Por Que o
Brasil do Império Foi Considerado o “Teatro de Sombras”? Hoje, o Que
Mais Impressiona os Visitantes em Petrópolis? Por Que Visto de Petrópolis, o
Brasil Imperial é Uma Terra Mais Imaginária do Que Real?
Quem viaja atualmente pelo Brasil buscando locais históricos que a memória nacional preservou, depara-se com um país perdido no tempo. Seus resquícios estão em museus, casas de fazenda, palácios, bibliotecas e prédios públicos do século XIX.
São locais de
bonita arquitetura e aspectos mais europeus do que tropicais e, alguns exemplos
são a Chácara da Baronesa em Pelotas, o Palácio do Catete no Rio e os casarões
das fazendas de café no Vale do Paraíba.
Mas, de todos
eles, o mais simbólico é a cidade imperial de Petrópolis – refúgio da corte no
verão do Rio até as vésperas da Proclamação. Hoje o que mais impressiona em
Petrópolis e a estranheza quando se olha em volta, pois ali duas cidades
convivem no mesmo espaço.
A primeira é
a cidade histórica – situada na área central – com avenidas largas, arborizadas
e com os canteiros bem cuidados. O Palácio de Cristal, os hotéis de luxo, as
mansões onde viviam a nobreza e a igreja que hoje guarda os restos mortais de
D. Pedro II – tudo isso nos remete a um cenário da corte europeia.
A outra
Petrópolis é mais recente, pois foi construída de forma atabalhoada a partir de
meados do século XX e se encontra afastada do centro, nos bairros de classe
média onde pessoas comuns habitam prédios, estudam, trabalham e se divertem
numa rotina bem parecida com a dos outros brasileiros.
Nessa 2ª
cidade, a paisagem e a qualidade de vida ainda são melhores do que a da maioria
das cidades brasileiras, mas a arquitetura de concreto e sem imaginação nem de
longe se compara à dos edifícios da suntuosa Petrópolis Imperial.
Há menos
áreas ajardinadas e nas ruas os pedestres disputam espaço com os carros,
conduzidos por motoristas impacientes. Porém, a sensação de estranhamento
cresce à medida que o viajante desce a serra em direção à Baixada Fluminense.
No caminho
outra realidade se impõe, pois ali prevalece o panorama pobre dos morros e
favelas cariocas. Ou seja, esgotos correm à céu aberto e há muito lixo
acumulado nas ruas tomadas por vendedores ambulantes.
Visto de
Petrópolis, o Brasil da época do Império é uma terra mais imaginária do que
real. À época da Proclamação havia ali um país que aparentava ser mais
civilizado, rico, elegante e educado do que de fato era.
Aos
diplomatas estrangeiros apresentava-se como um Império destinado a ser grande,
poderoso, desenvolvido e ilustrado. No futuro, seria capaz de assombrar seus
congêneres europeus. D. Pedro II e a bela cidade serrana – batizada com seu
nome – eram o símbolo disso tudo. No entanto, esse Brasil de sonhos
confrontava-se com outro, real e bem diferente, criando uma contradição difícil
de sustentar no longo prazo.
Euclides da
Cunha – escritor, ativista republicano e autor de “Os Sertões” – certa vez
escreveu definiu o Brasil como “o único caso de uma nacionalidade feita por uma
teoria política” ([1]).
Segundo ele,
as instituições construídas no Império se baseavam em conceitos políticos
importados, os quais pouco tinham a ver com a realidade das ruas e de um
território ermo, pobre e atrasado. Para ele, o Brasil da teoria era diferente
do Brasil da prática.
A construção
desse país de sonhos estava confiada a uma pequena aristocracia, a qual mandava
seus filhos estudarem na França e tinha contato com as ideias liberais
discutidas em universidades europeias, mas tirava sua riqueza da exploração da
mão de obra cativa. As leis da Monarquia procuravam imitar o pensamento dos
salões europeus, mas a moldura real compunha-se de pobreza e ignorância.
A 1ª
Constituição brasileira – outorgada em 1824 – era considerada uma das mais
avançadas do mundo, mas em nenhum momento mencionava a existência de escravos
no país. O artigo 179 definia a liberdade e a igualdade como direitos do homem,
enquanto mais de 1 milhão permaneciam cativos nas senzalas, podendo ser
comprados ou vendidos como uma mercadoria qualquer.
O Brasil
imaginário, desconectado do Brasil real, não foi obra do acaso, mas o resultado
de uma necessidade. Em 1822, o Brasil independente de Portugal parecia a todos
uma experiência instável, pois havia riscos enormes pela frente. Escravos,
pobres e analfabetos compunham a maioria da população e as divergências
regionais eram enormes.
O receio de
uma guerra civil – ou de uma rebelião de escravos – tirava o sono da maioria
branca. O arranjo político do novo Brasil precisava levar em conta esses riscos
e ameaças.
Os riscos de
ruptura com Portugal eram tantos que a aristocracia optou pelo caminho mais
conservador e, em vez de se arriscar em uma revolução republicana, a exemplo do
que faziam todos os demais países da América, preferiu se congregar em torno do
Imperador Pedro I como forma de evitar o caos de uma guerra civil ou étnica.
Dessa forma,
conseguiu preservar seus interesses e viabilizar um projeto único na América. Segundo
a definição de alguns historiadores, o Brasil se converteu em uma “flor
exótica” no continente; ou seja, uma Monarquia cercada de repúblicas por todos
os lados.
Começava ali
o “teatro de sombras”, onde os personagens representavam papéis
que nem sempre correspondiam à realidade nacional. ([2]).
Os atores desse teatro de sombras compunham uma nobreza exótica e, ao contrário
da Europa, onde os títulos de nobreza eram hereditários, no Brasil as honrarias
se extinguiam com a morte dos seus detentores.
Portanto,
eram um estado passageiro, tão precário quanto a própria experiência monárquica
na história brasileira. A farta distribuição desses títulos, iniciada com a
chegada de D. João em 1808, resultava de uma relação de troca de favores entre
a coroa e os senhores da terra.
Traficantes
de escravos, fazendeiros, donos de engenho, pecuaristas e comerciantes davam o
apoio político, financeiro e militar necessário para a sustentação do trono. Em
troca, eles recebiam do monarca posições de influência no governo, benefícios e
privilégios nos negócios públicos e, especialmente, os títulos de nobreza.
Nos seus oito
primeiros anos no Brasil, D. João havia outorgado mais títulos de nobreza do
que em todos os trezentos anos anteriores da história da Monarquia portuguesa.
“Em Portugal, para fazer-se um Conde se pediam quinhentos anos; no Brasil,
quinhentos contos” ([3]).
Entre a
criação do reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1815, e a Proclamação
da República em 1889, foram distribuídos no Brasil 1.400 títulos de nobreza com
uma média de 19 por ano.
No entanto, o
ritmo das concessões mais do que quintuplicou nos 18 meses que antecederam a
queda da Monarquia. Foram 155 títulos de nobreza, concedidos entre a publicação
da Lei Áurea (maio de 1888) e o golpe protagonizado pelo Marechal Deodoro da
Fonseca no ano seguinte.
Diante do
clima de tensão entre os militares e os civis que precedeu a Proclamação, o
Visconde de Maracaju – Ministro da Guerra – propôs que os títulos fossem usados
como arma para seduzir os oficiais nos quarteis. Pelo seu plano, todos os
Marechais seriam franqueados indistintamente com o título de Barão. Daí, nas
vésperas do Quinze de Novembro, nada menos que 35 Coronéis da Guarda Nacional
receberam o título de Barão.
_________________________________________________________
([1]) CUNHA, Euclides da. “À margem da história”. Vol.
I, p. 374
([2]) “1889: Como um Imperador Cansado, um Marechal
Vaidoso e Um Professor Injustiçado Contribuíram Para o Fim da Monarquia e a
Proclamação da República no Brasil”. Laurentino Gomes – 1ª ed. – S. Paulo:
Globo, 2013, p. 95
([3]) CALMON, Pedro. “O Rei do Brasil: a Vida de D.
João”. Vi, p. 149
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