio século depois de se tornarem independente da Inglaterra, os americanos já começavam a emergir como a nova potência continental. O Brasil estava incluído na esfera de influência da nova potência.

No caso de Portugal, o reconhecimento só veio em 1825, depois de uma longa negociação, pois ao proclamar sua independência, o Brasil desfez a rede de negócios, cargos e laços familiares que durante 300 anos prevaleceu entre colônia e metrópole.

Havia sutilezas diplomáticas que precisavam ser consideradas, pois manter a linhagem real portuguesa no Brasil facilitou o reconhecimento por parte das potências europeias, reunidas sob a bandeira que defendia o direito ancestral dos reis de governar os povos por herança e delegação divina.

A solução encontrada foi pitoresca, pois pelo tratado negociado em Lisboa e no Rio de Janeiro, o rei D. João VI reconhece “o Brasil na categoria de império independente e separado do reino de Portugal e Algarve, e a seu prezado filho D. Pedro por imperador, cedendo e transferindo a soberania do dito império ao mesmo seu filho e a seus legítimos sucessores”.

Ou seja, D. João reconhecia o império do Brasil, assumia ele próprio o título de imperador para, em seguida, transferi-lo de boa vontade ao filho. Na prática, a Independência deixava de ser uma conquista dos brasileiros para se converter numa concessão do rei de Portugal.

Pelo artigo 3º do tratado, D. Pedro se comprometia a recusar qualquer proposta de anexação de outras colônias portuguesas ao novo império brasileiro. O objetivo era barrar o lobby dos traficantes de escravos em Salvador e Rio de Janeiro, interessados em incorporar ao Brasil as regiões fornecedoras de mão de obra cativa na África.

A Inglaterra – principal negociadora do reconhecimento do Brasil independente – se valeu de seu poder econômico e político para tirar vantagem da nova situação e, em 1825, o Brasil já era o 3º mercado mais importante dos produtos ingleses, graças ao tratado assinado por D. João em 1810 que concedia à Inglaterra tarifas de importação inferiores às de seus concorrentes.

O tratado venceria em julho de 1825 e o esforço dos ingleses se concentrou em convencer D. Pedro a renová-lo em troca do reconhecimento da Independência. Foi, de fato, o que aconteceu.

A troca de cartas entre D. Pedro I e D. João VI revela que tanto o pai quanto o filho mantiveram uma atitude cordial até o fim das negociações e conheciam os riscos envolvidos. Com a assinatura do tratado, o caminho estava aberto para que todas as demais monarquias europeias reconhecessem o Brasil independente. A primeira foi a própria Inglaterra e, depois, a Áustria, França, Suécia, Holanda e Prússia.

Os termos da negociação causaram revolta entre os brasileiros e contribuíram para desgastar a imagem de D. Pedro quando se tomou conhecimento de uma cláusula pela qual o Brasil pagaria aos portugueses 2 milhões de libras esterlinas a título de indenização. Parte seria destinado a cobrir empréstimos que Portugal pediu a Inglaterra com o objetivo de mobilizar tropas, a fim de combater a emancipação do Brasil entre 1822 e 1823.

Propriedade e outros bens portugueses confiscados durante os conflitos também seriam devolvidos aos seus donos originais. Em resumo, depois de ganhar a guerra caberia aos brasileiros ressarcir os prejuízos dos derrotados. Na verdade, D. Pedro pagaria pelo seu duplo papel um preço bem mais alto do que a indenização assegurada a Portugal. Seria a perda do próprio trono brasileiro, em 1831.