De Que Forma Foi
Dado à América o Nome de “Novo Mundo”? Como Determinar a Longitude em Alto Mar?
Como o Papa Alexandre VI Demarcou a Separação da Terra?
O nome “Novo Mundo” dado à América descoberta correu
de forma acidental, pois o encontro europeu com este mundo não foi intencional.
Enquanto o nome e a pessoa de Colombo estavam destinados a ser celebrados no
Novo Mundo, Américo Vespúcio praticamente não foi reconhecido e também não se
tornou um herói popular.
Este pioneiro do mar – que merece a fama como
desbravador da mentalidade moderna – foi apanhado pelo fogo cruzado entre
pedantes e ignorantes, mas homens letrados entusiasmados. Américo Vespúcio
nasceu de uma família influente de Florença em 1454 – no tempo da Renascença
italiana – e aí adquiriu a curiosidade e as ambições intelectuais que regeram
toda sua vida.
Sua família tinha ligações com artistas e intelectuais
da época e Leonardo da Vinci admirava tanto o avô de Vespúcio, que o seguia
pelas ruas a fim de gravar na sua mente as feições que depois desenharia em uma
pintura famosa. Em 1499 os interesses comerciais e geográficos de Vespúcio
tinham-se combinado para atraí-lo a uma nova vocação. Tornara-se evidente que o
futuro comércio espanhol para o Oriente teria de fazer-se do oceano ocidental,
pois os portugueses tinham-se apropriado da rota à volta da África, mas Colombo
mostrara que se podiam alcançar terras navegando para o ocidente.
Comandando dois navios, Américo Vespúcio se juntou à
uma expedição que partiu de Cádiz em maio de 1499 e avistou terra ao sul do
ponto onde Colombo chegara na sua 3ª viagem. Vespúcio estava disposto a
continuar procurando a passagem à volta de Catígara, mas as algas tinham
devorado os cascos dos seus navios, as provisões eram escassas, os ventos e as
correntes estavam contra ele, o que fez com que ele regressasse à Espanha.
Pouco depois de voltar à Sevilha tomou a decisão de
fazer outra tentativa e escreveu a um amigo: _ “espero regressar com
novidades e descobrir a ilha de Ceilão, a qual fica entre o oceano Índico e o
golfo ou mar de Ganges”. E quando avançou através do oceano, Vespúcio
também pensava no mundo de Ptolomeu, embora agora ele falasse com uma nova voz:
“Parece-me que minha viagem é refutada a
opinião da maioria dos filósofos, os quais afirmam que ninguém pode viver na
zona tórrida por causa do grande calor, pois verifiquei que acontece o
contrário. O ar é mais fresco e mais temperado nesta região e, nela, vive tanta
gente que o seu número é maior do que aquele que vivem fora dela”.
O problema de determinar a longitude – de crucial
importância nas viagens para o ocidente – há muito tempo intrigava Vespúcio e,
para resolver esse problema, levou consigo tabelas astronômicas da Lua e dos
planetas. Durante 20 dias de descanso, enquanto sua tripulação se refazia de um
combate com os índios, voltou ao assunto:
“Quanto à latitude, confesso que encontrei tanta
dificuldade em determiná-la que tive muito trabalho para avaliar a distância
leste-oeste que percorrera. O resultado final foi que não achei nada melhor que
fazer do que vigiar e observar à noite a conjunção da Lua com os outros
planetas, porque a Lua é mais veloz do que qualquer outro planeta. Depois de
ter feito experiências durante muitas noites, numa delas houve uma conjunção da
Lua com Marte, o que, segundo o almanaque, deveria ocorrer à meia-noite ou
meia-hora antes. Verifiquei que quando a Lua nasceu hora e meia depois do pôr
do Sol, o planeta passara essa posição no Oriente”.
Servindo-se desses dados, ele calculou até que
distância chegara a ocidente. O seu método poderia dar resultados mais precisos
do que o cálculo “a olho nu” usado por Colombo, mas por falta de instrumentos
de precisão ainda não era prático. Mesmo assim, melhorou o número vigente e
obteve um cálculo da circunferência equatorial da Terra que foi o mais exato
dos obtidos até essa altura – apenas 80 km aquém da dimensão correta.
Quando Vespúcio iniciou a viagem seguinte, não navegou
mais sob a bandeira da Espanha e sim pelo rei D. Manoel I de Portugal. Essa
mudança mostra a notável colaboração que existia entre essas duas grandes
potências marítimas. Durante mais de um quarto de século depois da 1ª viagem de
Colombo, Espanha e Portugal se mantiveram em paz e foram até colaboradores em
seus esforços para descobrirem o novo mundo no oceano ocidental.
Os casamentos de herdeiros e soberanos de Portugal com
os de Castela e Aragão não foram tudo, pois antigos competidores se tornaram
companheiro de demanda. Estabeleceram regras para compartilharem um mundo de
dimensões desconhecidas, recursos inesgotáveis, dividindo entre si todo o mundo
não cristão. O que tornou esse acordo possível foi a aceitação de uma
autoridade exterior – o Papa – que, sem exércitos, exercia enorme poder espiritual.
O respeito pela autoridade papal era tanto que, quando
Colombo fez a sua 1ª viagem, o trono de São Pedro estava ocupado por um Bórgia
– Alexandre VI – que, enquanto era cardeal, tivera muitas amantes e numerosos
filhos. Nascido em Aragão, assegurara sua eleição ao papado por meio de suborno
e da intervenção dos reis católicos Fernando e Isabel.
A comunidade cristã europeia reconhecia o direito do
Papa de conceder a soberania sobre quaisquer terras ainda não reivindicadas por
um soberano cristão e, antes mesmo de Colombo, os reis de Portugal já tinham
reconhecido esse poder pontifício ao solicitarem bulas papais para confirmarem
os seus direitos a toda a costa africana. Depois as viagens de Colombo e as
surpreendentes ilhas “das Índias” tinham suscitado novas possibilidades, as
quais os reis da Espanha se aperceberam rapidamente.
Em abril de 1493, um mês depois de Colombo regressar
de sua viagem, escreveu uma carta contando seu feito e parte dela foi incluída
em uma bula papal a respeito dessas novas terras: _ “de todos os pontífices
que jamais reinaram, Maquiavel confirmara este Alexandre VI como o que melhor
mostrou como um Papa podia impor-se tanto pelo dinheiro como pela força”.
Ao mesmo tempo em que se conluiava com os inimigos da
Espanha, o Papa dava-lhe todas as terras descobertas nas “Índias”
recém-exploradas. Nessas bulas ele traçou a famosa linha de demarcação que
partia do Polo Norte para o Polo Sul “cem léguas na direção do ocidente e sul
de quaisquer das ilhas geralmente conhecidas por Açores e Cabo Verde”. Sendo
assim, todas as terras descobertas a ocidente dessa linha e ainda não
propriedade de algum príncipe cristão, pertenceriam a Espanha.
O rei de Portugal (D. João II) não ficou de braços
cruzados enquanto o Papa entregava seu império a outro e, com a força da sua
marinha, ele negociou com Fernando e Isabel para evitar as consequências das
declarações do pontífice. Nas Tordesilhas – norte da Espanha – em julho de 1494
um tratado desviou a linha de demarcação mais para ocidente, para o meridiano a
370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. Tanto Espanha quanto Portugal
demonstraram extraordinária boa vontade nos seus esforços para respeitarem os
termos do tratado, apesar de a tecnologia daquele tempo ainda não permitir
situar precisamente o meridiano em causa.
Um resultado duradouro do acordo foi a fixação de
portugueses (e da língua portuguesa) no Brasil e o predomínio de pessoas (e da
língua espanhola) noutros lugares da América do Sul. Esta complacência das
principais potências que competiam pelo império da navegação só duraria
enquanto a Espanha e Portugal – obedientes à soberania Papal – foram
dominantes.
Depois da reforma protestante tais acordos pacíficos
se tornaram difíceis e, quando os ingleses, holandeses e outros se juntaram à
filosofia de “liberdade para todos”, as descobertas passaram a definirem-se
apenas pelas forças concorrentes de exércitos e marinhas.
A primeira viagem de Américo Vespúcio sob a bandeira
espanhola dera-lhe a ideia de que, a fim de alcançar a passagem para as Índias,
teria de seguir a linha da costa para leste e depois para sul através de áreas
que se encontravam sob a alçada dos Portugueses. Por isso, não surpreendeu que
na viagem seguinte às Índias, Vespúcio navegasse não sob a bandeira espanhola,
mas pela de Portugal.
Outras considerações podem ter levado a esta troca de
bandeiras. Como os reis espanhóis ainda não sabiam que a ponta oriental da
América do Sul se encontrava realmente do lado português da linha acordada,
talvez tenham sido excluídos deliberadamente Vespúcio da sua força
expedicionária, por preferirem ver esse império explorado pelos seus próprios
cidadãos.
Em maio de 1501 – quase 10 anos após a 1ª travessia de
Colombo – Vespúcio, comandando 3 caravelas, partiu de Lisboa no início de uma
importante viagem de 16 meses que colheria a semente feita por Colombo.
Vespúcio seguira a costa sul-americana ao longo de 800 léguas “sempre na
direção sudoeste-oeste”, que o levou até a Patagônia apenas uns 650 km a norte
da ponta sul da Terra do Fogo.
Os habitantes da região eram numerosos, mas a infinita
variedade de árvores, os frutos, as flores de doce fragrância e a diversidade
de aves de plumas vistosas estimulavam fantasias do Paraíso Terrestre.
Observando a quantidade e variedade de animais presentes nessa região, Vespúcio
chegou à conclusão herética de que “tantas espécies não podiam ter entrado
na arca de Noé”. Com a curiosidade estudada de um florentino da Renascença
descreveu os rostos dos nativos, seus costumes, suas práticas de parto, sua
religião, dieta e arquitetura doméstica. Ele descreveu como essa gente
utilizava apenas arcos, flechas, dardos e pedras nos seus disparos.
Apesar de todas essas novidades do Novo Mundo, o
desejo de uma passagem para a Índia pelo ocidente ainda prevalecia. O
continente encontrado de forma inesperada continuava a parecer menos uma fonte
de novas esperanças do que um obstáculo à concretização das antigas. Vespúcio
parecia menos interessado em explorar aquela parte do Mundo do que encontrar
através dela passagem para a riqueza comprovada das verdadeiras Índias
asiáticas.
Passado um mês de seu regresso à Lisboa mudou de novo
de bandeira e voltou à Sevilha. Suas viagens e seu trabalho de revisão do mapa
do Atlântico tinham-no persuadido de que o estreito de Catígara (de Ptolomeu)
não seria encontrado naquele continente. Percorrera toda a costa ocidental que
pertencia a Portugal sem achar uma abertura e, por isso mesmo, sabia que se
existisse passagem para a Índia teria de ser mais para ocidente, do lado
espanhol da linha demarcada.
Os soberanos espanhóis receberam Vespúcio e
confiaram-lhe a tarefa de preparar caravelas para navegarem para ocidente e
para o norte do equador, a fim de descobrirem o estreito não encontrado por
Colombo. A eminência de Vespúcio foi testada quando D. Joana (sucessora de
Isabel) o nomeou para o cargo de “piloto-mor” da Espanha. Competia-lhe fundar
uma escola de pilotos e foi-lhe concedida autoridade para examinar todos os
pilotos dos reinos espanhóis.
Ao regressarem, os pilotos tinham ordens para lhe
comunicar tudo o quanto descobrissem a fim de os manterem atualizados. Contra a
resistência dos pilotos iletrados, Vespúcio tentou popularizar seu método de
determinar a longitude. Fez plano para outra viagem em navios revestidos de
chumbo - para proteger os cascos – e rumar para ocidente a fim de encontrar as
terras que os Portugueses encontraram navegando para oriente. Mas, sofrendo de
malária contraída na última viagem, Vespúcio acabou morrendo em 1512.
Não é de admirar que a novidade do Novo Mundo não
tenha avassalado a Europa. Os livreiros e autores de mapas tinham interesse na
suposta exatidão dos volumes das suas prateleiras e nas xilogravuras que tinham
sido feitas. Os mapas e globos mais respeitáveis não tinham deixado nenhum
espaço para um quarto continente. O vocabulário das bulas papais e as formas
administrativas de departamentos governamentais encorajavam as pessoas a
permanecer em sulcos linguísticos. Já que Colombo “descobrira” aquelas terras
nas “Índias”, parecia prudente continuar pensando desse modo.
O Governo Espanhol continuou convocando seu Conselho
das Índias e batizou os nativos do Novo Mundo como “índios” e, as histórias do
Novo Mundo se multiplicaram em espanhol, como “histórias das Índias”. Mesmo verificando-se
que o Novo Mundo não fazia parte do continente asiático, não deixava de ser
mais seguro pensar nele como um posto avançado da Ásia.
Mas, algumas pessoas, instigadas pelas viagens de
Vespúcio, encontraram prazer na ideia da existência de uma parte inesperada da
Terra. O batismo do seu Novo Mundo não foi feito por soberanos, mas sim
casualmente num lugar que o próprio Vespúcio nunca visitara e jamais ouvira
falar. Embora tenha sido acusado dessa presunção, Vespúcio jamais deu ao
continente o seu nome e foi Alexandre Von Humbolt (1796/1859) – naturalista
alemão – quem o fez.
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