Como Foi a Rotina de D. Pedro II
no Dia da Proclamação da República? Que Decisões Foram Tomadas Pelo Imperador
Nesse Dia? Por Que D. Pedro Continuava Alheio aos Acontecimentos? Por Que
Deodoro Estava Indeciso em Relação à Mudança de Regime no Brasil?
Na véspera da
Proclamação da República, D. Pedro II passou um dia tranquilo no Rio de Janeiro
e as horas finais do seu longo reinado foram consumidas em programas amenos e
protocolares, marcados pela despreocupação com os acontecimentos políticos.
Naquela
manhã, o Imperador, que habitualmente passava o verão em Petrópolis, decidiu
descer à capital e, ao chegar de trem, dirigiu-se ao Imperial Colégio Pedro II,
onde assistiu a uma das provas do concurso para professor de inglês. Depois
almoçou no Paço da Cidade.
À tarde
visitou a Imprensa Nacional e as instalações do Diário Oficial. Chegou às 14:30
horas, visitou as oficinas, conversou com os diretores, funcionários e pediu
explicações sobre as máquinas, o processo de impressão e, no final da tarde,
tomou o trem de volta para Petrópolis.
No momento em
que o Imperador retornava ao seu paraíso serrano republicanos civis faziam um
balanço da conspiração em andamento. Um documento dos arquivos de Benjamin
Constant revela seu empenho em planejar os passos necessários ao sucesso do
golpe. O documento comprova que até o último momento os militares ainda temiam
alguma reação das autoridades imperiais.
Na manhã de
15 de novembro, o Conde d’Eu – marido da Princesa Isabel – saiu com os filhos
para um passeio a cavalo na praia de Botafogo. Nada indicava a importância do
drama que naquele momento se desenrolava no Campo de Santana e, ao retornar
para casa, por volta das 10 horas, foi surpreendido pela chegada do Barão de
Ivinhema e do Visconde da Penha. Vinham comunicar a revolta da 2ª Brigada e da
Escola Militar, trazendo notícias do Barão de Ladário – Ministro da Marinha –
que, segundo rumores, encontrava-se gravemente ferido. Talvez até já estivesse
morto.
Outros
conhecidos apareceram em seguida como o engenheiro André Rebouças, o Barão do
Catete e o Visconde de Taunay. Por fim chegou o Alferes Ismael Falcão com a
notícia de que o Marechal Deodoro da Fonseca, o Tenente-Coronel Benjamin
Constant e o jornalista Quintino Bocaiúva estavam no quartel-general à frente
dos revoltosos.
Novas
informações iam chegando a todo o momento, dizendo que o Ministério havia sido
derrubado e que o chefe do gabinete – o Visconde de Ouro Preto – estava preso
por ordem de Deodoro. Militares republicanos civis tinham desfilado à frente
das tropas pelo centro da cidade sob aplauso e ninguém sabia exatamente que
providências tomar.
Por fim,
André Rebouças sugeriu que todos se retirassem para Petrópolis, de onde se
poderia organizar a resistência. Isabel e o Conde concordaram, mas lembraram
que antes seria conveniente avisar ao Imperador, embora a primeira tentativa –
por telefone – tenha falhado.
Assim,
decidiu-se levar o plano adiante e, como seria arriscado viajar de trem até o
pé da serra fluminense, optou-se pelo percurso de barco pela Baía de Guanabara
– sob a proteção da Marinha. No entanto, os únicos a embarcar foram os pequenos
Príncipes – Pedro de Alcântara, Luís Felipe e Antônio Gastão – acompanhados do
Barão de Ramiz.
Naquela mesma
hora o próprio Imperador tomava decisão oposta e, depois de ler os telegramas
que recebeu do Visconde de Ouro Preto, pediu que lhe preparasse um trem às
pressas para descer ao Rio de Janeiro. Isabel e o Conde d’Eu tinham acabado de
despachar os filhos para Petrópolis quando souberam disso por telegrama – o
último que a família Imperial recebeu antes que as comunicações fossem
interceptadas pelos militares.
Então, eles
resolveram então permanecer na capital em vez de ir ao encontro do Imperador,
cujo trem chegou às duas da tarde e, segundo o relato do seu médico particular,
D. Pedro fez todo o percurso sem demonstrar qualquer preocupação com o que
estava ocorrendo. “Ele veio lendo jornais e revistas científicas, declarando
que tudo se arranjaria bem” – relatou seu médico.
Ainda sem
saber que decisão tomar, D. Pedro II e a família se dirigiram ao Paço Imperial
(na atual Praça XV), onde foram saudados pela guarda de honra. Lá dentro, o
Visconde de Taunay começou a expor o plano que André Rebouças havia apresentado
ao Conde d’Eu.
Era preciso recrutar
aliados, retornar a Petrópolis e, de lá, seguir para Minas Gerais a fim de
organizar a resistência. Porém, o Imperador não lhe deu a mínima atenção e, em
meio à confusão, reinante, ele era o único que parecia guardar absoluta calma e
a todo o momento repetia que tido não passava de “fogo de palha”.
O Brasil
vivia uma situação única na sua história, pois o derradeiro ministério do
governo Imperial havia sido deposto pelas armas do Marechal Deodoro, mas a
República ainda não havia sido proclamada. Portanto, àquela altura o regime não
era monárquico nem republicano e, por sua vez, o Parlamento estava em recesso.
Para todos os
efeitos, o chefe supremo da nação era o Imperador, mas na prática já não tinha
poder porque nada poderia fazer sem consultar Deodoro. Este, por sua vez,
encontrava-se enfermo e desse modo o país estava, simultaneamente, sem Poder
Executivo e Legislativo; isto é, sem governo nenhum.
Pedro II
insistia em ver o Visconde de Ouro Preto e o Ministro deposto conseguiu chegar
ao Paço às quatro da tarde. Sua situação era, entre todos os presentes, a mais
precária. Pela manhã, Deodoro havia decretado sua prisão, mas logo voltou
atrás, permitindo que se recolhesse em casa.
Às sete da
noite, após avistar-se com o Imperador, Ouro Preto seria preso novamente e
deportado para a Europa a bordo de um navio alemão, sem ter tempo para se
despedir da família ou mesmo fazer as malas.
Depois de
ouvir de Ouro Preto detalhes do que se passou no quartel-general, D. Pedro II
finalmente se convenceu de que era necessário compor outro ministério e
perguntou a Ouro Preto quem poderia substituí-lo.
O Visconde –
em um erro de avaliação que até hoje espanta os historiadores – sugeriu o
Senador Gaspar Silveira Martins que, na realidade, era a pior escolha naquele
momento por vários motivos. O primeiro é que ele não se encontrava no Rio de
Janeiro, pois estava em um navio na companhia dos deputados gaúchos que
tomariam posse no dia 20.
No entanto, confiando na indicação de Ouro Preto, D. Pedro II decidiu que a formação do novo ministério deveria esperar pela chegada de Silveira Martins no dia 17 e, até lá, o Brasil ficaria sem governo.
Mais tarde, o
Imperador justificou sua desastrada escolha dizendo que, naquele momento,
“ignorava o estado das relações de Silveira Martins e Deodoro” – o que é
surpreendente em um Monarca que ao longo de sua vida, antes de tomar decisões,
se tornava conhecido pela obsessão com que procurava se informar sobre as
pessoas e os acontecimentos nos mínimos detalhes.
A indicação
de Silveira Martins foi a gota d’água que fez transbordar o copo já cheio e, ao
saber da notícia, Deodoro – que até aquele momento relutava entre derrubar a
Monarquia ou apenas sugerir um novo ministério – decidiu-se a aceitar a
proclamação da República e a constituição de um governo provisório.
Quando soube
da decisão de D. Pedro, o Conde d’Eu espantou-se: “Como pensar em ficar 3
dias sem governo? ”. “Vamos esperar”- disse o Imperador. “Convoque ao
menos o Conselho de Estado para esclarecê-lo” – atalhou a Princesa. “Mais
tarde”, respondeu D. Pedro II.
O Conde d’Eu
e a Princesa decidiram tomar a iniciativa e consultar os conselheiros de estado
que se encontravam na capital, o que D. Pedro aceitou sem reclamar. Já começava
a anoitecer quando chagaram os primeiros conselheiros, mas as opiniões eram as
mais contraditórias.
Os baianos
Manuel Pinto de Sousa Dantas e José Antônio Saraiva achavam que o golpe ia dar
em nada e, ao contrário, o Visconde de Taunay entendia que a solução era
procurar Deodoro em busca de um acordo para a crise.
Pedro parecia
continuar alheio aos acontecimentos e, afinal, chegou-se à conclusão de que era
necessário enviar dois Senadores dos partidos Imperiais – o Liberal e o
Conservador – para conversarem com Deodoro. Os escolhidos foram Sousa Dantas e
Manoel Francisco Correia, os quais voltaram minutos depois dizendo que sequer
tinham conseguido ser recebidos pelo Marechal. Encontraram a porta da casa
fechada e os criados disseram não saber onde ele se encontrava.
Às 23 horas,
a Princesa Isabel conseguiu convencer o pai a promover uma reunião dos 11
conselheiros presentes no Rio de Janeiro. Foi a última reunião do governo
Imperial, embora para todos os efeitos, naquele momento a Monarquia já não
existisse mais no Brasil.
A reunião
durou duas horas e a decisão unânime foi a de que D. Pedro II deveria
constituir um novo governo o mais rapidamente possível, mas antes seria preciso
entender-se com Deodoro. Em vez de esperar pela chegada de Silveira Martins,
decidiu-se indicar o baiano José Antônio Saraiva para liderar o novo
ministério. Saraiva, que tinha voltado para casa, foi procurado pelo Marquês de
Paranaguá e levado de volta ao Paço da Cidade por volta de uma hora da manhã do
dia 16.
Antes de
aceitar o cargo, Saraiva redigiu uma carta a Deodoro explicando ter sido o
escolhido para compor o ministério, mas que nada faria sem a concordância do
Marechal. Na prática, isso implicava reconhecer que quem mandava no país
naquele momento não era mais o Imperador. Encarregado de levar a carta, o Major
Roberto Trompowsky retornou com a resposta às 3 horas da madrugada.
Deodoro, que
o recebera na cama, avisava que não tinha nada a declarar a respeito porque,
segundo disse, “agora já era tarde”. A República estava declarada e o novo
governo provisório constituído.
A República,
de fato, estava proclamada, mas só provisoriamente, tal era a indecisão de
Deodoro em relação à mudança de regime. Horas antes, o Marechal assinara um
manifesto à nação, anunciando a deposição da família Imperial, mas sem
mencionar a palavra “república”.
A incerteza
gerada por esse ato levou Francisco Glicério a reunir às pressas um grupo de
republicanos – Alberto Torres, J. A. Magalhães Castro e Benjamin Constant –
quando todos se dirigiram à casa de Deodoro, a fim de pressioná-lo a tomar uma
atitude mais firme.
Chegando lá,
explicaram ao Marechal a delicada situação em que o país se encontrava, sem
governo. A cada hora que passasse, aumentaria a possibilidade de uma reação das
forças imperiais. Mais uma vez Deodoro procurou ganhar tempo, mas diante da
notícia da nomeação de Silveira Martins para a chefia do gabinete, finalmente
concordou com a proclamação da República, desde que a expressão “provisória”
fosse incluída nas comunicações que o novo governo faria a seguir.
Benjamin
levou seus companheiros para o Instituto dos Meninos Cegos, do qual era
diretor, onde foram tomadas as primeiras decisões do governo provisório
republicano. O Executivo ficou composto da seguinte forma: _ Deodoro da Fonseca
(Chefe do Governo Provisório); Benjamin Constant (Ministro da Guerra); Quintino
Bocaiúva ((Ministro das Relações Exteriores); Rui Barbosa (Ministro da
Fazenda); Aristides Lobo (Ministro do Interior); Campos Salles (Ministro da
Justiça) e Eduardo Wandenkolk (Ministro da Marinha).
No Instituto
dos Meninos Cegos também foi lavrado o primeiro decreto do governo republicano
assinado por Deodoro, o qual comunicava em seus artigos iniciais: - Art.
1 = “Fica proclamada provisoriamente e decretada como forma de
governo da Nação Brasileira, a República Federativa”. Art. 2
= “As províncias do Brasil, reunidas pelo laço da federação, ficam
constituindo os Estados Unidos do Brasil”.
O decreto
dispunha ainda que cada Estado faria sua própria Constituição, elegeria seus
representantes para uma Assembleia Constituinte e tomaria as providências para
manter a ordem, a segurança, a defesa e a garantia da liberdade e dos direitos
dos cidadãos.
Além disso,
anunciava que nas regiões em que faltasse ao governo local meios para garantir
a ordem haveria intervenção federal. E, como o Congresso ainda estava em
recesso, no dia seguinte todos os membros do governo provisório foram à Câmara
Municipal do RJ prestar juramento perante os vereadores.
Era mais uma
cena inusitada, pois o governo federal do Brasil (a estância máxima do Poder Executivo
nacional), prestava juramento diante dos representantes de um poder municipal.
Mas era a única forma de dar alguma cor de legitimidade a uma República que
nascera de um golpe armado, sem qualquer participação popular.
Por uma
dessas ironias da história, três semanas mais tarde a mesma Câmara Municipal
seria dissolvida pelo governo republicano, devido ao “estado de decadência, sua
deficiente organização e limitados meios de ação”. Em lugar da Câmara – até
então eleita por voto direto – foi criado um Conselho Municipal, composto de 7
membros, todos nomeados pelo governo provisório sem referendo nas urnas.
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