Por Que Haviam Boatos Sobre o Assassinato de D. João VI? Em Que a Nova Constituição de Portugal – Promulgada Por D. Pedro – Era Parecida Com a Brasileira? Por Que a Inglaterra Era a Principal Negociadora do Reconhecimento do Brasil Independente?
D. João VI
morreu misteriosamente em 10 de março de 1826, dois (2) meses antes de
completar 59 anos. Sua agonia começou com uma crise de fígado que o fez vomitar
bílis e, na manhã seguinte, pediu que o levassem a dar um passeio de carruagem
pelo rio Tejo.
No dia quatro
parecia recuperado, pois almoçou com o apetite de sempre. Mas, depois de
ingerir as frutas teve nova crise devastadora sem volta. A hipótese de
envenenamento ganhou fôlego recentemente em análises dos restos mortais de D.
João. O estudo indicou elevada concentração de arsênico nas vísceras, em
quantidade suficiente para mata-lo em poucas horas.
A pergunta é:
_ quem teria matado o rei de Portugal? Em 1826 os dois maiores interessados
seriam a rainha Carlota Joaquina (que contra ele ensaiara inúmeras conspirações
fracassadas) e o filho mais novo do casal – D. Miguel, o 2º na linha sucessória
e que já tentara um golpe malsucedido.
A notícia do
falecimento do rei produziu uma onda de choque que atravessou o Atlântico e
causou furor no Rio de Janeiro. Em princípio, com a Independência, todos os
vínculos entre Brasil e Portugal haviam se rompido e D. Pedro havia reafirmado
isso às margens do rio.
Ao tomar
conhecimento da morte do pai, D. Pedro recebeu os papéis timbrados com a notícia
de que era o legítimo herdeiro do trono português. Bastava dizer sim para usar
duas coroas. Obviamente não era uma decisão tão simples e, ao contrário, talvez
em nenhum outro momento D. Pedro tivesse se confrontado com um dilema tão
complicado. Caso decidisse acumular as duas coroas e voltasse para Lisboa,
anularia a independência do Brasil – cuja ruptura com Portugal custou muito
sangue e sofrimento.
Se ele
continuasse a governar do Rio de Janeiro, Portugal seria devolvido à condição
de colônia do Brasil, situação que de fato vigorava durante a permanência da
corte de D. João nos trópicos. Recusar a coroa portuguesa implicava em
drásticas consequências, pois havia uma guerra em andamento em Portugal – entre
liberais e absolutistas – e D. Pedro era visto como esperança pelos liberais.
Assustado com
a encruzilhada que o destino colocou em seu caminho, o imperador pediu
orientações a 8 conselheiros e, o seu fiel confessor, o Frei Antônio Arrábida,
opinou que não haveria mal em assumir as duas coroas, desde que Portugal e
Brasil fossem mantidos como reinos autônomos sob a liderança de um mesmo rei.
No entanto, os brasileiros foram contrários à proposta. “Todos os argumentos
que empregamos em defesa da nossa independência se voltariam contra Vossa
Alteza”, alertou Felisberto Caldeira Brant, o Marquês de Barbacena.
D. Pedro
acatou o parecer de Barbacena e deu a notícia na sessão inaugural da primeira
legislatura do Parlamento brasileiro, em maio de 1826. A reação foi de
entusiasmo e até os opositores mais ferrenhos (como o deputado mineiro Bernardo
Pereira de Vasconcelos) elogiaram o gesto.
D. Pedro foi
rei de Portugal com o nome de Pedro IV, entre 20 de março e 2 de maio de 1826,
data da abdicação em favor da filha Maria da Glória. Na prática, só exerceu
seus poderes por uma semana, a partir de 26 de abril, dia em que aceitou
oficialmente a coroa.
Nesses sete
dias tomou decisões de grande impacto e, a mais importante, foi dar aos
portugueses uma nova constituição. A anterior havia sido revogada em maio do
ano seguinte – insurreição contra os liberais comandadas pelo infante D.
Miguel, que dissolveu as cortes e devolveu D. João à condição de rei absoluto.
A nova
Constituição de D. Pedro era uma cópia da brasileira, outorgada pelo próprio
imperador dois anos antes. Como resultado, o Brasil e sua antiga metrópole
ficavam a partir daquele momento sob a égide da mesma lei – uma constituição
avançada e liberal para a época.
A intervenção
dele nos assuntos portugueses ocorreu em uma circunstância delicada, pois ao
morrer, D. João VI deixou um país à beira da ruptura política e debilitado pela
perda do Brasil – sua maior e mais rica colônia. Seus últimos anos de reinado
foram de muito sofrimento para o soberano e seus súditos.
Na volta à
Lisboa – em julho de 1821 – a nau em que viajava ficou incomunicável no cais
por ordem das cortes, como se trouxesse a bordo um inimigo ou uma doença
contagiosa. Parte de seus acompanhantes foi proibida de desembarcar, por serem
acusados de corrupção no Brasil ou considerados inimigos do novo regime em
Lisboa.
Restituído
aos seus poderes nem por isso D. João teve paz e, ao contrário, o inimigo agora
estava dentro de casa. Carlota Joaquina – que havia sido banida da corte em
1822 por se recusar a jurar a nova constituição liberal – recuperou seus
privilégios e se aliou ao príncipe D. Miguel em novo golpe. Transformado em
prisioneiro do filho e da mulher, D. João foi salvo pela intervenção dos
ingleses e, destituído, D. Miguel foi despachado para o exílio na Áustria, de
onde voltaria em 1828 para usurpar o trono proclamando-se rei absoluto.
O resultado
disso foi a guerra civil portuguesa, na qual o destino da coroa foi decidido em
batalha tendo de um lado D. Miguel e, de outro, seu irmão D. Pedro, pai da
legítima sucessora – a futura rainha D. Maria II (Maria da Glória).
Todos esses
acontecimentos colocaram D. Pedro no centro da ciranda política de Portugal e,
ao contrário do que havia prometido aos brasileiros, ele jamais poderia dela se
livrar. A outorga da nova constituição o transformou em avalista do processo
político português, cabendo a ele assegurar que os direitos da filha seriam
respeitados até que ela atingisse a maioridade e assumisse o trono.
Ao mesmo
tempo, isso o enfraquecia cada vez mais no Brasil. As desconfianças em relação
a D. Pedro eram tantas que alguns o acusavam de manter no Rio de Janeiro um
gabinete secreto, liderado pelo “Chalaça” e integrado pelos amigos portugueses.
O
envolvimento nos assuntos de Portugal fez de D. Pedro um soberano equilibrista
com um pé em cada lado do Atlântico. Era uma situação dúbia, a qual persistia
desde 1822. Na prática, ele passou parte do Primeiro Reinado governando dois
países ao mesmo tempo. O Brasil, na condição de imperador e, Portugal, como pai
da rainha menina. Um exemplo desse malabarismo havia sido o demorado processo
de reconhecimento da Independência brasileira.
Os dois
primeiros monarcas a aprovar o Brasil independente foram o Benin e Lagos, dois
reinados situados na costa africana por uma razão óbvia: eram, juntos com
Luanda (em Angola) os maiores exportadores de escravos para lavouras e cidades
brasileiras.
Em seguida
veio o reconhecimento dos Estados Unidos (maio de 1824), também por uma forte
motivação política e econômica. Meio século depois de se tornarem independente
da Inglaterra, os americanos já começavam a emergir como a nova potência
continental. O Brasil estava incluído na esfera de influência da nova potência.
No caso de
Portugal, o reconhecimento só veio em 1825, depois de uma longa negociação,
pois ao proclamar sua independência, o Brasil desfez a rede de negócios, cargos
e laços familiares que durante 300 anos prevaleceu entre colônia e metrópole.
Havia
sutilezas diplomáticas que precisavam ser consideradas, pois manter a linhagem
real portuguesa no Brasil facilitou o reconhecimento por parte das potências
europeias, reunidas sob a bandeira que defendia o direito ancestral dos reis de
governar os povos por herança e delegação divina.
A solução
encontrada foi pitoresca, pois pelo tratado negociado em Lisboa e no Rio de Janeiro,
o rei D. João VI reconhece “o Brasil na categoria de império independente e
separado do reino de Portugal e Algarve, e a seu prezado filho D. Pedro por
imperador, cedendo e transferindo a soberania do dito império ao mesmo seu
filho e a seus legítimos sucessores”.
Ou seja, D.
João reconhecia o império do Brasil, assumia ele próprio o título de imperador
para, em seguida, transferi-lo de boa vontade ao filho. Na prática, a
Independência deixava de ser uma conquista dos brasileiros para se converter numa
concessão do rei de Portugal.
Pelo artigo
3º do tratado, D. Pedro se comprometia a recusar qualquer proposta de anexação
de outras colônias portuguesas ao novo império brasileiro. O objetivo era
barrar o lobby dos traficantes de escravos em Salvador e Rio de
Janeiro, interessados em incorporar ao Brasil as regiões fornecedoras de mão de
obra cativa na África.
A Inglaterra
– principal negociadora do reconhecimento do Brasil independente – se valeu de
seu poder econômico e político para tirar vantagem da nova situação e, em 1825,
o Brasil já era o 3º mercado mais importante dos produtos ingleses, graças ao
tratado assinado por D. João em 1810 que concedia à Inglaterra tarifas de
importação inferiores às de seus concorrentes.
O tratado
venceria em julho de 1825 e o esforço dos ingleses se concentrou em convencer
D. Pedro a renová-lo em troca do reconhecimento da Independência. Foi, de fato,
o que aconteceu.
A troca de
cartas entre D. Pedro I e D. João VI revela que tanto o pai quanto o filho
mantiveram uma atitude cordial até o fim das negociações e conheciam os riscos
envolvidos. Com a assinatura do tratado, o caminho estava aberto para que todas
as demais monarquias europeias reconhecessem o Brasil independente. A primeira
foi a própria Inglaterra e, depois, a Áustria, França, Suécia, Holanda e
Prússia.
Os termos da
negociação causaram revolta entre os brasileiros e contribuíram para desgastar
a imagem de D. Pedro quando se tomou conhecimento de uma cláusula pela qual o
Brasil pagaria aos portugueses 2 milhões de libras esterlinas a título de
indenização. Parte seria destinado a cobrir empréstimos que Portugal pediu a
Inglaterra com o objetivo de mobilizar tropas, a fim de combater a emancipação
do Brasil entre 1822 e 1823.
Propriedade e
outros bens portugueses confiscados durante os conflitos também seriam
devolvidos aos seus donos originais. Em resumo, depois de ganhar a guerra
caberia aos brasileiros ressarcir os prejuízos dos derrotados. Na verdade, D.
Pedro pagaria pelo seu duplo papel um preço bem mais alto do que a indenização
assegurada a Portugal. Seria a perda do próprio trono brasileiro, em 1831.
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