segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Pedro de Alcântara – Um Imperador Cansado

 

Por que o Governo Imperial Permanecia Inerte Diante das Evidências do Golpe? Como Estava a Saúde de Pedro II às Vésperas da Proclamação da República? Como o Imperador Reagiu à Notícia da Proclamação? Por Que o Conde d’Eu Não Era Bem Visto Pelos Republicanos?




Um enigma desafia até hoje muitos historiadores da Proclamação da República do Brasil, pois apesar de todas as evidências de uma conspiração em andamento o governo Imperial permaneceu inerte. Nos dias anteriores ao golpe militar, o Imperador comportou-se o tempo todo como se nenhuma ameaça rondasse o trono brasileiro.

A seu ver, estava tudo tão absolutamente calmo que julgou desnecessário reunir-se com qualquer membro do governo nos dias que antecederam a queda do Império. Nenhum de seus ministros preocupou-se em alertá-lo sobre os boatos que tomavam conta da cidade.

Como explica tamanha apatia? Max Leclerc – jornalista francês que percorria o Brasil à época – registrou: _ “A revolução está terminada e ninguém parece discuti-la. Mas os que fizeram a revolução não tinham a intenção de fazê-la e há atualmente na América um Presidente da República à força. Deodoro desejava apenas derrubar um ministério hostil”.

Ninguém simbolizava mais esse quadro de letargia do que o próprio Monarca. No crepúsculo do Segundo Reinado, um D. Pedro II doente, cansado e “velho antes do tempo” – como definiu o sociólogo Gilberto Freire – nem de longe lembrava a figura poderosa e carismática que por quase meio século conduzira com sabedoria os destinos da nação.

Dom Pedro II era um homem frágil e, na juventude, era sujeito a frequentes ataques de epilepsia. A partir da meia-idade tornou-se vítima de diabetes. Os problemas de saúde se agravaram muito nos 2 anos finais do seu reinado.

Em fevereiro de 1887, enquanto ele assistia a um concerto, foi atacado por uma dor de cabeça tão forte que se viu obrigado a retirar-se do camarote em que se encontrava. Sua memória ficou bastante abalada e alguns auxiliares chegaram a pensar que estivesse perdendo a sanidade mental. A Princesa Isabel, que se encontrava na Europa, foi chamada às pressas.

O quadro pareceu tão grave que os médicos aconselharam tratamento na Europa e, diante disso, ele embarcou no final de julho de 1887, em companhia da Imperatriz e do neto Pedro Augusto, enquanto a Princesa Isabel assumia a regência pela terceira vez.

Na sua ausência de um ano e dois meses, era tal a convicção de que o Imperador não retornaria com vida que, em artigo em um jornal, o republicano Quintino Bocaiúva se referiu ao navio que o transportava como “esquife da Monarquia”.

Internado durante 2 meses em uma estação de águas na Suíça pareceu se recuperar e, na manhã de 3 de maio, teve uma súbita recaída em Milão. Chamado às pressas, seu médico registrou que o aspecto de D. Pedro II era assustador e, prostrado na cama do hotel, parecia agonizar e chegou a receber a extrema-unção.

A situação era tão delicada que, ao receber a notícia da aprovação da Lei Áurea, a Imperatriz inicialmente relutou em mostra-lo ao marido, temendo que a emoção pudesse agravar-lhe o estado de saúde.

Por fim, decidiu que era melhor contar logo as novidades a D. Pedro que abriu lentamente seus olhos e perguntou: _ “Não há mais escravos no Brasil? ”. “Não há” – respondeu a Imperatriz – “a lei foi votada no dia 13 e a escravidão está abolida”. “Demos graças a Deus” – murmurou o Imperador. “Grande povo! ”. E desatou a chorar copiosamente.

Ao retornar a Europa em agosto de 1888, tinha a aparência de um inválido, pois aos 62 anos dava a impressão de um homem velho de corpo e espírito, com aparência de um ancião, barba e cabelos esbranquiçados, andar pesado e arrastado – relatou seu biógrafo Heitor Lyra.

Tornou-se forte o rumor de uma abdicação em favor da Princesa Isabel, o que só fez aumentar a resistência a um eventual terceiro reinado. Uma hipótese muito discutida foi que a própria Isabel também abdicaria em favor do sobrinho – o Príncipe Augusto, filho de sua falecida irmã Leopoldina. Assim afastaria o risco de que o trono brasileiro fosse ocupado, indiretamente, por um estrangeiro, o francês Conde d’Eu.

As preocupações sobre a saúde do Imperador e sua capacidade de conduzir os destinos da nação eram partilhadas na família real. “Nunca, nos últimos 40 anos, a situação da Monarquia brasileira pareceu mais instável do que hoje” – escreveu o Conde d’Eu numa carta ao pai, o Duque de Nemours, em 23 de agosto de 1888.

Em maio de 1889, o Conde d’Eu anunciou que faria uma viagem ao Norte e Nordeste do Brasil com o objetivo de defender o Império contra os ataques agressivos dos republicanos. Dificilmente haveria pior garoto-propaganda para a Monarquia. O Conde viajou sozinho, deixando a Princesa Isabel no Rio de Janeiro. Os críticos viram nisso a prova de que, na eventualidade de um terceiro reinado, seria ele o verdadeiro Imperador do Brasil.

O Conde foi recebido com festas em várias cidades, mas logo se confirmou a sua falta de habilidade política. Em discurso no Recife, ele afirmou que se a Monarquia fosse derrubada pela República, a família Imperial teria de deixar o Brasil e, essa declaração, acabou causando polêmica no Rio de Janeiro.




No dia 15 de julho, quando a família Imperial saía do teatro no RJ alguém gritou: _ “Viva a República” e, em seguida, ouviu-se um tiro que passou de raspão por D. Pedro II.  O autor do disparo – um caixeiro viajante desempregado – foi preso imediatamente e constatou-se não haver ligação com o movimento republicano. Estava embriagado, na porta de um bar onde vangloriava-se de haver atirado contra o Imperador, prometendo voltar à carga visto ter errado o alvo.

Era um caso banal, mas serviu de combustível no clima de radicalização reinante na cidade. Em resposta, o chefe de polícia do Rio de Janeiro proibiu qualquer pessoa de dar vivas à República, medida que logo caiu em descrédito.

Enquanto isso, o governo perdia apoio no Congresso e, às vésperas da viagem do Conde d’Eu, caiu o Ministério de João Alfredo Correia de Oliveira – responsável pela aprovação da Lei Áurea. Em seu lugar assumiu o Visconde de Ouro Preto, chefe do último gabinete do Império. Aos 52 anos, deputado por Minas Gerais, ele era o candidato favorito da Princesa Isabel e todos viram na sua chegada ao poder, como uma preparação para o impopular Terceiro Reinado.

 

Ao assumir o governo, Ouro Preto apresentou ao Congresso um ambicioso programa de reformas. Propôs o fim da vitaliciedade no Senado, a redução dos poderes do Conselho de Estado, que passaria a seu um órgão meramente administrativo, sem funções executivas, a eleição das autoridades municipais, a escolha dos presidentes das províncias entre os mais votados (e não mais por indicação do Imperador), o sufrágio universal, liberdade de culto e a reforma no sistema de educação a fim de estimular a iniciativa privada.

À primeira vista era um programa ousado, mas na prática tratava-se da mesma proposta apresentada duas décadas antes, pelo mesmo Partido Liberal – agora comandado por Ouro Preto – sem nunca ter sido colocada em prática. Para os republicanos era mais uma demonstração de que o Império não seria capaz de reformar-se a si mesmo.

Mas, até aquele momento Ouro Preto ainda acreditava que o Império teria condições de atender às reivindicações que vinham das ruas e, dessa forma, assegurar a própria sobrevivência, pelo menos por mais algum tempo. Foi desmentido pelos acontecimentos das semanas seguintes.

Irritado com a apresentação do programa de reformas dos liberais, o deputado Gomes de castro apresentou uma moção de desconfiança ao Ministério, que foi aprovada por 79 votos contra 20. Diante do impasse produzido pela moção, o Imperador decidiu dissolver a Câmara e convocar novas eleições, em uma tentativa de recompor a base aliada no Parlamento.

Realizado em 31 de agosto, o pleito conferiu maioria esmagadora ao partido do governo, como tinha acontecido ao longo de todo o Segundo Reinado. No entanto, dessa vez, os novos deputados não teriam tempo de assumir seus mandatos, pois a República chegou antes.

 

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