sábado, 10 de setembro de 2022

Uma Miragem na Serra Fluminense: Petrópolis Imperial

 

Por Que o Brasil do Império Foi Considerado o “Teatro de Sombras”? Hoje, o Que Mais Impressiona os Visitantes em Petrópolis? Por Que Visto de Petrópolis, o Brasil Imperial é Uma Terra Mais Imaginária do Que Real?

 



Quem viaja atualmente pelo Brasil buscando locais históricos que a memória nacional preservou, depara-se com um país perdido no tempo. Seus resquícios estão em museus, casas de fazenda, palácios, bibliotecas e prédios públicos do século XIX.

São locais de bonita arquitetura e aspectos mais europeus do que tropicais e, alguns exemplos são a Chácara da Baronesa em Pelotas, o Palácio do Catete no Rio e os casarões das fazendas de café no Vale do Paraíba.

Mas, de todos eles, o mais simbólico é a cidade imperial de Petrópolis – refúgio da corte no verão do Rio até as vésperas da Proclamação. Hoje o que mais impressiona em Petrópolis e a estranheza quando se olha em volta, pois ali duas cidades convivem no mesmo espaço.

A primeira é a cidade histórica – situada na área central – com avenidas largas, arborizadas e com os canteiros bem cuidados. O Palácio de Cristal, os hotéis de luxo, as mansões onde viviam a nobreza e a igreja que hoje guarda os restos mortais de D. Pedro II – tudo isso nos remete a um cenário da corte europeia.

A outra Petrópolis é mais recente, pois foi construída de forma atabalhoada a partir de meados do século XX e se encontra afastada do centro, nos bairros de classe média onde pessoas comuns habitam prédios, estudam, trabalham e se divertem numa rotina bem parecida com a dos outros brasileiros.

Nessa 2ª cidade, a paisagem e a qualidade de vida ainda são melhores do que a da maioria das cidades brasileiras, mas a arquitetura de concreto e sem imaginação nem de longe se compara à dos edifícios da suntuosa Petrópolis Imperial.

Há menos áreas ajardinadas e nas ruas os pedestres disputam espaço com os carros, conduzidos por motoristas impacientes. Porém, a sensação de estranhamento cresce à medida que o viajante desce a serra em direção à Baixada Fluminense.

No caminho outra realidade se impõe, pois ali prevalece o panorama pobre dos morros e favelas cariocas. Ou seja, esgotos correm à céu aberto e há muito lixo acumulado nas ruas tomadas por vendedores ambulantes.

Visto de Petrópolis, o Brasil da época do Império é uma terra mais imaginária do que real. À época da Proclamação havia ali um país que aparentava ser mais civilizado, rico, elegante e educado do que de fato era.

Aos diplomatas estrangeiros apresentava-se como um Império destinado a ser grande, poderoso, desenvolvido e ilustrado. No futuro, seria capaz de assombrar seus congêneres europeus. D. Pedro II e a bela cidade serrana – batizada com seu nome – eram o símbolo disso tudo. No entanto, esse Brasil de sonhos confrontava-se com outro, real e bem diferente, criando uma contradição difícil de sustentar no longo prazo.

Euclides da Cunha – escritor, ativista republicano e autor de “Os Sertões” – certa vez escreveu definiu o Brasil como “o único caso de uma nacionalidade feita por uma teoria política” ([1]).

Segundo ele, as instituições construídas no Império se baseavam em conceitos políticos importados, os quais pouco tinham a ver com a realidade das ruas e de um território ermo, pobre e atrasado. Para ele, o Brasil da teoria era diferente do Brasil da prática.

A construção desse país de sonhos estava confiada a uma pequena aristocracia, a qual mandava seus filhos estudarem na França e tinha contato com as ideias liberais discutidas em universidades europeias, mas tirava sua riqueza da exploração da mão de obra cativa. As leis da Monarquia procuravam imitar o pensamento dos salões europeus, mas a moldura real compunha-se de pobreza e ignorância.

A 1ª Constituição brasileira – outorgada em 1824 – era considerada uma das mais avançadas do mundo, mas em nenhum momento mencionava a existência de escravos no país. O artigo 179 definia a liberdade e a igualdade como direitos do homem, enquanto mais de 1 milhão permaneciam cativos nas senzalas, podendo ser comprados ou vendidos como uma mercadoria qualquer.

O Brasil imaginário, desconectado do Brasil real, não foi obra do acaso, mas o resultado de uma necessidade. Em 1822, o Brasil independente de Portugal parecia a todos uma experiência instável, pois havia riscos enormes pela frente. Escravos, pobres e analfabetos compunham a maioria da população e as divergências regionais eram enormes.

O receio de uma guerra civil – ou de uma rebelião de escravos – tirava o sono da maioria branca. O arranjo político do novo Brasil precisava levar em conta esses riscos e ameaças.

Os riscos de ruptura com Portugal eram tantos que a aristocracia optou pelo caminho mais conservador e, em vez de se arriscar em uma revolução republicana, a exemplo do que faziam todos os demais países da América, preferiu se congregar em torno do Imperador Pedro I como forma de evitar o caos de uma guerra civil ou étnica.

Dessa forma, conseguiu preservar seus interesses e viabilizar um projeto único na América. Segundo a definição de alguns historiadores, o Brasil se converteu em uma “flor exótica” no continente; ou seja, uma Monarquia cercada de repúblicas por todos os lados.

Começava ali o “teatro de sombras”, onde os personagens representavam papéis que nem sempre correspondiam à realidade nacional. ([2]). Os atores desse teatro de sombras compunham uma nobreza exótica e, ao contrário da Europa, onde os títulos de nobreza eram hereditários, no Brasil as honrarias se extinguiam com a morte dos seus detentores.

Portanto, eram um estado passageiro, tão precário quanto a própria experiência monárquica na história brasileira. A farta distribuição desses títulos, iniciada com a chegada de D. João em 1808, resultava de uma relação de troca de favores entre a coroa e os senhores da terra.

Traficantes de escravos, fazendeiros, donos de engenho, pecuaristas e comerciantes davam o apoio político, financeiro e militar necessário para a sustentação do trono. Em troca, eles recebiam do monarca posições de influência no governo, benefícios e privilégios nos negócios públicos e, especialmente, os títulos de nobreza.

Nos seus oito primeiros anos no Brasil, D. João havia outorgado mais títulos de nobreza do que em todos os trezentos anos anteriores da história da Monarquia portuguesa. “Em Portugal, para fazer-se um Conde se pediam quinhentos anos; no Brasil, quinhentos contos” ([3]).

Entre a criação do reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1815, e a Proclamação da República em 1889, foram distribuídos no Brasil 1.400 títulos de nobreza com uma média de 19 por ano.

No entanto, o ritmo das concessões mais do que quintuplicou nos 18 meses que antecederam a queda da Monarquia. Foram 155 títulos de nobreza, concedidos entre a publicação da Lei Áurea (maio de 1888) e o golpe protagonizado pelo Marechal Deodoro da Fonseca no ano seguinte.

Diante do clima de tensão entre os militares e os civis que precedeu a Proclamação, o Visconde de Maracaju – Ministro da Guerra – propôs que os títulos fossem usados como arma para seduzir os oficiais nos quarteis. Pelo seu plano, todos os Marechais seriam franqueados indistintamente com o título de Barão. Daí, nas vésperas do Quinze de Novembro, nada menos que 35 Coronéis da Guarda Nacional receberam o título de Barão.

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([1]) CUNHA, Euclides da. “À margem da história”. Vol. I, p. 374

([2]) “1889: Como um Imperador Cansado, um Marechal Vaidoso e Um Professor Injustiçado Contribuíram Para o Fim da Monarquia e a Proclamação da República no Brasil”. Laurentino Gomes – 1ª ed. – S. Paulo: Globo, 2013, p. 95

([3]) CALMON, Pedro. “O Rei do Brasil: a Vida de D. João”. Vi, p. 149


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