quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Os Sistema Socialistas e a Planificação da Atividade Econômica

 

O Que é Planificação Global? Quem São os Fundadores do Socialismo Científico? O Que Significou a Desestalinização dos Sistema Comunista Soviético? O Que Fez o Comitê Revolucionário Após a Revolução de 1917? O Que Significou a Grande Revolução Cultural Chinesa?

 


Nesse texto examinaremos a dinâmica da planificação global das atividades econômicas e, inicialmente, analisaremos as relações desse sistema com as doutrinas socialistas, desenvolvidas no século XIX. Em seguida, estudaremos a evolução do centralismo econômico na ex-URSS e em duas outras economias que adotaram o modelo coletivista no pós-guerra – a antiga Iugoslávia e a China Continental – a fim de obtermos uma visão histórica de 3 modelos de Socialismo e das recentes mudanças a que têm sido submetidos.

A planificação global se desenvolveu efetivamente no século XX a partir de 1917, quando os revolucionários se defrontaram com os problemas relacionados à construção de uma nova ordem econômica na Rússia, inspirada nas doutrinas socialistas do século XIX e opostas às clássicas instituições do Liberalismo. Mas, são raras as referências explícitas aos pressupostos da planificação nas obras dos primeiros pensadores socialistas e nos escritos de Marx e Engels.

 Os associativistas franceses preconizavam sistemas de cooperativas de trabalho e entre os socialistas ingleses, o mais comum era encontrar as referências a certos tipos de organização, os quais eliminariam a competição, o auto interesse e até a moeda, através da integral socialização da atividade econômica. Do outro lado, os fundadores do Socialismo Científico – Marx e Engels – se dedicavam à análise da economia capitalista e só fizeram umas poucas observações sobre a economia socialista. Por princípios, eles se recusavam a examinar o problema de forma detalhada com receio de que seus escritos recebessem o rótulo de “utopias”.

Na verdade, o que os socialistas desejavam era a eliminação da propriedade privada dos meios de produção e, o móvel predominante da atividade econômica, seria o suprimento das necessidades da coletividade e não o lucro – instituição básica do Capitalismo. A desigualdade na repartição da riqueza seria atenuada através da eliminação das rendas da propriedade e, segundo acreditavam, após desaparecido o padrão capitalistas, os operários trabalhariam livremente em vez de sob a mão dura e muitas vezes arbitrária da autoridade.

Com tais expectativas, os Socialistas não pressupunham os rigores da planificação global e, de certa forma, todos subestimavam os problemas que decorreriam da eliminação das tradicionais instituições econômicas do Liberalismo. Todavia, logo nos primeiros anos da Revolução Socialista Soviética, Lênin enfrentou problemas decorrentes da construção de uma nova ordem social e econômica e outra alternativa não teve, senão estabelecer bases de uma organização centralizada, segundo a qual a economia seria dirigida através da integral planificação de todas as tarefas relacionadas à solução das questões econômicas fundamentais.

Dessa forma, surgiram os primeiros estudos sobre a planificação global e, conforme seus autores, uma vez eliminada a propriedade privada dos meios de produção, caberia ao Estado a tarefa de dirigir centralmente as unidades produtoras. Os organismos de planificação estabeleceriam planos globais e cuidariam do controle da sua execução. Os problemas relativos aos investimentos, à distribuição regional dos recursos, à fixação dos objetivos a alcançar, aos sistemas de repartição da renda social, ao estabelecimento da estrutura econômica e ao ritmo da atividade seriam da alçada das agências de planificação. E, uma vez socializada a atividade e evitadas as relações concorrenciais entre as unidades de produção, a fixação dos preços constituiria também tarefa de responsabilidade dos organismos estatais.

Esse quadro da planificação socialista teria sido efetivamente adotado pela União Soviética após a Revolução de 1917? Teriam sido mantidas suas características ao longo dos 75 anos de experiência socialista? Em que bases se implantaram os sistemas centralistas dos países do Leste Europeu e da China Continental? Como evoluíram? Caminharam na direção de um centralismo cada vez mais rígido ou abrandaram o modelo planificador? Enfim, como se encontram atualmente?

 

A Experiência e o Modelo da URSS

 

O malogro militar do Governo Czarista, a crise política que se alastrou na Rússia após a 1ª Guerra e a resistência às reformas econômicas foram os principais fatores que determinaram a Revolução Socialista de 1917, que substituiu o governo provisório instalado em fevereiro daquele ano. Logo nos primeiros anos da revolução o Comitê Revolucionário procurou eliminar as instituições do Capitalismo e instalar uma nova ordem econômica, política e social, a partir da apropriação estatal dos meios de produção e da centralização do poder econômico por um Conselho Supremo. E, para termos uma ideia de como tudo isso evoluiu, vamos descrever algumas características de suas fases mais significativas.

Dois meses após a revolução, Lenine criou o Conselho Supremo de Economia Nacional – reunindo amplos poderes operacionais – que promoveu a centralização das decisões econômicas, nacionalizando e estatizando os principais setores da economia. Esse novo sistema aboliu os mecanismos indicadores do mercado e do sistema de preços. Em seu lugar, passariam a ser fixadas as bases de uma nova ordem econômica, cuja principal característica seria a planificação global de todas as atividades de produção, distribuição, consumo e investimento.



Os primeiros anos foram marcados pelo insucesso, pois a substituição da livre iniciativa por um modelo à base da planificação global teria criado barreiras institucionais, tanto que, de 1917 a 1921, a economia russa registrou sérias crises setoriais. A produção agrícola acusou forte queda e a administração das indústrias por comitês operários não se revelou satisfatória. Os preços subiam de forma vertiginosa, enquanto a produção desmoronava e a moeda desvalorizava. Os pequenos camponeses sentiam-se frustrados na esperança do acesso à propriedade individual e, por sua vez, os operários passaram a considerar que as fábricas – sob seu controle – se tornariam de sua propriedade. A carência de novos dirigentes e a destruição dos mecanismos de mercado, conduziriam ao caos econômico.

Esse insucesso levou Lenine a operar modificações na economia, através da redefinição das diretrizes estatizantes inicialmente estabelecidas. As mudanças receberam a denominação de Nova Política Econômica (NPE), cuja característica era o retorno às instituições capitalistas. O objetivo de tal recuo foi a reanimação da atividade econômica, seriamente abalada pelos processos revolucionários implantados. Com esse fim, a NPE restituiu à iniciativa privada um amplo campo de ação, admitindo procedimentos que estimulavam o interesse pessoal. Dessa forma, a liberdade do comércio foi restabelecida, permitindo-se a propriedade e a empresa privada para a agricultura, bem como para a pequena e média indústria urbanas.

  

A Era dos Planos Quinquenais

 

Com a reanimação do sistema e a disponibilização de planos concebidos para a global estatização e coletivização dos sistemas, passariam a se esvaziar – a partir de 1924 – as tentativas de descentralização e supressão do poder absoluto do Estado, lançadas por Lenine através da NPE. Naquele ano foram definitivamente reforçadas as ideias favoráveis à planificação global. Sendo assim, elaborou-se um plano de desenvolvimento para as indústrias no período de 1924-8. Em 1925 surgiu o 1º plano para a coletivização da agricultura e, em 1926, foi publicado um plano geral para as operações financeiras internas.

Onze anos após ter sido implantado o sistema socialista foi elaborado o 1º Plano Quinquenal pondo fim à NPE e, a partir disso, a economia soviética alcançava elevado grau de coletivização e centralização, passando a ser definitivamente controlada pelo “Vesenka” – órgão superior do sistema de planejamento. Esse era assessorado por ministérios que cuidavam da elaboração de planos setoriais. Em 1932 havia 3 desses ministérios, que se foram subdividindo com o passar dos anos, chegaram a 32 à época da 2ª Guerra.

Operando através dessa organização ministerial, Stálin (que assumiu o controle após a morte de Lenine) promoveu o controle global da economia, coletivizou a agricultura e construiu um sistema centralizado para direção da indústria e do comércio. O planejamento global tomaria sua forma definitiva, abrangendo o setor bancário através dos bancos estatais de investimento para a indústria, agricultura e comércio.

 

A Desestalinização dos Sistema

 

Em 1956, Kruschev (que substituiu Stálin) iniciou o processo de Desestalinização da economia: não um retorno aos tempos da NPE, mas uma maior descentralização das decisões. As mudanças apontavam o fim do sistema ministerial e havia motivos econômicos suficientes para as modificações. Cada ministério industrial mostrava tendências para se tornar um império econômico independente, não havia autoridade responsável pelo planejamento regional e a concentração da autoridade em Moscou sobre empresas espalhadas pelo País causava atrasos burocráticos no ajuste de questões cotidianas que sempre surgem.

As reformas se concretizaram em 1957 com o término do sistema ministerial e, o comitê que até então cuidava da elaboração de planos e análises prospectivas, se transformou no órgão central do sistema de planejamento. Suas atribuições foram determinadas por decreto publicado nesse último ano, cabendo-lhe o permanente estudo das necessidades econômicas, a preparação de planos de curto e longo prazos e a execução de política centralizada para desenvolvimento dos setores-chaves da economia, a distribuição regional dos recursos e a adoção de normas que assegurassem a integral disciplina estatal nas entregas da produção industrial.

Conforme a nova orientação, os meios de produção continuariam a pertencer à sociedade, mas a distribuição dos recursos e a produção das indústrias leves deixaram de ser determinadas por uma agência central de planificação. Tais mudanças foram iniciadas em 1962, quando a Universidade de Kharkov sugeriu ao Governo Central a adoção de política descentralizante e o recurso a estímulos próprios das economias liberais. Em 1964 a experiência foi iniciada e no ano seguinte foi estendida a 400 fábricas, com relação às quais os órgãos do governo retinham poderes apenas para a fixação de preços e de taxas salariais. Os dirigentes das fábricas obtiveram maior autonomia e o lucro substituiu o volume físico da produção como indicador de eficiência.

 

Os Modelos da Iugoslávia de Tito e a China de Mao

 


As várias experiências históricas do Socialismo não foram rigorosamente iguais, pois as nações que adotaram a matriz doutrinária dessa forma de organização da vida econômica, acabaram praticando diferentes modelos. Tendo como traço em comum o centralismo socialista, o modelo praticado pela ex-Iugoslávia e pela China traduzem duas experiências distintas. O iugoslavo era mais aberto e flexível e, ao contrário, o chinês era fechado e inflexível.

O modelo iugoslavo contrariou a ortodoxia marxista-leninista ao substituir o centralismo pela descentralização e a planificação por um misto de orientação central e autogestão das empresas. Já o modelo chinês alinhou-se – tanto em suas bases doutrinárias quanto em sua formação – ao centralismo coletivista. O stalinismo e o maoísmo se revelaram alinhados em seus traços, como (a) propriedade coletivizada dos meios de produção, sem concessões a quaisquer formas de liberdade de empreendimento; (b) iniciativas empresariais limitadas à ação do Estado; (c) centralização das decisões sobre a geração do PIB e sobre as estruturas de produção e apropriação de rendas; (d) economia centralmente planificada.

O modelo iugoslavo se caracterizou como sendo uma experiência diferenciada, fundamentada nos princípios da descentralização e da autogestão, direcionados no sentido de afastar o Estado da condução da atividade econômica. Não obstante, mantivesse como economia alguns dos traços característicos do modelo socialista, o modelo iugoslavo se antecipou às mudanças que as economias do Leste Europeu praticariam no final dos anos 80, abrindo espaço à contrarrevolução dos anos 90.

Dessa forma, o regime coletivista iugoslavo enfrentou uma série de confrontações contra oposições vencidas por Tito. A luta deu-se inicialmente numa forma de guerrilha organizada e bem-sucedida contra os alemães, desde sua conquista em 1944. Em seguida, assumiu a forma de guerra civil. O líder vitorioso não desejava se submeter ao sistema soviético stalinista, em relação ao qual desalinhou-se, rompendo-se em junho de 1948 e dando início a um processo de descentralização na economia de critérios típicos de sistemas de mercados.

Os Iugoslavos procuravam evitar três (3) aspectos da experiência soviética: (1º) as ineficiências e resultantes desastres na produção agrícola; (2º) as ineficiências na produção industrial; (3º) a carga de um amplo planejamento e uma administração centralizada para as quais faltava pessoal treinado. A visão iugoslava do sistema econômico socialista ideal contém três (3) ingredientes: (a) propriedade social dos meios de produção; (b) uma mistura de mercado e planejamento central com ênfase no primeiro, como processo de coordenação social e controle; (c) autogestão dos trabalhadores e controle sobre a produção. Assim, a versão iugoslava do Socialismo pode ser descrita como um misto de autogestão de trabalhadores e socialismo de mercado.

Portanto, sob este conjunto de reordenamento institucional, a ex-Iugoslávia desestimulou a planificação global e, dessa forma, o governo desencadeou um processo de “derretimento” do Estado com a intenção de construir uma economia de mercado, embora conservando a característica das economias socialistas. Ou seja, a propriedade coletiva dos meios de produção. Como assinala Hoover ([1]), “o alvo das mudanças era a construção de uma espécie de Capitalismo sem acionistas individuais   

Por outro lado, a China se tornou uma economia coletivista de planificação centralizada 4 anos após a 2ª Guerra, depois de 100 anos de colonização por parte de potências ocidentais e mais de 50 anos de instabilidade política. A conversão do sistema à ideologia socialista ocorreu com a renúncia do governo por Chiang Kai-Shek em 1949 e, com sua fuga para Taiwan, constituiu-se então a República Popular da China – liderada por Mao Tsé-Tung – onde, inicialmente, instalou-se um modelo centralizado seguindo o padrão da União Soviética foi pioneira. Os traços principais eram: (a) o Governo como proprietário dos principais meios de produção; (b) a adoção de planificação central, por meio de planos setoriais; (c) a coletivização da agricultura.

Num primeiro momento os chineses adotaram a técnica soviética de planificação integral das atividades econômicas e, como na economia russa, concedeu-se prioridade às indústrias de base e à infraestrutura econômica. A rigidez da planificação global foi empregada após a instalação da República Popular e o 1º plano revelou a disposição do governo em controlar toda a atividade econômica. Mas, terminado o período de 1º plano trienal, a China Popular partiu para a planificação quinquenal (período de 1953-57) e, após o segundo plano, inaugurou-se a era dos planos de longo alcance, para períodos não inferiores a 7 anos.

Ao longo desse período, o sistema de planificação adotado abrangeu toda a atividade econômica interna. O plano global estabelecia os objetivos da produção e a relação entre consumo global e taxa de acumulação do sistema, discriminava os investimentos previstos e estabelecia as metas que deveriam ser cumpridas pelas unidades do aparelhamento produtivo. Além disso, os chineses determinavam a repartição dos produtos e as taxas de remuneração dos fatores, fixando os preços que as unidades produtivas deveriam praticar. Para chegar a tais pormenores, a Central de Planificação recebia planos parciais de diversas unidades, revistos e consolidados. O plano minimizava a autonomia empresarial e refletia as decisões da administração central. Sua característica era a pouca flexibilidade e a rigidez com que eram fixadas as metas econômicas.

Esse processo marcou 2 períodos da evolução do coletivismo na China Popular: o período do “Grande Salto Para Frente” (1958/60) e o da “Grande Revolução Cultural” (1966/69). O primeiro procurou acelerar a industrialização do período anterior, enfatizando a produção industrial de bens de produção e a relacionada com a segurança nacional, incentivos materiais e deu ênfase à descentralização e à formação de comunas agrícolas gigantescas. O “Grande Salto Para Frente” enfatizava quatro (4) aspirações: (a) a obtenção de uma industrialização mais acelerada e o crescimento do produto a taxas superiores às conseguidas pelas técnicas de planejamento econômico adotado pela antiga URSS; (b) o desenvolvimento simultâneo da agricultura e da indústria, evitando-se o retardamento agrícola; (c) o estabelecimento de grupos de elite compostos por técnicos, gerentes, burocratas e dirigentes partidários; (d) a autonomia e a independência de qualquer controle externo.

Já a “Grande Revolução Cultural” reafirmou o papel das ideias e das motivações do povo na execução dos objetivos econômicos, transformando-se numa tentativa eliminação de símbolos de poder e de privilégios da sociedade chinesa. Seu objetivo era fazer com que cada indivíduo trabalhasse pela nação em tempo de paz, com o mesmo ardor em que em tempo de guerra, dedicando seu esforço à construção de uma sociedade igualitária. Os discípulos de Mao tentaram mudar a natureza dos indivíduos e, diante disso, o país se tornou uma grande escola de filosofia moral. A Guarda Vermelha bloqueava cisões, reprimia disputas ideológicas e encaminhava para a doutrinação os que não assumiam a consciência coletiva.



([1]) HOOVER, Calvin B. “A Economia, a Liberdade e o Estado”, Rio de Janeiro, 1964.


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