O Que Era o “Comércio Mudo”? Por
Que Muitos Diziam Não Ser Possível Contornar a África Pelo Mar? Qual Foi a
Origem do Tratado de Tordesilhas? Por Que Comparavam Colombo à Vasco da Gama?
A empresa de descobertas de D. João II – rei de Portugal – era um
empreendimento bem planejado e cuidadosamente organizado, com um grande
investimento de capital e uma numerosa tripulação. O rei escolheu para
comandante Bartolomeu Dias, que comandara uma caravela pela costa africana
abaixo. Essa expedição era constituída de duas caravelas de 50 T cada uma e um navio de aprovisionamento, nunca
antes acrescentado a uma viagem de descobrimento, que permaneceram mais tempo
no mar e navegaram para mais longe.
Bartolomeu Dias levou com ele seis (6) africanos que tinham participado
em viagens portuguesas anteriores que, bem alimentados e vestidos ao estilo
europeu, foram deixados em vários lugares ao longo da costa com ouro, prata,
especiarias e outros produtos africanos para que, à maneira do “comércio mudo”,
pudessem mostrar aos nativos que mercadorias os Portugueses queriam.
Depois de desembarcarem os navios enfrentaram fortes tormentas, quando
as caravelas foram empurradas para longe da costa e depois para alto mar. Em 3
de fevereiro de 1488 ancorou na baía de Mossel a 370 km a leste da atual Cidade
do Cabo. Mas, a tempestade fora providencial, pois ela o fez dobrar a ponta sul
da África.
Ao desembarcarem, os nativos tentaram repeli-los com pedras e, o próprio
Dias, acabou matando um deles pondo fim ao reencontro. Dessa forma, Bartolomeu
Dias seguiu a costa para nordeste numa extensão de mais de 500 km e entrou na
baía de Algoa. Ele que ria prosseguir até o Oceano Índico e cumprir a esperança
de muitos séculos, mas a tripulação nem quis ouvir falar disso. Não era
suficiente retornar de uma viagem dessa com a notícia de que era possível
contornar a África pelo mar?
Após uma reunião com seus capitães eles assinaram um documento
declarando sua decisão de voltar, Bartolomeu Dias concordou. No regresso,
voltaram ao navio de aprovisionamento que tinham deixado 9 meses atrás – com
nove homens a bordo – e constataram que somente três ainda estavam vivos.
Um deles ficou tão abalado ao rever seus companheiros, que morreu
subitamente por estar muito debilitado. O navio, que tinha sido comido pelos
carunchos, foi descarregado, queimado e as duas caravelas puseram-se a caminho
de Portugal em dezembro de 1488 – 16 meses depois da sua partida.
Quando as envelhecidas caravelas aportaram em Lisboa estava à sua
espera o ainda obscuro Cristóvão Colombo, o qual se encontrava na cidade a fim
de convencer D. João II a apoiá-lo numa expedição às Índias, navegando para
ocidente através do Atlântico.
Em 1484, quando se apresentou pela 1ª vez com esse propósito, o rei
expôs o projeto à comissão de peritos que o rejeitou, alegando que o navegador subestimou a distância para
ocidente, até às Índias.
Nessa ocasião Colombo impressionara o rei e agora voltava para renovar
seu pedido, embora o momento de Bartolomeu Dias tenha sido para ele um período
de decepção. Pois, a rota marítima para as Índias pelo oriente, contornando a
África, era agora praticável e o projeto dele, Colombo, portanto, se tornara
supérfluo. Dessa forma, só lhe restava procurar apoio de uma nação que ainda
não tivesse descoberto seu próprio caminho à volta da África.
Bartolomeu Dias nunca fora devidamente recompensado pelo rei e foi
esquecido da era dos descobrimentos portugueses. Acabou supervisionando a
construção de navios para Vasco da Gama, mas não foi incluído na viagem à
Índia. Morreu em 1500, quando desempenhava papel apagado na frota de Pedro
Álvares Cabral ao largo da costa do Brasil. Um furacão afundou quatro dos 13
barcos e Bartolomeu Dias foi lançado ao mar daquele grande oceano.
Porém, o passo seguinte foi retardado em pelos problemas ocorridos em
Portugal que enfrentava uma sucessão ao trono e especialmente pelas desavenças
com a Espanha. Por ironia, as descobertas de Colombo se revelaram a causa
principal desses problemas, os quais adiaram por uma década o fato de
Bartolomeu Dias ter dobrado o cabo.
Quando D. João II recebeu notícias das descobertas de novas ilhas de
Colombo no Atlântico, anunciou que essas novas terras (dada a proximidades dos
Açores) pertenceriam por direito a Portugal. As contendas entre Portugal e Espanha pela
obtenção do apoio do Papa – que tinha o poder de atribuir a reis católicos a
governança de todas as partes recém-descobertas da Terra – deram origem ao
Tratado de Tordesilhas (em 1494).
Espanha e Portugal aceitaram uma linha que corria de norte a sul por
1200 milhas náuticas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. Dessa forma, as terras a
oeste pertenceriam à Espanha e, as do leste, a Portugal. Ao assegurar a reivindicação
do Brasil à Portugal – cuja existência podia ou não ser conhecida – o Tratado
afirmava o direito de Portugal ao caminho marítimo para as Índias pelo Oriente.
Ao subir ao trono português em 1495, o ousado D. Manoel I (de 26 anos)
herdou tantos grandes empreendimentos que acionou um plano para continuar com
os descobrimentos de Bartolomeu Dias, através de nova viagem que seguiria a
rota marítima até a Índia, abriria caminho ao comércio e possivelmente também à
conquista. Os conselheiros do jovem rei o desaconselharam tal empresa por duas
razões:
·
Como poderia um país tão pequeno
ser bem-sucedido na conquista a uma distância dessa?
·
Será que não suscitaria a
inimizade de todas as outras grandes potências (Espanha, Gênova, Veneza e
também os Muçulmanos), cujos interesses comerciais ficariam ameaçados?
Ignorando as objeções o rei escolheu para chefiar a expedição um fidalgo – Vasco
da Gama – que já havia demonstrado ser um bom marinheiro e diplomata. Como o D.
Manoel havia previsto, a experiência do marinheiro talvez bastasse para navegar
ao longo do litoral, mas não chegaria para lidar com sofisticados potentados
indianos. Porém, os acontecimentos provaram que Vasco da Gama era bem
qualificado para tal, pois embora ele tivesse temperamento violento mostrou
coragem, firmeza e largueza de visão para lidar com humildes marinheiros e
arrogantes sultões.
Após 2 anos de preparação, a frota de 4 navios de Vasco da Gama zarpou
de Lisboa em julho de 1497, levando provisões para três anos, fornecidos de
mapas, instrumentos astronômicos e tábuas de declinação elaboradas por Zacuto.
Os navios transportavam colunas de pedra para assinalar o direito dos
Portugueses, um padre e um número de condenados que, por serem considerados
dispensáveis, poderiam ser usados sempre que houvesse risco de morte. Ao todo,
os tripulantes beiravam cerca de 170 homens.
A fama de Colombo – da perspectiva americana – tem-nos cegado para
outras descobertas marítimas tão grandes quanto o seu naquela 1ª “Idade do
Mar”. Os efeitos imediatos da viagem de Vasco da Gama foram incomparavelmente
mais concretos do que os de Colombo. Este prometeu cidades fabulosas no Japão e
na Índia e chegou apenas a incertas praias selvagens. Quando o seu feito deu –
finalmente – dividendos, fê-los de modos inesperado. Por outro lado, Vasco da
Gama se propôs a alcançar as capitais comerciais da Índia e iniciar um comércio
lucrativo, e cumpriu. Ele prometeu restringir os monopólios comerciais
asiáticos dos muçulmanos do Levante e dos mercadores de Gênova e de Veneza – e
cumpriu.
Colombo tomou a iniciativa, prometeu uma mina de ouro e encontrou apenas
um deserto. A iniciativa da viagem de Vasco da Gama não foi dele, mas do rei.
Pela magnitude do seu feito e não pelo seu caráter, Vasco da Gama deveria
ofuscar Colombo. A 1ª expedição de Cristóvão Colombo seguiu para ocidente com
ventos a menos de 4200 km das Ilhas Canárias, rumo às Bahamas e permaneceu 36
dias no mar.
Já a rota de Vasco da Gama levou-o num círculo largo durante quase todo
o caminho através do Atlântico Sul e depois contra as correntes opostas e
ventos contrários. Tomou a decisão de, em vez de navegar perto da costa
africana, dar a volta através do meio do Atlântico, das Ilhas do Cabo Verde ao
Cabo da Boa Esperança, numa distância de mais de 6000 km, antes de chegar à
baía de santa Helena, logo acima da atual Cidade do Cabo, permanecendo no mar
93 dias.
Sendo assim, a sua perícia em navegação, no controle da sua tripulação e
no tratamento com os muçulmanos hostis em Moçambique, acabou por levá-lo
através do Mar Arábico e do Oceano Índico até chegar a Calecute – seu destino,
na costa da Península Indiana – em maio de 1498. Até então, não houvera
feito de navegação de igual amplitude.
Infelizmente – ao contrário de Cristóvão Colombo - Vasco da Gama não
deixou seus próprios registros e, felizmente, um tripulante escreveu um diário
que oferece vislumbres da variedade de problemas resolvidos durante a viagem.
Os perigos da natureza pareciam os menos ameaçadores, pois o mar naquelas
paragens remotas estava deserto de inimigos humanos e a Natureza não se
disfarçava.
Mas, à medida que avançava pela costa africana – onde nenhum barco
europeu jamais estivera – Vasco da Gama teve de recorrer a todos os artifícios
para conseguir um piloto árabe que o conduzisse através do imenso mar Arábico.
O astuto Vasco da Gama passou 3 meses conversando com o rei de Calecute,
tentando convencê-lo que os Portugueses procuravam os reis cristãos que já
governaram aquelas terras. Mas, o rei sentiu-se insultado por não ter recebido
presentes valiosos e, diante disso, Vasco da Gama tentou explicar-lhe que viera
apenas fazer descobertas.
A frota partiu de Calecute em agosto de 1498 e, depois de enfrentarem
ventos contrários, obstrução dos dirigentes muçulmanos ao longo da rota e
uma praga de escorbuto, fizeram uma entrada triunfal em Lisboa em setembro de
1499. E, dos 170 tripulantes que partiram, apenas 55 retornaram.
Não foram muitos os heróis dos descobrimentos que conseguiram saborear
os frutos das suas descobertas, mas Vasco da Gama foi um deles. Sua viagem, que
provou a existência de uma rota marítima praticável entre o Ocidente e o
Oriente, mudou o curso da história tanto ocidental como oriental.
Em fevereiro de 1502 partiu de novo de Lisboa com uma esquadra para fazer
de Calecute uma colônia de Portugal e, ao chegar às costas de Malabar, avistou
uma pequena embarcação transportando muçulmanos e exigiu todo o tesouro que se
encontrava a bordo. Em outubro, ao largo de Calecute, Vasco da Gama ordenou que
o rei se rendesse e exigiu a expulsão da cidade de todos os muçulmanos. No
porto, ele capturou um pequeno grupo de negociantes e pescadores e enforcou-os
imediatamente.
Depois de esquartejá-los, atirou pés e cabeças para uma embarcação que
mandou a terra com uma mensagem em árabe sugerindo ao rei que utilizasse
aqueles restos em sua ceia. Quando partiu para Lisboa – com seu grande
carregamento de riquezas – Vasco da Gama deixou em águas indianas cinco navios
comandados pelo irmão da sua mãe, os quais construíram a primeira força
naval permanente estacionada por europeus em águas asiáticas.
A sequência de passos em seguida para estabelecer um império na Índia
parecia evidente, pois o 1º vice-rei português na Índia – Francisco de Almeida
– destruiu a frota muçulmana em 1509. Afonso de Albuquerque – governador
português na Índia – conquistou o Golfo Pérsico (1502) e fez de Goa a capital
das possessões portuguesas. Enfim, os Portugueses dominaram o Oceano Índico.
As consequências se fizeram sentir em todo o Mundo e, muito do esplendor
italiano, se baseava nas riquezas do Oriente que chegavam por Gênova ou Veneza.
Mas, agora o tráfego dos tesouros asiáticos (especiarias, drogas, pedras
preciosas, etc.) já não se fazia pelo Golfo Pérsico, mas sim através dos navios
portugueses que contornavam o cabo da Boa esperança para a Europa voltada para
o Atlântico.
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