quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Brasil: um País Improvável

 

Qual Era o Perfil Social da População Brasileira, as Vésperas do Grito do Ipiranga? O Que D. João VI Deixou Para Trás ao Retornar a Lisboa, em Abril de 1821? Que Províncias Aderiram à Independência Proclamada Por D. Pedro em Setembro de 1822?

 


 

Os sonhos dos brasileiros de 1822 eram grandiosos, pois eles queriam se libertar de três (3) séculos de dependência portuguesa e erguer um vasto império. O novo país que pretendiam organizar desdobrava-se da floresta amazônica até as planícies dos pampas no Sul, desenhando no caminho uma linha de mil quilômetros de litoral, 30 vezes a distância entre Paris e Londres.

Com mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, o Brasil tinha o dobro do território europeu e era maior do que a área continental dos estados Unidos. Dentro dele a diminuta metrópole portuguesa caberia 93 vezes. Porém, os problemas eram proporcionais ao tamanho dos sonhos.

Às vésperas do Grito do Ipiranga, o Brasil tinha tudo para dar errado, pois de cada 10 brasileiros, 2 eram escravos, negros, mulatos, índios ou mestiços. Ou seja, era uma população pobre e carente de tudo. O medo de uma rebelião escrava pairava como um pesadelo sobre a minoria branca.

Os analfabetos eram mais de 90 %, os ricos eram poucos e, em sua maioria, ignorantes. Havia uma pequena elite intelectual bem preparada – na Universidade de Coimbra – mas também dividida por divergências políticas entre monarquistas e constitucionais, conservadores e liberais, republicanos e federalistas, entre outras correntes.

As rivalidades entre as províncias prenunciavam uma guerra civil, a qual poderia resultar na fragmentação do território nacional, a exemplo do que ocorria nas vizinhas colônias espanholas. À beira da falência, o novo país não tinha exércitos, navios, oficiais, armas ou munições para sustentar uma guerra pela sua independência.

Em 1822, na Bahia, o pagamento do soldo dos oficiais e soldados estava atrasado 2 meses por falta de dinheiro nos cofres. Os canhões não funcionavam sem munição, os soldados andavam descalços e portavam espingardas de matar passarinho. Em Portugal, a situação também era de dificuldades, mas de lá, a cada dia chegavam notícias de novas providências destinadas a esmagar os partidários da Independência brasileira.

Em abril de 1821, ao retornar a Lisboa, o rei D. João VI deixou para trás um, Brasil profundamente transformado pelas decisões tomadas nos seus 13 anos de Rio de Janeiro. No entanto, sua última providência foi desastrosa para o país, pois o rei mandou raspar os cofres do Banco do Brasil e encaixotar todo o ouro, diamantes e pedras preciosas.

Criado em 1808 para financiar as despesas da corte, o banco já vinha mal das pernas e o seu patrimônio cobria apenas 1/5 dos títulos que emitiu nesse período e, consequentemente, quebrou 3 meses depois da partida do rei. Ao assumir o governo na condição de príncipe regente, D. Pedro encontrou os cofres vazios. As despesas públicas somavam 5.600 contos réis (300 milhões de reais, hoje), o que representava mais do que o dobro da arrecadação de impostos.

Numa carta escrita nesse mesmo mês, o jovem príncipe (de apenas 22 anos) mostrava-se assustado com os desafios que a História lhe impunha, implorando ao pai que o dispensasse do cargo e o chamasse de volta a Portugal. No esforço de comprar navios, contratar oficiais, marinheiros mercenários e manter acesa a esperança de vencer Portugal na guerra pela independência, o governo tomou duas providências.

Uma delas foi recorrer aos empréstimos internacionais. Os dois primeiros totalizaram 3.685.000 libras esterlinas (1,2 bilhões de reais, hoje). E, dessa forma, o novo país já nascia endividado e assim permaneceria pelos dois séculos seguintes.

A segunda providência envolveu uma prática também conhecida dos brasileiros até há pouco tempo: _ a inflação. O Tesouro comprava cobre por 500 a 660 réis a libra e cunhava moedas com valor de face de 1.280 réis, mais do que o dobro do custo original da matéria prima. Ou seja, era dinheiro podre, sem lastro, mas que ajudava o governo a pagar suas despesas de curto prazo. D. Pedro aprendeu essa esperteza com seu pai, que também recorreu à fabricação de dinheiro em 1841.

A Independência do Brasil ocorreu no meio de uma enorme transformação na economia brasileira, pois a produção de açúcar e a mineração de ouro e diamantes estavam, decadentes. Eram as 2 grandes riquezas que sustentavam a prosperidade da colônia e sua metrópole nos séculos anteriores.

Dependentes da mão de obra escrava, a produção açucareira declinou devido ao combate ao tráfico negreiro pela Inglaterra e à mudança de tecnologia nos mercados competidores. Mais próxima dos EUA e Europa, Cuba havia adotado engenhos movidos a vapor, o que tornava sua produção mais barata em relação à brasileira.

Nas regiões produtoras de ouro e diamantes, a prosperidade dera lugar à incerteza. Minas Gerais ainda era a província mais populosa do Brasil (600 mil habitantes), mas a economia começava a se deslocar para o Sul, em direção ao Vale do Paraíba, região das lavouras de café. Como resultado da abertura dos portos e da liberdade de comércio concedida por D. João em 1808, surgiu um mercado exportador e um próspero sistema de trocas entre as províncias.

O Rio Grande do Sul vendia charque para a Europa, Estados Unidos, África e também para o Rio de Janeiro, Salvador e Recife. Recebia em troca produtos industrializados do exterior e açúcar, cachaça e farinha de mandioca do próprio mercado brasileiro.

Minas Gerais e o Vale do Paraíba abasteciam a capital de carne de gado, queijos e produtos agrícolas. Com o dinheiro, os fazendeiros compravam sal, açúcar, tecidos, ferros máquinas e instrumentos que chegavam de outras províncias ou da Inglaterra.

No Ceará, no Piauí e no Maranhão produzia-se gado, vendido para as províncias vizinhas como carne-seca, banha e couro curtido. No entanto, esse novo mercado interno era prejudicado pela excessiva carga tributária. Eram impostos criados para favorecer o monopólio português ou criados por D. João depois de 1808 para sustentar as despesas da corte no Rio de Janeiro. Na tentativa de reanimar a economia, D. Pedro aboliu o imposto do sal e da navegação que encareciam a produção de charque e o comércio regional.

O Brasil precisava economizar cada centavo das suas combalidas economias, e, para dar o exemplo, o príncipe cortou seu próprio salário, concentrou as repartições públicas no Paço Imperial (onde morava) e se transferiu para o palácio da Quinta da Boa Vista.

Vendeu 1.134 dos 1.290 cavalos reais e, para reduzir as despesas na compra de milho, os escravos da fazenda real de Santa Cruz foram incumbidos de produzir no quintal do próprio palácio o capim que serviria de ração para os cavalos restantes, além de lavarem a roupa de D. Pedro, da sua família e seus empregados.

Mas, os empréstimos internacionais, a fabricação de dinheiro, o estímulo às atividades econômicas e o corte nas despesas domésticas eram medidas paliativa, que adiariam a pressão dos problemas financeiros. Mas, havia outros ainda mais graves que conspiravam contra o sucesso do novo Brasil. As divergências internas.

Em setembro de 1822, apenas o Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais aderiram à independência proclamada por D. Pedro I. As demais províncias ou ainda estavam sob controle das tropas portuguesas (caso da Bahia) ou discordavam da ideia de trocar a tutela exercida por Lisboa pelo poder centralizado no Rio de Janeiro (caso de Pernambuco).

Na região Norte, o Pará e o Maranhão se mantinham fiéis aos portugueses. Por alguns meses, obedecendo às ordens das cortes de Lisboa, ambas as províncias chegaram a declarar separadas do restante do Brasil. No Sul, as forças estavam divididas, pois na província de Cisplatina (atual Uruguai), o comandante do regimento português anunciou que só acataria as orientações das cortes e encastelou suas forças em Montevidéu.

O historiador Marco Morel comparou a situação brasileira à de um grande quebra-cabeça, onde cada peça representaria uma província que seria retirada caso tivessem vingado as ameaças de separação territorial. Primeiro sairia a Bahia, ocupada pelas tropas do general português Ignácio Luís Madeira de Melo.

Depois, o Maranhão, o Piauí, o Pará e o Amazonas. Por fim, deixariam Pernambuco, Ceará, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do Norte. Eram as 5 províncias pertencentes à Confederação do Equador – movimento separatista deflagrado em 1824.

As peças que restassem seriam hoje o Brasil, um país debilitado não só pela perda também do Uruguai – proclamado independente em 1828 – mas provavelmente também pelo Rio Grande do Sul na Revolução Farroupilha de 1835. Ou seja, sobraria uma fração do país atual, com território inferior ao da Argentina.

A chegada da família portuguesa ao Rio de Janeiro em1808, havia funcionado como um centro aglutinador dos interesses das diferentes províncias. No entender do historiador Manuel de Oliveira Lima, ao fugir de Napoleão Bonaparte, D. João VI se tornou “o verdadeiro fundador da nacionalidade brasileira”, pois ele deu o 1º passo para assegurar a integridade do território.

Mas tudo isso era recente em comparação com os três séculos de colonização, nos quais essas províncias haviam se reportado diretamente à metrópole portuguesa. Por essa razão, em 1822, a noção de identidade nacional era ainda muito tênue.

Além das divisões regionais havia as divergências políticas. Ou seja, essa era uma época revolucionária em que no mundo todo se discutia qual seria a forma ideal de governar as sociedades. O poder dos reis estava sendo contestado, mas havia muitas dúvidas sobre como substituí-lo por outro mais eficaz.

No Brasil, o projeto de independência tinha ampla aceitação, mas poucos concordavam a respeito do que fazer com o novo país depois de conquistada a autonomia. Na falta de partidos políticos organizados, essas noções eram debatidas em igrejas, clubes e sociedades secretas – como a maçonaria – de um lado, monarquistas constitucionais e, de outro, os republicanos.

Esses grupos tinham visões diferentes a respeito do futuro do Brasil. O primeiro defendia a continuidade da monarquia, ficando D. Pedro como soberano, embora o seu poder ficasse limitado por uma Constituição que definiria os direitos das pessoas e a organização do governo no novo país. O segundo grupo defendia uma ruptura radical com o passado, pois em lugar de um rei, a república teria um presidente eleito pela população com mandato temporário e também limitado pela Constituição.

A República era a proposta que mais assustava quem tinha interesses estabelecidos, pois ao romper com a ordem vigente essa forma de governo deixava o futuro muito mais incerto, especialmente para aqueles que tinham muito a perder. Além disso, a república era uma fórmula nova na história da humanidade e pouco testada na prática. O exemplo mais bem-sucedido era os Estados Unidos, que haviam se tornado independente na forma republicana menos de meio século antes.

Às vésperas de voltar para Lisboa em 1821, D. João VI deu um sábio conselho ao filho: _ “Pedro, se o Brasil tiver de se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que para qualquer um desses aventureiros”. Nessa frase havia três mensagens. A 1ª: depois das transformações ocorridas desde 1808, a independência parecia inevitável.

A 2ª: a separação tinha de ser controlada pela monarquia portuguesa e pela real família de Bragança. A 3ª: dizia que D. Pedro precisava evitar que o país caísse nas mãos dos republicanos. Esses “aventureiros” – dizia D. João – estão fazendo a independência da vizinha América espanhola.

Caberia ao ministro José Bonifácio de Andrada e Silva pôr em prática o projeto de D. João. Como líder dos monarquistas constitucionais, Bonifácio sustentava que, na hipótese de República, o Brasil mergulharia numa guerra civil e se fragmentaria em pequenas repúblicas rivais. Para ele, somente a permanência do príncipe regente no Rio de janeiro garantiria a integridade territorial brasileira e o sucesso na luta contra os portugueses.

No final prevaleceu o projeto dos monarquistas constitucionais liderados por José Bonifácio, pois era o que oferecia menos risco naquele momento. O Brasil se manteve unido sob o governo do imperador Pedro I, cujos poderes foram limitados por uma Constituição liberal.

As divergências regionais e as tensões sociais foram sufocadas à custa de guerras, prisões, exílios e perseguições. Foi esse o caminho longo e penoso, repleto de incertezas, sangue e sofrimento que o Brasil trilhou para assegurar a sua Independência em 1822.



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