Como a População Reagiu à
Proclamação da República? Inicialmente, Que Províncias se Rebelaram Contra o
Golpe? Como as Notícias da Queda do Império se Espalhavam? Qual Era o Grau de
Importância dos Atestados de Participação na Proclamação da República Assinados
por Benjamin Constant?
Um romance de
Machado de Assis descreve – de forma bem-humorada – as aflições de um de seus
personagens às voltas com os acontecimentos de 15 de novembro de 1889.
O fictício
dono de uma confeitaria – Sr. Custódio – acordou naquela manhã alarmado pelas
notícias sobre a Proclamação da República, pois dias antes havia encomendado
uma nova placa para identificar o nome do seu estabelecimento: _ “Confeitaria
do Império”.
Após combinar
o preço, Custódio voltou para casa e deixou o pintor às voltas com seu
trabalho, mas somente na manhã seguinte se deu conta da confusão em que se
meteu. A Monarquia brasileira acabara de cair e era preciso sustar a pintura
imediatamente.
Para seu
desespero, ele descobriu que o profissional já havia concluído sua tarefa. E,
logo no centro da cidade, onde militares e civis republicanos comemoravam a
queda do antigo regime e a instalação da República!
Custódio
concluiu que deveria mudar rapidamente o nome e uma nova placa, mas antes pediu
a opinião do seu vizinho – o sábio conselheiro Aires: _ “Que tal
Confeitaria da República? ” – sugeriu Aires. À primeira vista parecia uma
boa ideia, mas Custódio se lembrou que o ambiente político continuava incerto.
Algumas
pessoas ainda acreditavam na restauração da Monarquia e, se houvesse uma
reviravolta nos dias seguintes, ele perderia dinheiro. Uma alternativa seria
“Confeitaria do Governo”. O precavido Custódio ponderou que, também nesse caso,
haveria problemas, pois nenhum governo deixa de ter oposição. Por fim, a
solução adotada foi: “Confeitaria do Custódio”.
Essa curiosa
anedota resume o clima de espanto da população naquele dia, pois a Proclamação
da República foi fruto de um reduzido número de civis e pegou todos de
surpresa. Ao ver o desfile de tropas no centro da cidade naquela manhã, ninguém
sabia dizer do que se tratava, pois o tom do noticiário parecia contraditório.
“Ninguém
parecia entusiasmado” – relatou o correspondente do jornal americano The New
York Times. “O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso e
sem conhecer o que significava”, afirmou o jornalista Aristides Lobo
em artigo no Diário Popular, de São Paulo.
O Embaixador
da Áustria no Rio de Janeiro – Conde de Weisersheimb – em relatório despachado
para Viena 5 dias após a Proclamação da República: “A grande massa da
população, tudo quanto não pertencia ao Partido Republicano, ficou
completamente indiferente a essa comédia, encenada por uma minoria decidida”.
Semelhante
foi o relato do Embaixador francês, Conde de Chaillou, em 18 de novembro: “Dois
mil homens comandados para fazer uma revolução que não estava preparada e, os
próprios vencedores não previam no começo do movimento, as condições que ele
devia ter”.
As notícias
da queda do Império se espalhavam graças ao telégrafo e, na tarde de 15 de
novembro, seguindo instruções de Benjamin Constant, o Tenente José Augusto
Vinhais tomou posse da Repartição Geral dos Telégrafos.
Dali passou a
disparar mensagens para os presidentes das províncias, anunciando a implantação
da República. Ao contrário do que se poderia esperar, a repercussão diante de
tão extraordinário acontecimento foi mínima.
Curiosamente,
a reação monárquica mais importante ocorreu na Bahia, liderada pelo General
Hermes Ernesto da Fonseca, Governador de Armas da província – irmão do Marechal
Deodoro – que, ao receber a notícia, anunciou que permaneceria fiel ao
Imperador.
Às 10 horas
da manhã seguinte, despachou um telegrama ao governador do Pará, avisando que
pretendia resistir à República e pedindo que o governador o acompanhasse nessa
decisão. Inicialmente, o governador concordou, mas no meio da tarde foi
obrigado a renunciar depois que tropas leais a Deodoro cercaram o Palácio em
Belém.
Enquanto
isso, na Bahia, o General Hermes da Fonseca capitulava, ao saber que o próprio
irmão liderava a Proclamação e que o Imperador já estava a caminho da Europa.
Com exceção
desse caso pitoresco, os protestos em outras regiões do país foram isolados e,
em Florianópolis, ao ouvir as notícias do golpe, os soldados de um batalhão do
Exército se sublevaram dando vivas à Monarquia. “Foi necessário mandar fazer
fogo, resultando dois a três mortos”, anunciava despacho enviado ao Ministro da
Guerra, Benjamin Constant.
No Maranhão,
um grupo de ex-escravos – que julgava dever sua libertação à Monarquia – foi igualmente
reprimido a tiros pelo comandante do 5º Batalhão do Exército. No Mato Grosso, a
guarnição militar local só tomou conhecimento da queda do Império mais de um
mês depois.
Publicada a
ordem do dia, 25 soldados negros reagiram dando “morras à República” e “vivas à
Monarquia”. Eles alegavam que não apoiariam o governo porque haviam sido
libertados pela Princesa Isabel e, diante da ordem de prisão, puseram fogo no
quartel. E, um deles morreu.
Se entre
pobres, soldados, e ex-escravos ainda houve algum protesto, o restante da
população, especialmente a classe rica, com poder e influência política, aderiu
com naturalidade à República. O Senado do Império, onde tinham assento as
maiores sumidades da Monarquia, não formulou qualquer protesto em 16 de
dezembro.
“A Monarquia
do Brasil caiu sem ter tido quem morresse por ela”, observou o sociólogo
Gilberto Freyre. “Esqueceram-se mais depressa do que eu esperava”, queixou-se o
Imperador ao filho do Visconde de Ouro Preto, em Paris.
As adesões
mais entusiasmadas vieram de políticos monarquistas, Condes, Viscondes e Barões
apontados como sustentáculos do Império. Da Europa, o Barão de Tefé mandou um
telegrama para o Marechal Deodoro felicitando-o por “ter libertado a pátria da
opressão”. O Barão Homem de Melo desfilou pelas ruas do Rio com as tropas de
Deodoro em 15 de novembro. E, sete dias depois, enviou uma carta à Quintino
Bocaiúva chamando-o de “meu particular amigo”.
O Barão da
Passagem (Almirante Delfim Carlos de Carvalho) elogiou os republicanos por
“terem libertado a pátria de um condomínio intolerável”. O Conde de Araruama
anunciou aos seus amigos de Macaé e Barra de São João estar aderindo à
República por considerar esse “o melhor serviço que se pode fazer à pátria”.
Até mesmo o
preceptor dos filhos da Princesa Isabel (o Barão de Ramiz) foi nomeado diretor
da Inspetoria Geral de Instrução Pública por indicação de Benjamin Constant,
pois em discurso um ano mais tarde comparou Deodoro a George Washington –
primeiro presidente e herói da Independência dos Estados Unidos.
Atitude de
rara dignidade teve o Governador de São Paulo, General Couto de Magalhães,
herói da Guerra do Paraguai. Magalhães era um monarquista convicto que soube da
Proclamação ainda em 15 de novembro e, no dia seguinte, entregou o cargo a uma
comissão formada por Campos Salles, Rangel Pestana e Martinho Prado Jr.
Foi tratado
com respeito ao deixar o Palácio, mas recusou o convite de prestar deferências
às novas autoridades constituídas.
O festival de
adesões logo se propagou entre advogados, escritores, médicos, jornalistas e
outros profissionais e, no dia 20 de novembro, um grupo de intelectuais se
reuniu no Teatro Variedades a fim de eleger uma comissão para “manifestar por
qualquer modo ao governo provisório a franca adesão dos homens de letras do
Brasil”. Entre os escolhidos estavam o carioca Olavo Bilac e os maranhenses
Aluísio de Azevedo e Coelho Neto.
Em muitos
casos não bastava aderir; era preciso tornar público o ato. Foi o que fizeram
94 médicos declarando seu apoio ao novo regime, através de artigo publicado no
jornal “O Correio do Povo”. Também se manifestaram os empregados do comércio, o
diretor e os empregados da Casa da Moeda, a União Operária e a Comissão dos
Homens de Letras entre outras instituições.
Um fenômeno
curioso foi a corrida aos atestados de participação na Proclamação da República
– assinados por Benjamin Constant – que certificavam o requerente como
“republicano de primeira hora”. Mais tarde serviriam para abrir-lhes as postas
dos cofres, empregos e outros privilégios nas repartições públicas.
No Rio de
Janeiro, o jornal “O Diário de Notícias” (de Rui Barbosa) orquestrava o coro de
lisonja aos militares, protagonistas e senhores absolutos da mudança de regime.
“Depois de alcançada a vitória, os militares depositaram nas mãos do povo
os destinos da nação, demonstrando não terem ambição alguma ”.
Ao contrário
do que fazia supor o otimismo desses artigos, os meses seguintes seriam de
censura e repressão a jornalistas, intelectuais e eventuais opositores que
ousassem levantar a voz contra as decisões do novo governo.
Um decreto de
23 de dezembro de 1889, ameaçava jornalistas de oposição com penas duríssimas –
inclusive fuzilamento. Em março de 1890, novo decreto previa punições às
pessoas acusadas de pôr em circulação pela imprensa, telégrafo ou outros meios
“falsas notícias e boatos alarmantes, dentro ou fora do país, que se
referissem à indisciplina no Exército, à estabilidade das instituições ou à
ordem pública”
Na prática,
era uma censura à imprensa. Fortalecido por esses decretos, o porrete da
polícia passou a funcionar nas redações dos jornais e, assustados com a
repressão, o jornal “O Estado de São Paulo” protestou em editorial em março de
1890: _ “Tem hoje na República garantias menos seguras e eficazes do que as
que lhe dava a Monarquia”.
Em
Pernambuco, a polícia mandou prender e rasgar todos os exemplares do jornal “O
Tribuno”, que criticou os primeiros atos do governo provisório. Em março de
1890, o Diário Grão-Pará teve as portas arrobadas e as caixas de tipos de
chumbo empasteladas, impedindo que o jornal circulasse por vários dias.
Em 29 de
novembro de 1890, a redação do jornal “Tribuna” (situado na Travessa do
Ouvidor, no centro do RJ), cujos jornalistas se arriscavam a criticar os atos
do governo provisório, foi ocupada pelos militares. Os assaltantes quebraram
tudo o que encontraram pela frente, inclusive móveis e máquinas tipográficas.
Redatores, revisores, conferentes, gráficos, funcionários e até clientes foram
espancados.
As
frustrações com o novo regime são resumidas no telegrama de 21 de dezembro de
1889, onde Felicíssimo do Espírito Santo Cardoso, ex-Senador do Império e
Capitão da Guarda Nacional em Goiás, enviou ao seu filho Joaquim Inácio
Cardoso, Alferes do Exército e ativo participante da Proclamação da República,
afirma: “Vocês fizeram a República que não serviu para nada e, aqui agora,
como antes, continuam mandando os Caiado”.
Joaquim
Inácio Cardoso viria a ser o avô do futuro Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, cujo governo, mais de um século depois da Proclamação,
contaria em Goiás com o apoio do Deputado Ronaldo Caiado, ex-presidente da UDR
(União Democrática Ruralista) contra o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
e Sem Terra), que reivindicavam reforma agrária, uma das muitas promessas
adiadas pelo regime republicano.
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