O Que é
Planificação Global? Quem São os Fundadores do Socialismo Científico? O Que
Significou a Desestalinização dos Sistema Comunista Soviético? O Que Fez o Comitê
Revolucionário Após a Revolução de 1917? O Que Significou a Grande Revolução
Cultural Chinesa?
Nesse texto examinaremos a dinâmica da planificação global das atividades econômicas e, inicialmente, analisaremos as relações desse sistema com as doutrinas socialistas, desenvolvidas no século XIX. Em seguida, estudaremos a evolução do centralismo econômico na ex-URSS e em duas outras economias que adotaram o modelo coletivista no pós-guerra – a antiga Iugoslávia e a China Continental – a fim de obtermos uma visão histórica de 3 modelos de Socialismo e das recentes mudanças a que têm sido submetidos.
A planificação global se desenvolveu
efetivamente no século XX a partir de 1917, quando os revolucionários se
defrontaram com os problemas relacionados à construção de uma nova ordem
econômica na Rússia, inspirada nas doutrinas socialistas do século XIX e opostas
às clássicas instituições do Liberalismo. Mas, são raras as referências
explícitas aos pressupostos da planificação nas obras dos primeiros pensadores
socialistas e nos escritos de Marx e Engels.
Os
associativistas franceses preconizavam sistemas de cooperativas de trabalho e
entre os socialistas ingleses, o mais comum era encontrar as referências a
certos tipos de organização, os quais eliminariam a competição, o auto
interesse e até a moeda, através da integral socialização da atividade
econômica. Do outro lado, os fundadores do Socialismo Científico – Marx e
Engels – se dedicavam à análise da economia capitalista e só fizeram umas
poucas observações sobre a economia socialista. Por princípios, eles se
recusavam a examinar o problema de forma detalhada com receio de que seus
escritos recebessem o rótulo de “utopias”.
Na verdade, o que os socialistas desejavam
era a eliminação da propriedade privada dos meios de produção e, o móvel
predominante da atividade econômica, seria o suprimento das necessidades da
coletividade e não o lucro – instituição básica do Capitalismo. A desigualdade
na repartição da riqueza seria atenuada através da eliminação das rendas da
propriedade e, segundo acreditavam, após desaparecido o padrão capitalistas, os
operários trabalhariam livremente em vez de sob a mão dura e muitas vezes
arbitrária da autoridade.
Com tais expectativas, os Socialistas não
pressupunham os rigores da planificação global e, de certa forma, todos
subestimavam os problemas que decorreriam da eliminação das tradicionais
instituições econômicas do Liberalismo. Todavia, logo nos primeiros anos da
Revolução Socialista Soviética, Lênin enfrentou problemas decorrentes da
construção de uma nova ordem social e econômica e outra alternativa não teve,
senão estabelecer bases de uma organização centralizada, segundo a qual a
economia seria dirigida através da integral planificação de todas as tarefas
relacionadas à solução das questões econômicas fundamentais.
Dessa forma, surgiram os primeiros estudos
sobre a planificação global e, conforme seus autores, uma vez eliminada a
propriedade privada dos meios de produção, caberia ao Estado a tarefa de
dirigir centralmente as unidades produtoras. Os organismos de planificação
estabeleceriam planos globais e cuidariam do controle da sua execução. Os
problemas relativos aos investimentos, à distribuição regional dos recursos, à
fixação dos objetivos a alcançar, aos sistemas de repartição da renda social,
ao estabelecimento da estrutura econômica e ao ritmo da atividade seriam da
alçada das agências de planificação. E, uma vez socializada a atividade e
evitadas as relações concorrenciais entre as unidades de produção, a fixação
dos preços constituiria também tarefa de responsabilidade dos organismos estatais.
Esse quadro da planificação socialista
teria sido efetivamente adotado pela União Soviética após a Revolução de 1917?
Teriam sido mantidas suas características ao longo dos 75 anos de experiência
socialista? Em que bases se implantaram os sistemas centralistas dos países do
Leste Europeu e da China Continental? Como evoluíram? Caminharam na direção de
um centralismo cada vez mais rígido ou abrandaram o modelo planificador? Enfim,
como se encontram atualmente?
A Experiência e o
Modelo da URSS
O malogro militar do Governo Czarista, a crise política que se alastrou na Rússia após a 1ª Guerra e a resistência às reformas econômicas foram os principais fatores que determinaram a Revolução Socialista de 1917, que substituiu o governo provisório instalado em fevereiro daquele ano. Logo nos primeiros anos da revolução o Comitê Revolucionário procurou eliminar as instituições do Capitalismo e instalar uma nova ordem econômica, política e social, a partir da apropriação estatal dos meios de produção e da centralização do poder econômico por um Conselho Supremo. E, para termos uma ideia de como tudo isso evoluiu, vamos descrever algumas características de suas fases mais significativas.
Dois meses após a revolução, Lenine criou
o Conselho Supremo de Economia Nacional – reunindo amplos poderes operacionais
– que promoveu a centralização das decisões econômicas, nacionalizando e
estatizando os principais setores da economia. Esse novo sistema aboliu os
mecanismos indicadores do mercado e do sistema de preços. Em seu lugar, passariam
a ser fixadas as bases de uma nova ordem econômica, cuja principal
característica seria a planificação global de todas as atividades de produção,
distribuição, consumo e investimento.
Os primeiros anos foram marcados pelo
insucesso, pois a substituição da livre iniciativa por um modelo à base da
planificação global teria criado barreiras institucionais, tanto que, de 1917 a
1921, a economia russa registrou sérias crises setoriais. A produção agrícola
acusou forte queda e a administração das indústrias por comitês operários não
se revelou satisfatória. Os preços subiam de forma vertiginosa, enquanto a
produção desmoronava e a moeda desvalorizava. Os pequenos camponeses sentiam-se
frustrados na esperança do acesso à propriedade individual e, por sua vez, os
operários passaram a considerar que as fábricas – sob seu controle – se
tornariam de sua propriedade. A carência de novos dirigentes e a destruição dos
mecanismos de mercado, conduziriam ao caos econômico.
Esse insucesso levou Lenine a operar
modificações na economia, através da redefinição das diretrizes estatizantes
inicialmente estabelecidas. As mudanças receberam a denominação de Nova
Política Econômica (NPE), cuja característica era o retorno às instituições
capitalistas. O objetivo de tal recuo foi a reanimação da atividade econômica,
seriamente abalada pelos processos revolucionários implantados. Com esse fim, a
NPE restituiu à iniciativa privada um amplo campo de ação, admitindo
procedimentos que estimulavam o interesse pessoal. Dessa forma, a liberdade do
comércio foi restabelecida, permitindo-se a propriedade e a empresa privada
para a agricultura, bem como para a pequena e média indústria urbanas.
A Era dos Planos
Quinquenais
Com a reanimação do sistema e a
disponibilização de planos concebidos para a global estatização e coletivização
dos sistemas, passariam a se esvaziar – a partir de 1924 – as tentativas de
descentralização e supressão do poder absoluto do Estado, lançadas por Lenine
através da NPE. Naquele ano foram definitivamente reforçadas as ideias
favoráveis à planificação global. Sendo assim, elaborou-se um plano de
desenvolvimento para as indústrias no período de 1924-8. Em 1925 surgiu o 1º
plano para a coletivização da agricultura e, em 1926, foi publicado um plano
geral para as operações financeiras internas.
Onze anos após ter sido implantado o
sistema socialista foi elaborado o 1º Plano Quinquenal pondo fim à NPE e, a
partir disso, a economia soviética alcançava elevado grau de coletivização e
centralização, passando a ser definitivamente controlada pelo “Vesenka” – órgão superior do sistema de
planejamento. Esse era assessorado por ministérios que cuidavam da elaboração
de planos setoriais. Em 1932 havia 3 desses ministérios, que se foram
subdividindo com o passar dos anos, chegaram a 32 à época da 2ª Guerra.
Operando através dessa organização
ministerial, Stálin (que assumiu o controle após a morte de Lenine) promoveu o
controle global da economia, coletivizou a agricultura e construiu um sistema
centralizado para direção da indústria e do comércio. O planejamento global
tomaria sua forma definitiva, abrangendo o setor bancário através dos bancos
estatais de investimento para a indústria, agricultura e comércio.
A Desestalinização
dos Sistema
Em 1956, Kruschev (que substituiu Stálin) iniciou o processo de Desestalinização da economia: não um retorno aos tempos da NPE, mas uma maior descentralização das decisões. As mudanças apontavam o fim do sistema ministerial e havia motivos econômicos suficientes para as modificações. Cada ministério industrial mostrava tendências para se tornar um império econômico independente, não havia autoridade responsável pelo planejamento regional e a concentração da autoridade em Moscou sobre empresas espalhadas pelo País causava atrasos burocráticos no ajuste de questões cotidianas que sempre surgem.
As reformas se concretizaram em 1957 com o
término do sistema ministerial e, o comitê que até então cuidava da elaboração
de planos e análises prospectivas, se transformou no órgão central do sistema
de planejamento. Suas atribuições foram determinadas por decreto publicado
nesse último ano, cabendo-lhe o permanente estudo das necessidades econômicas,
a preparação de planos de curto e longo prazos e a execução de política
centralizada para desenvolvimento dos setores-chaves da economia, a
distribuição regional dos recursos e a adoção de normas que assegurassem a
integral disciplina estatal nas entregas da produção industrial.
Conforme a nova orientação, os meios de
produção continuariam a pertencer à sociedade, mas a distribuição dos recursos
e a produção das indústrias leves deixaram de ser determinadas por uma agência
central de planificação. Tais mudanças foram iniciadas em 1962, quando a Universidade
de Kharkov sugeriu ao Governo Central a adoção de política descentralizante e o
recurso a estímulos próprios das economias liberais. Em 1964 a experiência foi
iniciada e no ano seguinte foi estendida a 400 fábricas, com relação às quais
os órgãos do governo retinham poderes apenas para a fixação de preços e de
taxas salariais. Os dirigentes das fábricas obtiveram maior autonomia e o lucro
substituiu o volume físico da produção como indicador de eficiência.
Os Modelos da
Iugoslávia de Tito e a China de Mao
As várias experiências históricas do Socialismo não foram rigorosamente iguais, pois as nações que adotaram a matriz doutrinária dessa forma de organização da vida econômica, acabaram praticando diferentes modelos. Tendo como traço em comum o centralismo socialista, o modelo praticado pela ex-Iugoslávia e pela China traduzem duas experiências distintas. O iugoslavo era mais aberto e flexível e, ao contrário, o chinês era fechado e inflexível.
O modelo iugoslavo contrariou a ortodoxia
marxista-leninista ao substituir o centralismo pela descentralização e a
planificação por um misto de orientação central e autogestão das empresas. Já o
modelo chinês alinhou-se – tanto em suas bases doutrinárias quanto em sua
formação – ao centralismo coletivista. O stalinismo e o maoísmo se revelaram
alinhados em seus traços, como (a) propriedade coletivizada dos meios de
produção, sem concessões a quaisquer formas de liberdade de empreendimento; (b)
iniciativas empresariais limitadas à ação do Estado; (c) centralização das
decisões sobre a geração do PIB e sobre as estruturas de produção e apropriação
de rendas; (d) economia centralmente planificada.
O modelo iugoslavo se caracterizou como
sendo uma experiência diferenciada, fundamentada nos princípios da descentralização
e da autogestão, direcionados no sentido de afastar o Estado da condução da
atividade econômica. Não obstante, mantivesse como economia alguns dos traços
característicos do modelo socialista, o modelo iugoslavo se antecipou às
mudanças que as economias do Leste Europeu praticariam no final dos anos 80,
abrindo espaço à contrarrevolução dos anos 90.
Dessa forma, o regime coletivista
iugoslavo enfrentou uma série de confrontações contra oposições vencidas por
Tito. A luta deu-se inicialmente numa forma de guerrilha organizada e
bem-sucedida contra os alemães, desde sua conquista em 1944. Em seguida,
assumiu a forma de guerra civil. O líder vitorioso não desejava se submeter ao
sistema soviético stalinista, em relação ao qual desalinhou-se, rompendo-se em
junho de 1948 e dando início a um processo de descentralização na economia de
critérios típicos de sistemas de mercados.
Os Iugoslavos procuravam evitar três (3)
aspectos da experiência soviética: (1º) as ineficiências e resultantes
desastres na produção agrícola; (2º) as ineficiências na produção industrial;
(3º) a carga de um amplo planejamento e uma administração centralizada para as
quais faltava pessoal treinado. A visão iugoslava do sistema econômico
socialista ideal contém três (3) ingredientes: (a) propriedade social dos meios
de produção; (b) uma mistura de mercado e planejamento central com ênfase no
primeiro, como processo de coordenação social e controle; (c) autogestão dos
trabalhadores e controle sobre a produção. Assim, a versão iugoslava do
Socialismo pode ser descrita como um misto de autogestão de trabalhadores e
socialismo de mercado.
Portanto, sob este conjunto de
reordenamento institucional, a ex-Iugoslávia desestimulou a planificação global
e, dessa forma, o governo desencadeou um processo de “derretimento” do Estado
com a intenção de construir uma economia de mercado, embora conservando a
característica das economias socialistas. Ou seja, a propriedade coletiva dos
meios de produção. Como assinala Hoover ([1]),
“o alvo das mudanças era a construção de
uma espécie de Capitalismo sem acionistas individuais”
Por outro lado, a China se tornou uma
economia coletivista de planificação centralizada 4 anos após a 2ª Guerra,
depois de 100 anos de colonização por parte de potências ocidentais e mais de
50 anos de instabilidade política. A conversão do sistema à ideologia
socialista ocorreu com a renúncia do governo por Chiang Kai-Shek em 1949 e, com
sua fuga para Taiwan, constituiu-se então a República Popular da China –
liderada por Mao Tsé-Tung – onde, inicialmente, instalou-se um modelo
centralizado seguindo o padrão da União Soviética foi pioneira. Os traços
principais eram: (a) o Governo como proprietário dos principais meios de
produção; (b) a adoção de planificação central, por meio de planos setoriais;
(c) a coletivização da agricultura.
Num primeiro momento os chineses adotaram
a técnica soviética de planificação integral das atividades econômicas e, como
na economia russa, concedeu-se prioridade às indústrias de base e à
infraestrutura econômica. A rigidez da planificação global foi empregada após a
instalação da República Popular e o 1º plano revelou a disposição do governo em
controlar toda a atividade econômica. Mas, terminado o período de 1º plano
trienal, a China Popular partiu para a planificação quinquenal (período de
1953-57) e, após o segundo plano, inaugurou-se a era dos planos de longo
alcance, para períodos não inferiores a 7 anos.
Ao longo desse período, o sistema de
planificação adotado abrangeu toda a atividade econômica interna. O plano
global estabelecia os objetivos da produção e a relação entre consumo global e
taxa de acumulação do sistema, discriminava os investimentos previstos e
estabelecia as metas que deveriam ser cumpridas pelas unidades do aparelhamento
produtivo. Além disso, os chineses determinavam a repartição dos produtos e as
taxas de remuneração dos fatores, fixando os preços que as unidades produtivas
deveriam praticar. Para chegar a tais pormenores, a Central de Planificação
recebia planos parciais de diversas unidades, revistos e consolidados. O plano
minimizava a autonomia empresarial e refletia as decisões da administração
central. Sua característica era a pouca flexibilidade e a rigidez com que eram
fixadas as metas econômicas.
Esse processo marcou 2 períodos da
evolução do coletivismo na China Popular: o período do “Grande Salto Para
Frente” (1958/60) e o da “Grande Revolução Cultural” (1966/69). O primeiro
procurou acelerar a industrialização do período anterior, enfatizando a
produção industrial de bens de produção e a relacionada com a segurança nacional,
incentivos materiais e deu ênfase à descentralização e à formação de comunas
agrícolas gigantescas. O “Grande Salto Para Frente” enfatizava quatro (4)
aspirações: (a) a obtenção de uma industrialização mais acelerada e o
crescimento do produto a taxas superiores às conseguidas pelas técnicas de
planejamento econômico adotado pela antiga URSS; (b) o desenvolvimento
simultâneo da agricultura e da indústria, evitando-se o retardamento agrícola;
(c) o estabelecimento de grupos de elite compostos por técnicos, gerentes,
burocratas e dirigentes partidários; (d) a autonomia e a independência de
qualquer controle externo.
Já a “Grande Revolução Cultural” reafirmou
o papel das ideias e das motivações do povo na execução dos objetivos
econômicos, transformando-se numa tentativa eliminação de símbolos de poder e
de privilégios da sociedade chinesa. Seu objetivo era fazer com que cada
indivíduo trabalhasse pela nação em tempo de paz, com o mesmo ardor em que em
tempo de guerra, dedicando seu esforço à construção de uma sociedade
igualitária. Os discípulos de Mao tentaram mudar a natureza dos indivíduos e,
diante disso, o país se tornou uma grande escola de filosofia moral. A Guarda
Vermelha bloqueava cisões, reprimia disputas ideológicas e encaminhava para a
doutrinação os que não assumiam a consciência coletiva.
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