Por Que
os Brasileiros São Indiferentes à Comemoração da Proclamação da República? Qual
Era a Contradição Entre a Corte de Petrópolis e a Situação Social do Brasil?
Por Que a Queda da Monarquia é Um Evento Controverso?
O dia 15 de novembro
é uma data com pouco prestígio junto à população brasileira e, ao contrário de
7 de setembro, que é comemorado com desfiles escolares e militares, o feriado
da Proclamação da República é uma festa tímida.
Sua popularidade
nem se compara à algumas celebrações regionais como a expulsão dos portugueses
na Bahia, a Batalha de Jenipapo no Piauí, o início da Revolução Farroupilha
(RS) ou a Revolução Constitucionalista em São Paulo.
Personagens
republicanos como Benjamin Constant, Quintino Bocaiuva, Rui Barbosa, Deodoro da
Fonseca ou Floriano Peixoto dão seus nomes à praças e ruas brasileira, embora
muitos estudantes nem saibam que são tais personagens.
Ensina-se
mais sobre Pedro Álvares Cabral e Tiradentes do que os criadores da República –
episódio mais recente, o corrido há pouco mais de um século. E, a julgar pela
memória nacional, o Brasil tem uma república mal-amada.
O fenômeno da
indiferença coletiva se explica na forma como se processou a troca de regime,
pois o dia 15 de novembro de 1889 amanheceu cheio de promessas cujo significado
os mais pobres desconheciam. O discurso dos republicanos anunciava o fim da
tirania imperial (D. Pedro II) e do sistema de castas e privilégios (herdados
da colonização portuguesa), enaltecendo uma prosperidade geral inaugurada pela
República na construção de um “futuro glorioso”. Chamados a participar dos
destinos nacionais, todos brasileiros teriam – finalmente – vez, voto e voz ([1]).
Porém, havia
uma contradição, pois a República não resultou de uma campanha popular e sim de
um golpe militar, com rara participação das lideranças civis. E, apesar da
propaganda republicana na imprensa, a ideia da mudança de regime político não
deslanchava na população.
Na eleição
anterior (agosto de 1889), o Partido elegeu apenas 2 deputados e nenhum
senador. Seus votos não chagavam a 15%, pior do que obtido 4 anos antes (3
deputados: entre eles os futuros presidentes como Prudente de Moraes e Campos
Salles). Os civis encontraram nos militares a força que faltava para a mudança
no regime, podendo-se dizer que a República nasceu deslocadas das ruas.
Outra
incongruência como a história é contada encontra-se na descrição mais comum dos
livros sobre a Proclamação da República, onde a expressão “um passeio
militar” tenta descrever a facilidade com que se derrubou o regime.
Sem reação popular e sem protestos, parecia confirmar o mito de que as
transformações políticas se processaram sempre pacificamente.
No entanto,
essa imagem se desfoca quando se avança no calendário, pois a derrubada da
Monarquia – o sonho da ampliação das liberdades e dos direitos – rapidamente se
dissipou. Em alguns anos, o país vivia a ditadura de Floriano Peixoto (o
Marechal de Ferro), a quem ainda hoje se atribui o papel de “salvador da
República”.
O sangue que
não correu em 1889 verteu profundamente nos 10 anos seguintes, resultado do
choque entre as expectativas e a realidade do novo regime. Duas guerras civis –
somadas à Revolta Armada – deixariam marcas no imaginário brasileiro.
No Sul, os 2
anos de combate da Revolução Federalista custaram a vida de 10 mil pessoas. Na
Bahia, o sacrifício na Vila dos Canudos resultou em 25 mil mortes e humilhação
para o Exército, derrotado por jagunços pobres e mal armados (sob a liderança
de Antônio Conselheiro).
As feridas
abertas nesses conflitos marcaram a 1ª fase republicana, na qual os militares
tentaram organizar o novo regime mediante à censura à imprensa, o fechamento do
Parlamento e a deportação dos opositores para a Amazônia. A devolução do poder
aos civis, com Prudente de Moraes e Campos Salles como, 3º e 4º presidentes,
não aproximou o poder das ruas.
Até 1930, a
República Velha se caracterizou por uma equação política bastante semelhante à
dos últimos anos do Império. No lugar dos barões do café do Vale do Paraíba,
encontravam-se fazendeiros do Oeste Paulista e de M. Gerais e, por algum tempo,
o número de eleitores diminuiu. Nesta República – conhecida como “Café Com
Leite” – não havia lugar para o povo, tanto quanto não havia na dos militares
de 1889.
Poucos
eventos na história brasileira são tão controversos quanto a queda da Monarquia
e, no livro “Da Monarquia à República” (Emília Viotti da Costa – USP), faz-se
uma reconstituição da sequência de eventos narrada pelos historiadores nos
últimos 124 anos. Segundo ela, esta é uma história marcada pelo conflito entre
vencedores e vencidos, entre republicanos e monarquistas e entre militares e
civis.
Pela versão
dos vencedores, a República teria sido uma aspiração nacional e seu ideário
estaria na Inconfidência Mineira, na Revolução Pernambucana de 1817, na própria
Independência em 1822, na Confederação do Equador em 1824 e na Revolução
Farroupilha de 1835.
Conforme esse
ponto de vista, a Monarquia teria sido uma solução temporária, imposta pelas
elites em nome da defesa dos seus próprios interesses. Portanto, a República
seria uma etapa do processo histórico adiada por circunstâncias de cada
momento.
Na versão dos
derrotados, o Império teria sido a salvação do Brasil e, sem a Monarquia, o
país teria fatalmente se fragmentado – na época da Independência – em 3 ou 4
nações que herdariam apenas raízes coloniais e a língua portuguesa. Ao
Imperador caberia apenas o papel de manter o Brasil unido, apaziguar conflitos,
tolerar os adversários e converter um território selvagem em um país integrado
com as demais nações.
Por essa
perspectiva, a Monarquia teria raízes culturais mais profundas do que a
República, com força para enfrentar os desafios do futuro caso não tivesse sido
abortada por uma traiçoeira quartelada em 15 de novembro de 1889.
Em verdade as
duas versões carecem de consistência, pois a Proclamação da República foi mais
o resultado do esgotamento da Monarquia do que do vigor dos ideais
republicanos. “A República foi o resultado lógico da decomposição do regime
monárquico” ([2]). Durante 67 anos, o Império funcionou
como um gigante de pede barro, onde os salões imitavam o ambiente de Viena,
Versalhes e Madri, mas a moldura real compunha-se de pobreza e ignorância.
Havia uma
enorme contradição entre a corte de Petrópolis – que se considerava europeia –
e a situação social, na qual mais de 1 milhão de escravos eram propriedade
privada. Nesse Brasil destacava-se uma nobreza constituída de fazendeiros donos
– ou traficantes – de escravos que sustentava o trono, conferindo-lhes títulos
de nobreza.
Todo
esse arcabouço político começou a ruir em 1888 com a Lei Áurea, que abolia a
escravidão no Brasil. Os barões do café que dependiam da mão de obra cativa se
sentiram traídos pela coroa e, se dependesse deles, a escravidão continuaria
por mais alguns anos.
Eles
sustentavam que deveriam ser indenizados pela Estado e, como isso nunca
aconteceu, a Lei Áurea deu mais combustível à campanha republicana. Dessa
forma, muitos antigos senhores de escravos aderiram rapidamente à República.
Republicanos
civis e militares foram apenas parte das forças que contribuíram para a queda
do Império e a mais forte era composta dos próprios monarquistas, “para os
quais o Império perdera o derradeiro encanto” ([3]).
Este vasto e
perigoso partido dos derrotados incluía os liberais, os reformadores, os
abolicionistas e os federalistas – gente como Joaquim Nabuco e Rui Barbosa que,
até às vésperas do 15 de Novembro, mantinham-se fiéis à Monarquia. Havia também
o grupo dos “desgostosos e displicentes” – fazendeiros feridos pela abolição –
os quais juntaram forças para dar o empurrão que selaria o destino do Império
Brasileiro.
Some-se a
tudo isso o descontentamento nos quartéis desde o final da Guerra do Paraguai,
pois oficiais e soldados se consideravam injustiçados pelo Império. Daí a
conferir carta branca ao Marechal Deodoro da Fonseca para derrubar o trono foi
apenas um passo. O sentimento mais generalizado não era o da crença na
República, mas sim o de descrença nas instituições monárquicas.
O Império
brasileiro caiu inerte, incapaz de mobilizar forças e reagir contra o golpe
liderado pelo Marechal Deodoro e, apesar de todas as evidências de uma conspiração
em curso, o Imperador Pedro II permanecia em Petrópolis até a tarde de 15 de
novembro, ignorando os conselhos para que reagisse. Ao chegar ao Rio de Janeiro
perdeu um longo tempo, acreditando que no final tudo voltaria ao normal.
“Conheço os brasileiros e isso não vai dar em nada” disse naquele dia.
Somente na
madrugada de 16 de novembro, quando o governo provisório republicano já estava
anunciado, é que D. Pedro reuniu seus conselheiros e tentou organizar um novo
ministério. Já era tarde. Nas províncias, a única reação a favor da Monarquia
ocorreu na Bahia liderada pelo Marechal Hermes da Fonseca – comandante de
Salvador e irmão de Deodoro.
Ao receber
notícias do golpe ele anunciou que permaneceria fiel ao Imperador, mas
capitulou horas mais tarde ao saber que o próprio irmão liderava a conjura
republicana e que D. Pedro II já estava a caminho do exílio na Europa.
O legado de
D. Pedro II ainda permanece envolvido em controvérsias e grande parte dela
resulta da mudança de regime, em 1889. D. Pedro II era – naquele momento – a
personificação da Monarquia. Turvar sua imagem representava para os
republicanos uma forma de legitimar o novo regime. A campanha republicana
sempre se esforçou em aponta-lo como discricionário e detentor de um poder
pessoal nocivo às instituições.
Para os
perdedores monarquistas, o 15 de Novembro representava o fim de um sonho no
qual o Imperador era o depositário de grandes esperanças. Alguns historiadores
– simpáticos ao antigo regime – criaram a figura do soberano austero, culto,
educado, bem-intencionado e dedicado ao interesse público, cuja ação era
solapada por ministros corruptos e interesseiros.
Igualmente
discutível é o papel desempenhado por Deodoro da Fonseca, um militar idoso
cujas forças em 1889 encontravam-se tão esgotadas quanto as do próprio
Imperador. Convertido tardiamente às ideias republicanas, Deodoro agiu movido
mais pelo ressentimento contra o governo imperial do que por qualquer convicção
ideológica. Ele relutou até onde pôde a promover a troca do regime, como
exigiam as lideranças civis e os militares liderados pelo tenente-coronel
Benjamin Constant.
Ao contrário
do que reza a história, em nenhum momento o Marechal proclamou a República ao
longo do dia 15 e só o fez tarde da noite, diante da pressão de seus companheiros
de armas e da inabilidade política do Imperador que, numa desastrada tentativa
de resistência, indicou para a chefia do ministério justamente o maior
adversário político de Deodoro da Fonseca, o senador Silveira Martins.
Decorridos
mais de um século, que avaliação se poderia fazer hoje da República brasileira?
Uma república pode ter muitas faces e, dos 193 países componentes da ONU, 149
se definem como republicanos; ou seja, 77% do total. Difícil é a tarefa de
estabelecer o regime que os governa. A Coreia do Norte – por exemplo – é
chamada “república democrática popular”. A China se autodenomina igualmente uma
“república popular”.
A Inglaterra
poderia ser considerada hoje uma democracia republicana e, no entanto, ela
prefere ser chamada de monarquia parlamentarista. Brasil, Argentina, Alemanha e
Estados Unidos são repúblicas federativas, mas cada qual tem seu próprio
sistema eleitoral, diferentes instituições e distintos graus de autonomia para
os estados e províncias.
Portanto, a
nomenclatura não explica o que é um regime republicano e, para entendê-lo, é
preciso estudar as raízes de cada povo e sua cultura. Ou seja, o conjunto de
crenças, valores, sonhos, aspirações e dificuldades que o move ou paralisa ao
longo da história.
Durante
muitas décadas, o brasileiro relutou a se identificar com a sua história
republicana, permeada por golpes militares, ditaduras, intervenções e mudanças
bruscas nas instituições e breves períodos de democracia. A boa notícia é que
essa história talvez esteja mudando, pois hoje o Brasil exibe ao mundo três
décadas de exercício da democracia, sem rupturas. E isso jamais aconteceu
antes.
É curioso
observar que este momento de transformação coincide também com outro fenômeno
novo na sociedade brasileira: _ o interesse pelo estudo da história do Brasil,
o qual pode ser observado no mercado editorial de livros, que nunca vendeu
tantas obras sobre o tema. Mas, por que a história se tornou um tema popular
nos últimos anos?
Existem
várias respostas, mas uma delas é que os brasileiros estão olhando o passado em
busca de explicações para o país de hoje. Dessa maneira, procuram se aparelhar
mais adequadamente para a construção do futuro e isso também é uma excelente
notícia.
Uma sociedade
que não estuda história não consegue entender a si própria porque desconhece
suas raízes e as razões que a trouxeram até aqui. E, se não consegue entender a
si mesma, provavelmente também não estará preparada para construir o futuro de
forma organizada.
http://www.profigestaoblog.blogspot.com
______________________________________________________
([1]) Ver artigos de
jornais da época publicados por Manoel Ernesto de Campos Porto em “Apontamentos
para a história republicana dos Estados Unidos do Brasil” (livro digital
disponível em www.openlibrary.org
).
([2]) OLIVEIRA LIMA, “Sept ans de réplubique au
Brésil” (1889 / 1896). P.14
([3]) BELO, José Maria. “História da República:
síntese de 65 anos da vida brasileira”, p. 24
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