Como Deveria Ocorrer a Troca da Monarquia Pelo Regime Republicano? De Que Forma Benjamin Constant Achava Que a Revolução Deveria Acontecer? Qual a Relação da Convenção de Itu Com a Revolução Republicana? Que Papéis os Cafeicultores Paulistas Representaram na Queda da Monarquia?
Uma demorada salva de palmas acolheu Antônio da Silva Jardim no plenário da Câmara Municipal de Campinas em fevereiro de 1888. O orador trazia uma mensagem radical: _ a execução sumária de membros da família imperial brasileira que resistissem à troca da Monarquia pelo regime Republicano. Na opinião de Silva Jardim, os Republicanos deveriam aproveitar o ano seguinte – 1º centenário da Revolução Francesa – para instalar o novo regime. À família Imperial seriam dadas duas opções. A primeira, o exílio na Europa e, a segunda, morte em praça pública em nome dos interesses nacionais. Lembrava que, em 1789, os revolucionários franceses haviam executado na guilhotina o Rei Luís XVI e a Rainha Maria Antonieta – entre outros nobres.
O inflamado discurso era parte da propaganda
republicana que, àquela altura, empolgava os brasileiros mais bem informados.
Em 1889, havia ao todo no Brasil 237 clubes republicanos, 204 nas províncias do
Sul e Sudeste e, além disso, 74 jornais pregavam abertamente a queda do
Império. Os mais importantes eram a “Gazeta de Notícias”, o “Diário de
Notícias” (que tinha Rui Barbosa como colaborador) e “O País” – de Quintino
Bocaiúva.
Nas publicações satíricas, o Imperador Pedro II era
chamado de “Pedro Banana”. A pena demolidora de Rui Barbosa se referia
ao soberano como uma “figura decadente de velho coroado”, e à Monarquia “coisa
senil, gangrenosa e contagiosa que apodrecia no Brasil”. Silva Jardim era o
mais radical de todos os propagandistas republicanos. Nascido na Vila Capivari
(RJ) e formado pela Escola de Direito de São Paulo, era casado com uma sobrinha
de José Bonifácio de Andrade e Silva – o Patriarca da Independência.
Muitas vezes, Silva Jardim enfrentava ambientes hostis
e, na cidade de Paraíba do Sul, falou sob uma chuva de pedras disparadas por
adeptos da Monarquia. Em outra ocasião teve de interromper seu discurso ao ser
atacado pela Guarda Negra – milícia organizada pelo abolicionista José do
Patrocínio e composta de ex-escravos simpatizantes da Princesa Isabel, herdeira
do trono. Nem todos os republicanos eram tão radicais e, alguns como Quintino
Bocaiúva, por exemplo, preferiam até esperar a morte do idoso Imperador para,
só então fazer a troca do regime. Outros, como o professor e Tenente-Coronel
Benjamin Constant, achavam que a revolução teria de acontecer rapidamente,
porém, nesse caso, a família Imperial deveria ser tratada com todo o respeito e
consideração.
Alguns, como Campos Salles, acreditavam que seria
possível chegar à República pelas urnas. Outros discordavam dessa alternativa
por acreditar que o corrompido sistema eleitoral do Império jamais permitiria o
acesso dos Republicanos ao poder e, nesse caso, a solução deveria ser
revolucionária.
Apesar das divergências a campanha republicana ecoava
um sonho alimentado por muitos brasileiros em diversos períodos da história
nacional. Até então, o Brasil tinha sido governado sob o regime monárquico, no
qual todo o poder emanava do soberano e em seu nome era exercido.
Foram 322 anos de administração da Coroa portuguesa
durante o período colonial – do Descobrimento, em 1500, até a Independência, em
1822 – mais 67 anos do Primeiro e do Segundo Reinados, sob a liderança de Pedro
I e Pedro II. Sob o regime republicano, o poder seria exercido por
representantes eleitos pelo povo com vistas a servir ao interesse comum; ou
seja, à coisa pública. Em nome desse conceito, na segunda metade do século XIX
o país já tinha uma história republicana significativa, embora trágica. Nela
contabilizavam-se alguns mártires, caso do mineiro Joaquim José da Silva Xavier
– o Tiradentes – e do pernambucano Joaquim do Amor Divino Rabelo, o Frei
Caneca, fuzilado na Confederação do Equador. Ambos morreram defendendo o sonho
de fazer do Brasil uma República.
O ideal republicano esteve por trás de episódios como
a Guerra dos Mascates (1710), em Pernambuco; a Revolta dos Alfaiates
(Conjuração Baiana), em 1798; a Revolução Pernambucana, de 1817; a Sabinada, de
1837, na Bahia e a Revolução Farroupilha de 1835, no Rio Grande do Sul. Na
Independência, esse era o projeto de Brasil defendido pelas cortes mais
radicais da Maçonaria. Um dos primeiros jornais republicanos no Brasil foi o
“Sentinela do Serro”, publicado em Minas Gerais em 1832 sob a direção do
político liberal Teófilo Ottoni. “Somos de opinião que se deve lentamente
republicanizar a Constituição do Brasil”, propunha o jornal meio século antes
da Proclamação.
O dia 3 de novembro de 1870 é considerado o marco do
início da jornada política que levaria à queda do Império duas décadas depois
e, nessa data, foi criado o 1º clube republicano do Brasil. Dele faziam parte
os jornalistas Quintino Bocaiúva, Francisco Rangel Pestana, Aristides da
Silveira Lobo, Miguel Vieira Ferreira e Antônio Ferreira Viana, os advogados
Henrique Limpo de Abreu e Salvador Mendonça, o médico José Lopes da Silva
Trovão e o engenheiro Cristiano Benedito Ottoni – quase todos dissidentes do
Partido Liberal.
Foram tomadas três decisões: _ a redação de um
manifesto à nação, a criação de um partido republicano e o lançamento de um
jornal que expressasse as ideias do grupo. E, apesar da pequena repercussão
inicial, o Manifesto de 1870 lançou as sementes para que iniciativas
semelhantes brotassem em outras regiões. Nos dois anos seguintes, foram
lançados 21 jornais republicanos em todo o país. Coube a Itu (SP) ser o berço
do mais bem organizado movimento republicano brasileiro, pois lá aconteceu em
1873 a Convenção de Itu – marco da fundação do Partido Republicano Paulista
(PRP) – cuja atuação seria decisiva na queda do Império, em 1889, e
principalmente na consolidação do novo regime nos anos seguintes.
Há uma ironia na história dessa Convenção, pois o mais
importante evento republicano teve de pegar carona em uma comemoração da Monarquia
para alcançar a repercussão desejada. A data (18 de abril) foi planejada para
coincidir com a inauguração da Estrada de Ferro Ituana, destinada a conectar
Itu aos trilhos da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Tratava-se de um evento do
governo Imperial, mas era tudo de que os republicanos precisavam. Às vésperas
de ser reativado como atração turística, depois de muitos anos de abandono, um
trecho dessa antiga estrada de ferro, com 7 quilômetros de extensão entre Itu e
a vizinha cidade de Salto, é hoje chamado de “Trem Republicano”, em mais uma
prova de que a história, quase sempre, é contada e reescrita pela ótica dos
vencedores.
Itu foi escolhida para sediar a convenção de 1873, não
apenas pela coincidência das datas, mas trata-se de uma cidade situada a 100
quilômetros de S. Paulo, entre Campinas, Piracicaba e Sorocaba. No final do
século, Itu refletia as profundas mudanças ocorridas na economia cafeeira nos
anos anteriores, pois o café era a principal riqueza brasileira na segunda
metade do século. No entanto, o eixo da produção havia se deslocado do Vale do
Paraíba para as terras férteis da nova fronteira agrícola do oeste paulista – a
região dominada pelos fazendeiros republicanos. Haviam mudado também as
técnicas de cultivo e as relações de trabalho nas lavouras.
O contraste entre a moderna lavoura cafeeira paulista
e as decadentes propriedades escravagistas do Vale do Paraíba era marcante. Nos
anos derradeiros do Império, cerca de 700 dessas antigas fazendas com 35 mil
escravos, estavam hipotecadas ao Banco do Brasil por falta de pagamento das
dívidas. Seus donos estavam quebrados, pois o cultivo do café no Vale do
Paraíba pautava-se em técnicas rudimentares. A produtividade era baixíssima,
pois a abundância de terra e mão de obra escrava desobrigava os Barões a
realizar investimentos para melhorar as técnicas de produção.
O café era plantado nas encostas, sem nenhum cuidado
para deter a erosão do solo. Depois de 15 anos, toda a camada fértil tinha sido
lavada pelas chuvas e carregada para o fundo dos vales e rios. Para trás ficava
a terra desmatada e improdutiva, pois em vez de usar adubo para tentar
recuperá-las, os fazendeiros derrubavam as matas vizinhas e abriam novas
lavouras que depois tinham de ser igualmente abandonadas. Eram denominadas de
“lavouras nômades”.
Situação diferente era a das novas fazendas de
Campinas, Piracicaba, Pirassununga, Rio Claro e Itu, pois embora ainda usassem
mão de obra cativa os fazendeiros dessa região foram pioneiros na substituição
dos escravos pelo trabalho assalariado de imigrantes europeus. Outras mudanças
ocorreram no beneficiamento do café, etapa executada após a colheita e a
secagem dos grãos. Máquinas modernas como ventiladores e separadores realizavam
sozinhas a tarefa que, antes, exigia o trabalho de até 90 escravos.
Os custos diminuíram bem e a prosperidade resultante
desse surto de desenvolvimento impressionava a todos. Tanto que, ao passar por
Campinas em 1859, o jornalista Augusto Emílio Zaluar ficou admirado ao observar
que a cidade tinha 3 fábricas de licores, 2 de cerveja, 1 de velas de cera, 1
de chapéus, 3 hotéis, diversas alfaiatarias, sapateiros, 1 jornal, 4 igrejas e
um teatro.
Em 1874 alguns fazendeiros (participantes do Congresso
de Itu) se reuniram novamente em Campinas a fim de angariar fundos para a
criação do órgão oficial do novo Partido Republicano Paulista. No ano seguinte
foi lançado o jornal “A Província de São Paulo” que, mais tarde foi
rebatizado de “O Estado de São Paulo”, marcou profundamente a história
da imprensa brasileira cujo plano de ação defendia “a descentralização
completa” do Estado brasileiro. Nos anos que se seguiram à divulgação do seu
primeiro manifesto no Rio de Janeiro e à Convenção de Itu, os republicanos
enfrentaram um dilema que se revelaria insuportável: _ a escassez de votos.
Apesar do entusiasmo público, a campanha republicana não encontrava eco nas
urnas e, por mais animados que fossem os comícios, seus candidatos não
conseguiam reunir votos suficientes para se eleger.
É como se o eleitorado fosse surdo às ideias do novo
regime. Mesmo nas cidades maiores (RJ e SP) menos vulneráveis à manipulação dos
coronéis da Monarquia, os resultados eleitorais haviam sido medíocres ao longo
de 2 décadas. Nas eleições de agosto de 1889 (3 meses antes da Proclamação) os
votos dos Republicanos não chegaram a 15% do total. Além de fracos
eleitoralmente os Republicanos estavam divididos, pois entre eles havia
rivalidades profundas e irreconciliáveis.
As maiores divergências se relacionavam à fórmula de
República a ser implantada no Brasil e ao caminho para chegar a ela. Os
cafeicultores paulistas e parte dos jornalistas, professores e advogados do Rio
de Janeiro sonhavam com uma democracia liberal e federalista, semelhante à dos
EUA com sufrágio universal e liberdade de expressão que resguardasse os
direitos de propriedade e o livre-comércio. Na ala mais radical dos civis
liderada por Silva Jardim e Lopes Trovão estavam os que eram denominados de
“jacobinos”, admiradores da Revolução Francesa e defensores da instalação da República
mediante insurreição popular e até a execução de toda família Imperial. Um 3º
grupo era formado pelos positivistas – seguidores de Auguste Comte e que
pregavam a instalação de uma ditadura republicana. Essa corrente tinha grande
influência no meio militar, onde se destacava o professor e Tenente-Coronel
Benjamin Constant – da chamada “mocidade militar”. Outro foco de divergências
estava relacionado à escravidão, o maior dos problemas à época. No Manifesto de
1870 os Republicanos passaram ao largo do tema. A abolição da escravatura,
diziam os fazendeiros paulistas, deveria ser tratada “mais ou menos lentamente”
pelas províncias, conforme as possibilidades de substituição pela mão de obra
livre e levando em conta o “respeito aos direitos adquiridos”.
O motivo da omissão era óbvio, pois muitos signatários
– incluindo a família do futuro Presidente, Campos Salles – eram senhores de
escravos. Em uma população de 10.800 habitantes, o município de Itu contava à
época com 4.400 escravos; ou seja, de cada 10 ituanos, quatro eram cativos. As
obras de Alberto Sales, um dos ideólogos do Movimento Republicano paulista,
oferecem um resumo das ideias dos fazendeiros a respeito da escravidão. São
conceitos que hoje soariam racistas, mas que, na época, eram discutidos com
naturalidade na imprensa, nos livros e no Parlamento. “O africano, além de ser
muito diferente do europeu, sob os pontos de vista anatômicos e fisiológicos,
ainda se acha em um grau muito embrionário da evolução mental”.
Até 1889, os diferentes grupos republicanos agiam de
forma isolada, mas todos aderiram rapidamente na madrugada de 15 de novembro ao
golpe do Marechal Deodoro da Fonseca que, por sua vez, até então não se
identificava com nenhuma dessas facções – e, segundo todas as evidências, nem republicano
era. Sem ressonância nas urnas, o Partido Republicano passou a enxergar no
Exército um instrumento para acelerar a mudança de regime. Cabia-lhes fomentar
ao máximo as divergências entre os militares e as autoridades imperiais. Nos
meses seguintes, o jornal “A Federação” – dirigido por Júlio de Castilho –
aproveitou todas as oportunidades para explorar os ressentimentos entre o
comando militar e o governo Imperial. Em razão disso, a troca de regime, em vez
de percorrer um caminho mais suave e institucional, como desejavam os
moderados, veio por um golpe planejado às escondidas e executado na calada da
noite.
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