sábado, 21 de maio de 2022

Uma Ciência de Cultura

 

Quem Foi Edward Tylor e Qual a Sua Importância Para a Antropologia?  Qual Era a Relação da Cultura dos Povos Para o Estudo Antropológico? O Que Foi a Teoria da Degenerescência?

 




A grande abertura para a visão europeia da civilização deveu-se ao filho de um fundidor de latão de Londres. Edward B. Tylor, quando jovem em vez de frequentar uma escola pública, foi mandado para uma escola quacre ([1]) e, aos 16 anos, começou a trabalhar no negócio da família.

Aliás, em virtude de ser dissidente, não poderia ser admitido na universidade. Assim, a sua herança quacre livrou-o de definir a “cultura” como o produto peculiar dos clássicos gregos e romanos e da igreja nacional.

A desconfiança quacre em relação às belas-artes também o livrou de confinar a “cultura” no molde vitoriano de Mathew Arnold e, quando se tornou o primeiro professor de Antropologia de Oxford em 1896, vangloriou-se de nunca ter se submetido a um exame.

Aos 23 anos a família mandou-o viajar por causa da sua saúde e, em vez de fazer a grande volta pelas capitais europeias, Tylor foi para a América. Vagabundeando por Cuba, travou amizade com Henry Christy – um rico banqueiro que, por coincidência, também era quacre.

Para os quacres os costumes de povos antigos tinham um significado ético, pois eles documentavam a fraternidade humana e apoiavam o impulso antiescravagista.

No Ocidente europeu, as palavras e as ideias que descreviam as realizações sociais do homem tinham adquirido um significado auto respeitoso. Originalmente, a palavra “cultura” (do latim “cultus”, “adoração”) significava “homenagem reverente”.

Depois passou a descrever a prática de cultivar o solo e, mais tarde, estendeu-se ao cultivo e ao refinamento do espírito e das maneiras. Finalmente, por volta do século XIX, “cultura” tornou-se o nome do lado intelectual e estético da civilização.

Segundo Mathew Arnold, “cultura” era “o nosso relacionamento com o melhor que foi conhecido e dito no Mundo”. Mas, Tylor agarrou-se à palavra e operou maravilhas para esvaziar de matizes chauvinistas e provincianas.

E, por ter transformado a palavra “cultura” num termo neutro e no foco de uma nova ciência social, Tylor é geralmente considerado o fundador da Antropologia cultural moderna que, no seu tempo, se chamou “a ciência de Mr. Tylor”.

Ele notou que muitos pensadores eminentes tinham “conduzido a história apenas até o limiar da ciência” e, perfilhando o provérbio de que “o mundo todo é um país”, Tylor sentiu-se encantado com a “correspondência” existente entre os costumes de povos muito afastados uns dos outros.

Evitou a palavra no plural – “culturas” – e preferiu o singular maiúsculo (“Cultura”). Por exemplo, via “uma diferença que mal chegava a um palmo” entre um camponês inglês, usando seu machado, ouvindo histórias de um fantasma de uma casa assombrada e os costumes similares dos negros da África central.

A fim de pôr à prova sua doutrina da sobrevivência, Tylor entrou ousadamente na arena mais controversa que encontrou: _ a religião. O “animismo” foi a palavra que escolheu para a forma mínima de religião, que definiu como uma crença em seres espirituais.

Os selvagens viram esses seres espirituais em plantas, animais e características da paisagem. E todas as religiões evoluíam a partir de tais conceitos religiosos – passando de uma crença num estado futuro para uma identificação posterior com elementos morais e daí rumo ao monoteísmo.

Enquanto Darwin ousou um ataque de flanco à ortodoxia cristã, o ataque de Tylor foi frontal. A sua abordagem da espécie humana foi um golpe ameaçador – e porventura, fatal – desferido contra os dogmas do Éden, as inesperadas revelações do evangelho cristão e de um Salvador.

Seria possível que as grandes verdades do monoteísmo e do cristianismo se tivessem desenvolvido gradualmente a partir de toda a experiência humana à escala mundial?

A escandalizadora ciência da cultura de Tylor criou nos aguerridos defensores do dogma cristão da degenerescência humana. Richard Whateley, bispo anglicano de Dublin e apóstolo dos irlandeses pobres, formou-se como um hábil defensor da fé com seu primeiro livro, escolhendo como alvos Adam Smith e outros partidários do progresso.

Após descrever com repugnância os selvagens e canibais encontrados por missionários, perguntou: _ “Podia esta criatura perdida abrigar em si algum dos elementos da nobreza? ”. Se os povos selvagens revelavam habilidades nas artes, isso devia seu uma relíquia de uma civilização avançada da qual tinham degenerado.

A teoria da degenerescência de Whateley foi a inimiga mais popular do método comparativo de Tylor e, consequentemente, também de uma ciência da cultura.

A “teoria da progressão” de Tylor delineava ousadamente toda a história humana como “o desenvolvimento da cultura” e perguntava “se encontrarmos um único caso registrado de um povo civilizado cair independentemente num estado selvagem”.

Dominado pela recente ideia vitoriana de “desenvolvimento” (isto é, de que todas as sociedades tinham seguido um único curso de evolução, umas mais latentes do que outras), Tylor achava tentadora uma visão linear do progresso humano.

Ele projetava um brilho otimista sobre o futuro de todos os povos e, ao mesmo tempo, tornava todas as culturas “primitivas” vivas uma rica e acessível fonte de história.

No entanto, Tylor não se considerava o profeta de um dogma e sim o descobridor de uma ciência. Dedicou os últimos 20 anos da sua vida a organizar e fomentar a sua ciência da cultura sob o nome de Antropologia e, sob a sua orientação, o Instituto Real de Antropologia tornou-se um ativo parlamento da ciência antropológica.

Ele convenceu a British Association for the Advancement of Science a empreender um estudo das tribos pouco conhecidas da costa do Canadá. Esse estudo de doze anos efetuado por Franz Boas, foi supervisionado pelo próprio Tylor e preparou Boas para vir a ser o grande revisor da ciência daquele.

Boas fez mais do que ninguém para liberar a ciência da cultura dos preconceitos tacanhos da Inglaterra de Tylor.

Se – como Tylor insistiu – toda a humanidade tinha capacidade igual para desenvolver formas culturais, então deveria ter havido muitos caminhos e destinos diferentes para o progresso humano – tantos quantas as circunstâncias da geografia, do clima, da língua e dos acidentes históricos. Boas via a cultura triunfante.

Todos os povos sobreviventes, argumentava ele, se tinham desenvolvido igualmente, mas havia tantos modos de desenvolvimento quantos os grupos. Crente, Boas era ainda mais desenvolvimentista do que o seu mentor.

  

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([1]) Membro de uma seita protestante inglesa (a “Sociedade dos Amigos”), fundada no século XVII [Prega a existência da luz interior, rejeita os sacramentos e os representantes eclesiásticos, não presta nenhum juramento e opõe-se à guerra.

 

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