quarta-feira, 5 de abril de 2023

Os Republicanos e a Instalação do Novo Regime

 Como Deveria Ocorrer a Troca da Monarquia Pelo Regime Republicano? De Que Forma Benjamin Constant Achava Que a Revolução Deveria Acontecer? Qual a Relação da Convenção de Itu Com a Revolução Republicana? Que Papéis os Cafeicultores Paulistas Representaram na Queda da Monarquia?

 


Uma demorada salva de palmas acolheu Antônio da Silva Jardim no plenário da Câmara Municipal de Campinas em fevereiro de 1888. O orador trazia uma mensagem radical: _ a execução sumária de membros da família imperial brasileira que resistissem à troca da Monarquia pelo regime Republicano. Na opinião de Silva Jardim, os Republicanos deveriam aproveitar o ano seguinte – 1º centenário da Revolução Francesa – para instalar o novo regime. À família Imperial seriam dadas duas opções. A primeira, o exílio na Europa e, a segunda, morte em praça pública em nome dos interesses nacionais. Lembrava que, em 1789, os revolucionários franceses haviam executado na guilhotina o Rei Luís XVI e a Rainha Maria Antonieta – entre outros nobres.

O inflamado discurso era parte da propaganda republicana que, àquela altura, empolgava os brasileiros mais bem informados. Em 1889, havia ao todo no Brasil 237 clubes republicanos, 204 nas províncias do Sul e Sudeste e, além disso, 74 jornais pregavam abertamente a queda do Império. Os mais importantes eram a “Gazeta de Notícias”, o “Diário de Notícias” (que tinha Rui Barbosa como colaborador) e “O País” – de Quintino Bocaiúva.

Nas publicações satíricas, o Imperador Pedro II era chamado de “Pedro Banana”. A pena demolidora de Rui Barbosa se referia ao soberano como uma “figura decadente de velho coroado”, e à Monarquia “coisa senil, gangrenosa e contagiosa que apodrecia no Brasil”. Silva Jardim era o mais radical de todos os propagandistas republicanos. Nascido na Vila Capivari (RJ) e formado pela Escola de Direito de São Paulo, era casado com uma sobrinha de José Bonifácio de Andrade e Silva – o Patriarca da Independência.

Muitas vezes, Silva Jardim enfrentava ambientes hostis e, na cidade de Paraíba do Sul, falou sob uma chuva de pedras disparadas por adeptos da Monarquia. Em outra ocasião teve de interromper seu discurso ao ser atacado pela Guarda Negra – milícia organizada pelo abolicionista José do Patrocínio e composta de ex-escravos simpatizantes da Princesa Isabel, herdeira do trono. Nem todos os republicanos eram tão radicais e, alguns como Quintino Bocaiúva, por exemplo, preferiam até esperar a morte do idoso Imperador para, só então fazer a troca do regime. Outros, como o professor e Tenente-Coronel Benjamin Constant, achavam que a revolução teria de acontecer rapidamente, porém, nesse caso, a família Imperial deveria ser tratada com todo o respeito e consideração.

Alguns, como Campos Salles, acreditavam que seria possível chegar à República pelas urnas. Outros discordavam dessa alternativa por acreditar que o corrompido sistema eleitoral do Império jamais permitiria o acesso dos Republicanos ao poder e, nesse caso, a solução deveria ser revolucionária.

Apesar das divergências a campanha republicana ecoava um sonho alimentado por muitos brasileiros em diversos períodos da história nacional. Até então, o Brasil tinha sido governado sob o regime monárquico, no qual todo o poder emanava do soberano e em seu nome era exercido.

Foram 322 anos de administração da Coroa portuguesa durante o período colonial – do Descobrimento, em 1500, até a Independência, em 1822 – mais 67 anos do Primeiro e do Segundo Reinados, sob a liderança de Pedro I e Pedro II. Sob o regime republicano, o poder seria exercido por representantes eleitos pelo povo com vistas a servir ao interesse comum; ou seja, à coisa pública. Em nome desse conceito, na segunda metade do século XIX o país já tinha uma história republicana significativa, embora trágica. Nela contabilizavam-se alguns mártires, caso do mineiro Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes – e do pernambucano Joaquim do Amor Divino Rabelo, o Frei Caneca, fuzilado na Confederação do Equador. Ambos morreram defendendo o sonho de fazer do Brasil uma República.

O ideal republicano esteve por trás de episódios como a Guerra dos Mascates (1710), em Pernambuco; a Revolta dos Alfaiates (Conjuração Baiana), em 1798; a Revolução Pernambucana, de 1817; a Sabinada, de 1837, na Bahia e a Revolução Farroupilha de 1835, no Rio Grande do Sul. Na Independência, esse era o projeto de Brasil defendido pelas cortes mais radicais da Maçonaria. Um dos primeiros jornais republicanos no Brasil foi o “Sentinela do Serro”, publicado em Minas Gerais em 1832 sob a direção do político liberal Teófilo Ottoni. “Somos de opinião que se deve lentamente republicanizar a Constituição do Brasil”, propunha o jornal meio século antes da Proclamação.

O dia 3 de novembro de 1870 é considerado o marco do início da jornada política que levaria à queda do Império duas décadas depois e, nessa data, foi criado o 1º clube republicano do Brasil. Dele faziam parte os jornalistas Quintino Bocaiúva, Francisco Rangel Pestana, Aristides da Silveira Lobo, Miguel Vieira Ferreira e Antônio Ferreira Viana, os advogados Henrique Limpo de Abreu e Salvador Mendonça, o médico José Lopes da Silva Trovão e o engenheiro Cristiano Benedito Ottoni – quase todos dissidentes do Partido Liberal.

Foram tomadas três decisões: _ a redação de um manifesto à nação, a criação de um partido republicano e o lançamento de um jornal que expressasse as ideias do grupo. E, apesar da pequena repercussão inicial, o Manifesto de 1870 lançou as sementes para que iniciativas semelhantes brotassem em outras regiões. Nos dois anos seguintes, foram lançados 21 jornais republicanos em todo o país. Coube a Itu (SP) ser o berço do mais bem organizado movimento republicano brasileiro, pois lá aconteceu em 1873 a Convenção de Itu – marco da fundação do Partido Republicano Paulista (PRP) – cuja atuação seria decisiva na queda do Império, em 1889, e principalmente na consolidação do novo regime nos anos seguintes.

Há uma ironia na história dessa Convenção, pois o mais importante evento republicano teve de pegar carona em uma comemoração da Monarquia para alcançar a repercussão desejada. A data (18 de abril) foi planejada para coincidir com a inauguração da Estrada de Ferro Ituana, destinada a conectar Itu aos trilhos da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí. Tratava-se de um evento do governo Imperial, mas era tudo de que os republicanos precisavam. Às vésperas de ser reativado como atração turística, depois de muitos anos de abandono, um trecho dessa antiga estrada de ferro, com 7 quilômetros de extensão entre Itu e a vizinha cidade de Salto, é hoje chamado de “Trem Republicano”, em mais uma prova de que a história, quase sempre, é contada e reescrita pela ótica dos vencedores.

Itu foi escolhida para sediar a convenção de 1873, não apenas pela coincidência das datas, mas trata-se de uma cidade situada a 100 quilômetros de S. Paulo, entre Campinas, Piracicaba e Sorocaba. No final do século, Itu refletia as profundas mudanças ocorridas na economia cafeeira nos anos anteriores, pois o café era a principal riqueza brasileira na segunda metade do século. No entanto, o eixo da produção havia se deslocado do Vale do Paraíba para as terras férteis da nova fronteira agrícola do oeste paulista – a região dominada pelos fazendeiros republicanos. Haviam mudado também as técnicas de cultivo e as relações de trabalho nas lavouras.

O contraste entre a moderna lavoura cafeeira paulista e as decadentes propriedades escravagistas do Vale do Paraíba era marcante. Nos anos derradeiros do Império, cerca de 700 dessas antigas fazendas com 35 mil escravos, estavam hipotecadas ao Banco do Brasil por falta de pagamento das dívidas. Seus donos estavam quebrados, pois o cultivo do café no Vale do Paraíba pautava-se em técnicas rudimentares. A produtividade era baixíssima, pois a abundância de terra e mão de obra escrava desobrigava os Barões a realizar investimentos para melhorar as técnicas de produção.

O café era plantado nas encostas, sem nenhum cuidado para deter a erosão do solo. Depois de 15 anos, toda a camada fértil tinha sido lavada pelas chuvas e carregada para o fundo dos vales e rios. Para trás ficava a terra desmatada e improdutiva, pois em vez de usar adubo para tentar recuperá-las, os fazendeiros derrubavam as matas vizinhas e abriam novas lavouras que depois tinham de ser igualmente abandonadas. Eram denominadas de “lavouras nômades”.

Situação diferente era a das novas fazendas de Campinas, Piracicaba, Pirassununga, Rio Claro e Itu, pois embora ainda usassem mão de obra cativa os fazendeiros dessa região foram pioneiros na substituição dos escravos pelo trabalho assalariado de imigrantes europeus. Outras mudanças ocorreram no beneficiamento do café, etapa executada após a colheita e a secagem dos grãos. Máquinas modernas como ventiladores e separadores realizavam sozinhas a tarefa que, antes, exigia o trabalho de até 90 escravos.

Os custos diminuíram bem e a prosperidade resultante desse surto de desenvolvimento impressionava a todos. Tanto que, ao passar por Campinas em 1859, o jornalista Augusto Emílio Zaluar ficou admirado ao observar que a cidade tinha 3 fábricas de licores, 2 de cerveja, 1 de velas de cera, 1 de chapéus, 3 hotéis, diversas alfaiatarias, sapateiros, 1 jornal, 4 igrejas e um teatro.

Em 1874 alguns fazendeiros (participantes do Congresso de Itu) se reuniram novamente em Campinas a fim de angariar fundos para a criação do órgão oficial do novo Partido Republicano Paulista. No ano seguinte foi lançado o jornal “A Província de São Paulo” que, mais tarde foi rebatizado de “O Estado de São Paulo”, marcou profundamente a história da imprensa brasileira cujo plano de ação defendia “a descentralização completa” do Estado brasileiro. Nos anos que se seguiram à divulgação do seu primeiro manifesto no Rio de Janeiro e à Convenção de Itu, os republicanos enfrentaram um dilema que se revelaria insuportável: _ a escassez de votos. Apesar do entusiasmo público, a campanha republicana não encontrava eco nas urnas e, por mais animados que fossem os comícios, seus candidatos não conseguiam reunir votos suficientes para se eleger.

É como se o eleitorado fosse surdo às ideias do novo regime. Mesmo nas cidades maiores (RJ e SP) menos vulneráveis à manipulação dos coronéis da Monarquia, os resultados eleitorais haviam sido medíocres ao longo de 2 décadas. Nas eleições de agosto de 1889 (3 meses antes da Proclamação) os votos dos Republicanos não chegaram a 15% do total. Além de fracos eleitoralmente os Republicanos estavam divididos, pois entre eles havia rivalidades profundas e irreconciliáveis.

As maiores divergências se relacionavam à fórmula de República a ser implantada no Brasil e ao caminho para chegar a ela. Os cafeicultores paulistas e parte dos jornalistas, professores e advogados do Rio de Janeiro sonhavam com uma democracia liberal e federalista, semelhante à dos EUA com sufrágio universal e liberdade de expressão que resguardasse os direitos de propriedade e o livre-comércio. Na ala mais radical dos civis liderada por Silva Jardim e Lopes Trovão estavam os que eram denominados de “jacobinos”, admiradores da Revolução Francesa e defensores da instalação da República mediante insurreição popular e até a execução de toda família Imperial. Um 3º grupo era formado pelos positivistas – seguidores de Auguste Comte e que pregavam a instalação de uma ditadura republicana. Essa corrente tinha grande influência no meio militar, onde se destacava o professor e Tenente-Coronel Benjamin Constant – da chamada “mocidade militar”. Outro foco de divergências estava relacionado à escravidão, o maior dos problemas à época. No Manifesto de 1870 os Republicanos passaram ao largo do tema. A abolição da escravatura, diziam os fazendeiros paulistas, deveria ser tratada “mais ou menos lentamente” pelas províncias, conforme as possibilidades de substituição pela mão de obra livre e levando em conta o “respeito aos direitos adquiridos”.

O motivo da omissão era óbvio, pois muitos signatários – incluindo a família do futuro Presidente, Campos Salles – eram senhores de escravos. Em uma população de 10.800 habitantes, o município de Itu contava à época com 4.400 escravos; ou seja, de cada 10 ituanos, quatro eram cativos. As obras de Alberto Sales, um dos ideólogos do Movimento Republicano paulista, oferecem um resumo das ideias dos fazendeiros a respeito da escravidão. São conceitos que hoje soariam racistas, mas que, na época, eram discutidos com naturalidade na imprensa, nos livros e no Parlamento. “O africano, além de ser muito diferente do europeu, sob os pontos de vista anatômicos e fisiológicos, ainda se acha em um grau muito embrionário da evolução mental”.

Até 1889, os diferentes grupos republicanos agiam de forma isolada, mas todos aderiram rapidamente na madrugada de 15 de novembro ao golpe do Marechal Deodoro da Fonseca que, por sua vez, até então não se identificava com nenhuma dessas facções – e, segundo todas as evidências, nem republicano era. Sem ressonância nas urnas, o Partido Republicano passou a enxergar no Exército um instrumento para acelerar a mudança de regime. Cabia-lhes fomentar ao máximo as divergências entre os militares e as autoridades imperiais. Nos meses seguintes, o jornal “A Federação” – dirigido por Júlio de Castilho – aproveitou todas as oportunidades para explorar os ressentimentos entre o comando militar e o governo Imperial. Em razão disso, a troca de regime, em vez de percorrer um caminho mais suave e institucional, como desejavam os moderados, veio por um golpe planejado às escondidas e executado na calada da noite.


 

Nenhum comentário :

Postar um comentário