Quais as Três Características de Uma Negociação? Que Elementos Estão Presentes Nas Negociações e Compreendem a Parte Menos Racional da Busca do Acordo? Quais São os Principais Pontos da Assimetria de Informações?
Cada negociação é peculiar e única. Mesmo aquela que se repete incontáveis vezes tem suas próprias marcas, que a diferenciam das demais negociações. Entretanto, existem três (3) características infalíveis que toda negociação apresenta em menor ou maior grau:
1ª) Assimetria de Informações
A assimetria de informações é, provavelmente, a característica mais esquecida e ignorada das negociações, mas nem por isso ela é menos importante. Toda e qualquer negociação tem, inevitavelmente, assimetria de informações. E, mesmo que haja transparência entre as partes, ou mesmo que as partes proponham a abertura irrestrita de informações, a assimetria estará sempre lá; ou seja, implacável.
Um dos lados sempre tem informações que o outro não tem. Aliás, é comum que os negociadores não abram a totalidade das informações justamente como forma de se protegerem e de melhorarem suas condições de acordo. Mesmo as informações de que ambos dispõem tendem a ser interpretadas de forma diferente.
Em uma negociação bilateral, ambos podem, por exemplo, ter lido o jornal pela manhã, mas cada um tirou suas próprias conclusões sobre como vai comportar-se o câmbio daqui para a frente. A assimetria de informações possui alguns pontos particularmente interessantes. Como regra geral, nenhum dos envolvidos sabe ao certo responder às questões a seguir, mas, provavelmente, tem a ilusão de que sabe.
Quais as alternativas do outro lado? Seu oponente tem boas opções caso não feche acordo com você?
Em que medida o outro lado está predisposto a fechar ou não o acordo?
Qual o prazo do outro lado?
Qual é sua imagem pessoal e institucional perante o oponente – de competitividade, honestidade, sinceridade, competência?
Relevância das informações
Cada uma das questões citadas parece ser crucial, mas não é. Por exemplo, se acreditamos que o oponente tem muitas opções caso não feche negócio conosco, tendemos a fazer muito mais concessões do que faríamos em condições normais, devido ao receio de que ele encerre a negociação conosco e passe a buscar outra forma (talvez um concorrente nosso) de satisfazer sua necessidade.
Porém, na realidade, ele pode não ter tantas opções e, possivelmente, ficaria contente com bem menos do que estamos a oferecer-lhe. Por outro lado, por vezes julgamos que nosso oponente tem pouca ou nenhuma alternativa e, consequentemente, cedemos muito pouco, fazendo com que ele abandone a negociação, embora ainda estivéssemos dispostos a ceder um pouco mais para mantê-lo conosco.
EXEMPLO: Suponha uma situação corriqueira: você trabalha em uma empresa, e um cliente importante liga e pedindo:
- “Preciso de um orçamento para amanhã”.
Produzir tal orçamento é um processo extremamente trabalhoso, e você não iria querer desviar-se de outras responsabilidades em troca de nada. No entanto, o fato é que você não sabe se ele, realmente, precisa daquilo para amanhã ou se é mera figura de retórica.
Se você atender o que ele pede, fatalmente, terá de deixar para trás outras coisas que iria fazer nesse curto período (possivelmente, sem nenhum benefício em troca desse esforço extra). Por outro lado, se você não atender, poderá perder aquele cliente importante. Como proceder?
A primeira medida racional seria reduzir a assimetria de informações. Mas como? A maioria das pessoas pensaria em perguntar ao cliente:
- “Mas você precisa mesmo para amanhã?”
E a resposta, em 100% dos casos, será:
- “Sim, sem dúvida!”
O problema é que se sabe a priori que, em alguns casos, isso é verdade, em outros (provavelmente, na maioria deles), não. O grande problema é que perguntas óbvias não ajudam a estreitar a assimetria de informações. A chave para reduzir a assimetria de informações está em fazer boas perguntas. Uma boa pergunta para o exemplo citado seria:
- “Estou muito atarefado nestes próximos dias. Se eu lhe entregar esse orçamento daqui a 15 dias, fica muito ruim para você?”
Note bem, você não disse faço e não disse não posso fazer. Em vez disso, plantou uma dúvida que será esclarecida a seu favor. A resposta, em grande parte dos casos, será algo como:
- “Quinze dias? É demais! Não dá pelo menos para a semana que vem?”
Observe que essa resposta já deu o tom: se o cliente diz que precisa para a semana que vem, possivelmente ele não precisa nem para daqui a 15 dias. No entanto, se você perguntar tem mesmo que ser para amanhã?, ele, fatalmente, responderá: “sim”.
Em síntese, o ideal é fazer perguntas que não possam ser respondidas com um simples sim ou não; ou seja, perguntas abertas. Por exemplo, para checar as possíveis alternativas, uma boa pergunta é:
- “No momento, estamos trabalhando praticamente no limite. Se, desta vez, não pudermos atender integralmente seu pedido, iremos causar-lhe algum prejuízo?”
Note que, uma vez mais, você não disse nem sim nem não, e, novamente, plantou a dúvida. Se a resposta for algo como Ah, tudo bem, pode-se apostar que o cliente está apenas sondando e talvez até já tenha decidido, a priori, fechar negócio com um concorrente seu. Entretanto, se a resposta for um Ah, tente dar um jeito, nem que seja para fazer horas extras, ele já estará sinalizando que não só está bastante interessado como, possivelmente, não tem boas alternativas.
Como reduzir a assimetria de informações
Visto que a assimetria de informações reduz o potencial de ganhos para todos os envolvidos, é evidente que investir em sua redução pode ser uma ação de alto retorno. Por exemplo, se alguém nos pede uma proposta relativa a determinado serviço para amanhã, não há como ter certeza de que a pessoa quer fechar negócio conosco ou se deseja apenas obter informações para pensar a respeito, ou, ainda pior, se já decidiu fazer negócio com um terceiro e solicita a proposta apenas para justificar sua escolha perante o chefe.
Ter uma ideia sobre a real intenção do cliente é de grande valia, uma vez que, no primeiro caso, todo esforço em atendê-lo pode ser compensador, ao passo que, no último, talvez o melhor a fazer seja apenas uma resposta protocolar, sem um grande investimento de tempo e recursos na preparação de tal proposta. Além disso, a questão do prazo de um dia é um complicador adicional na decisão de alocar ou não esforços para atender o que está sendo pedido.
Para reduzir a assimetria de informações, nossa tendência é fazer perguntas diretas que, de fato, pouco contribuem para esclarecer nossas dúvidas. A chave para reduzir essa assimetria está em criar condições que não possam ser, facilmente, respondidas com um mero sim ou não. Cada vez que fazemos uma pergunta que não pode ser respondida com sim ou não, tendemos a obter informações relevantes para reduzir a assimetria de informações.
OBSERVAÇÃO: Perguntas bem-formuladas são de extrema importância em uma negociação. Infelizmente, porém, elas não ajudam muito quando se trata da incerteza quanto ao que o outro lado pensa de nós (nos níveis pessoal e institucional). Essa é uma incerteza com a qual precisamos aprender a conviver.
Uma ação complementar para reduzir a assimetria de informações é fazer pesquisas (via internet, por meio de amigos, pessoas que já tenham convivido com seu oponente, etc.) e coletar tudo o que puder sobre o outro lado.
Por exemplo, saber que uma empresa que não é sua cliente acabou de pegar um grande contrato pode ser um indício de potencial interesse real em um eventual contato pedindo propostas.
2ª) Fatores Intervenientes
Mesmo a mais tranquila e transparente das negociações sempre é influenciada (ainda que de forma discreta) pelos fatores intervenientes. Os fatores intervenientes são três (3) elementos que estão presentes em todas as negociações e que compreendem a parte menos racional da busca do acordo:
A) Percepções: Percepções são as lentes por meio das quais cada um de nós vê o mundo, os outros e a si próprio. Quando falamos em lentes, a primeira ideia que nos vem à cabeça é algo que amplia. No entanto, as lentes distorcem a imagem (às vezes ampliam, às vezes reduzem, às vezes alteram o foco, mas sempre distorcem).
É nesse sentido que se diz que as percepções são como lentes, pois elas, em menor ou maior grau, distorcem a realidade. Isso acontece por razões culturais, experiências pessoais, questões momentâneas, etc. O mundo que vemos não é, necessariamente, igual ao mundo em que estamos. E o fato é que não agimos de acordo com os fatos, mas de acordo com nossas percepções.
B) Emoções: O ser humano é movido a emoções. Sentimos raiva, ficamos alegres, simpatizamos e antipatizamos, sentimo-nos ofendidos ou recompensados, sentimos medo e insegurança. Geralmente, uma palavra mal interpretada causa mágoas profundas.
Por exemplo, um comentário sobre a responsabilidade do usuário de drogas pela violência urbana pode fazer com que alguém que tenha um filho usuário sinta-se ofendido com a indireta pessoalmente (mesmo que nem passe por nossa cabeça que ela tenha um filho dependente de drogas). É comum as pessoas interpretarem comentários inocentes e soltos como se fossem ofensas pessoais, criando um clima pesado, o que, por vezes, chega a impedir a continuidade das conversações.
C) Comunicação: O ser humano pode-se comunicar das seguintes maneiras:
por meio do que fala (que é o que menos importa);
pelo modo como fala (expressão corporal, tom de voz, etc.);
por meio do que faz (que é o que mais comunica).
Além disso, a comunicação é afetada por vários outros fatores, tais como:
contexto cultural (as expressões nem sempre têm o mesmo sentido em diferentes meios);
idioma (palavras iguais podem ter sentidos e ênfases diferentes).
É comum, por exemplo, ocidentais acharem que os orientais estão gostando e concordando com o que ouvem, visto estarem sorrindo, sem levar em conta que tal atitude, para um oriental, significa meramente ser educado, sem nenhuma ligação com estar ou não de acordo com aquilo que ouve.
Comportamento emotivo
Às vezes, fazemos análises e tomamos decisões não racionais, especialmente nos momentos em que nos encontramos mais sensíveis. Devido à pressão para encontrar, rapidamente, a solução para o problema que está na pauta de negociação, tendemos a adotar comportamentos emotivos, tais como agressividade imotivada, atitudes defensivas e crises de choro.
O problema é que o comportamento emotivo tende a ser mal recebido pelo outro lado, provocando reações como retração, nova agressividade e desprezo pela pessoa. Não há como desligar emoções: somos humanos e não há como ignorar isso. O ideal, portanto, é aceitar que as emoções são parte do processo e evitar que saiam do controle para que não percamos a objetividade daquilo que estávamos negociando.
Falhas na comunicação
Involuntariamente ou não, as comunicações entre pessoas tendem a ser truncadas e incompletas, gerando mal-entendidos. Um dos principais motivos de problemas em negociações repousa em pressupostos que não chegaram a ser discutidos adequadamente.
Cada um dos envolvidos toma como verdade algo que, sob seu ponto de vista, foi dito e combinado, e, quando o outro age diferentemente, imaginamos que tenha havido uma quebra do compromisso. Na realidade, cada um interpretou seu papel de uma forma, e – ao contrário do que possa parecer à primeira vista – ambos agiram de forma ética e correta.
EXEMPLO: Duas empresas estão discutindo um contrato de manutenção de máquinas. Pequenos detalhes (como será tratado o caso de avaria por imperícia, por exemplo) podem gerar enormes confusões depois de fechado o contrato, que não explicita nada a respeito.
Ao reclamar sobre um defeito causado em uma pequena falha de operação, a contratante, certamente, entenderá que isso é decorrente de uso normal, uma vez que erros acontecem. A contratada, no entanto, provavelmente, não se sentirá obrigada a arcar com o conserto, por considerar que o defeito não decorre do uso normal.
3ª) Fatores Geradores de Estresse
Não existe negociação sem desgaste de todos os envolvidos. Às vezes, o estresse originado na negociação é muito agudo e, outras vezes, mais discreto. Contudo, ele sempre estará, inevitavelmente, presente. Em qualquer que seja a negociação, desde uma simples conversa com os filhos até uma discussão de um contrato de vários milhões, há três (3) fatores que atuam como geradores de estresse.
A) Incerteza: O primeiro fator gerador de estresse é a incerteza, que é consequência direta de nossa imprevisibilidade enquanto seres humanos. Mesmo no caso de pessoas com quem convivemos por longos anos, nunca sabemos ao certo qual será seu próximo passo. Para melhor ilustrarmos o conceito de incerteza, podemos utilizar o exemplo de uma pessoa que reagiu de forma bem-humorada a uma brincadeira feita ontem e que, no dia de hoje pode mostrar-se ofendida com a mesma brincadeira, sem que consigamos sequer ter ideia do motivo de tal mudança de comportamento. De fato, pessoas são imprevisíveis por natureza. E, quando dizemos pessoas, incluímos cada um de nós
B) Cobrança Externa: O segundo fator é a cobrança externa, que ocorre quando pautamos nossas decisões frente à perspectiva de que teremos de explicar nossas atitudes aos outros. Entretanto, raramente somos chamados a dar explicações, mesmo que informalmente.
Devemos satisfação por nossos atos (formal ou informalmente), seja a nossos superiores, nossos subordinados, nossos amigos, nossos vizinhos, nossas famílias, etc. Muitas vezes, estamos propensos a aceitar um acordo, mas desistimos do negócio quando pensamos em como isso precisará ser justificado para nossa equipe.
Outras vezes, não queremos aceitar algo, mas acabamos cedendo porque não queremos criar constrangimentos ao nos justificarmos perante terceiros. Em geral, prevemos que a cobrança externa será desagradável e, por conta disso, por vezes desistimos do negócio ou do acordo. Ou, ao contrário, aceitamos algo que nos causará enorme constrangimento simplesmente prevendo a cobrança externa no caso de não chegarmos ao acordo.
O mais interessante é que a cobrança externa, na maioria dos casos, não se materializa. Pense, por exemplo, em quantas vezes você fez ou deixou de fazer algo por seus pais imaginando o quanto eles ficariam magoados se você agisse assim, mas, logo em seguida, percebeu que isso não teria feito a menor diferença para eles.
C) Autocobrança: O terceiro fator é autocobrança, que equivale àquilo que temos como expectativa de resultado na negociação. A maioria de nós estabelece para cada negociação suas próprias metas e seus próprios parâmetros de sucesso. Porém, por vezes, aquilo que estabelecemos como expectativa encontra-se fora das possibilidades.
Durante a busca do acordo, a autocobrança, muitas vezes, faz com que não nos contentemos com o resultado obtido porque, simplesmente, não estamos satisfeitos com tal resultado, apesar de ele ser até bom.
Consequentemente, acabamos por recusar acordos que, em tese, deveriam ser aceitos. A autocobrança está intimamente ligada a processos de autoestima e autoimagem, e, frequentemente, sobrepõe-se até mesmo aos aspectos mais objetivos da negociação.
Quando se recusa um acordo com evidente prejuízo para si próprio, o negociador racionaliza sua atitude, usando para si mesmo uma pseudo-justificativa, como: Posso até ter saído perdendo, mas o comprador perdeu ainda mais do que eu. Esse argumento não resiste à mais elementar análise. Afinal, o sucesso se mede pelo resultado obtido, não pelo tamanho proporcional das perdas.
EXEMPLO: É comum, por exemplo, o proprietário de um automóvel usado, ao tentar vendê-lo, recusar-se a aceitar menos do que o chamado valor de tabela. Acontece que o valor de tabela é a média dos negócios realizados anteriormente, o que inclui veículos vendidos com garantia por concessionária (evidentemente, por um preço maior que nos negócios com particulares). Mesmo sendo isso um contrassenso, o dono pode passar meses tentando vender o carro, até que, finalmente, acaba aceitando um valor muito menor do que havia recusado anteriormente.
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