Qual a
Influência Geográfica dos Rios Portugueses nas Suas Descobertas? Por Que o
Feito dos Portugueses Foi Mais Revolucionário do Que as Mais Celebradas Proezas
de Cristóvão Colombo? Qual a Influência do Infante D. Henrique nas Descobertas
Portuguesas?
Os
navegadores mais encorajados do mundo foram os portugueses, a quem a Geografia
determinou seu papel na história. Na orla ocidental da Península Ibérica, os
portugueses estabeleceram suas fronteiras em meados do século XIII e, embora Portugal não
tivesse janelas para o Mediterrâneo, ele foi abençoado com extensos rios
navegáveis e portos profundos virados para o Atlântico.
Assim,
desenvolveram-se as cidades às margens dos rios que corriam para o oceano
Atlântico e, dessa forma, o povo português voltou-se para fora, no sentido
oposto aos centros clássicos da civilização europeia. Isto é, na direção de um
oceano insondável, e para o sul, na direção de um continente que – para os
europeus – também era insondável.
Empreendimento
organizado de descobrimento, o feito dos portugueses foi mais moderno, mais
revolucionário do que as mais celebradas proezas de Colombo. É que Cristóvão Colombo
seguiu um rumo sugerido por antigas fontes, a melhor informação do seu tempo e,
se tivesse alcançado seu propósito, tê-las-ia confirmado.
Na
verdade, não havia nenhuma incerteza a respeito da paisagem na rota para a Ásia
ou a direção a seguir. A coragem de Colombo consistiu em se meter por uma
passagem marítima direta para terras conhecidas, numa direção conhecida, mas
sem saber precisamente qual seria a extensão da passagem.
Ao
contrário disso, as viagens dos Portugueses à volta da África e, esperava-se,
para a Índia, baseavam-se nas ideias especulativas em boatos e sugestões.
Teriam de ser contornadas terras desconhecidas utilizadas para aprovisionar
alimentos e água em viagem.
Esta
seguiria para lugares onde a geografia cristã ameaçava com perigos mortais,
lugares muito abaixo do equador. Daí os descobrimentos portugueses exigiram um
programa progressivo e sistemático para ir avançando através do desconhecido.
Os
viajantes portugueses se lançaram numa empresa de século e meio, cujo real
significado foi imaginado com muita antecedência e cuja realização foi
imediatamente conhecida. O maior feito de Colombo foi algo que ele jamais
imaginou, um subproduto dos seus propósitos e uma consequência de fatos
inesperados. O feito dos Portugueses foi produto de um propósito claro que exigiu forte apoio
nacional e, por isso, tratou-se de um grande protótipo da exploração moderna.
Separados
da África apenas por um pequeno estreito, os Portugueses eram completamente
isentos de preconceito racial ou de provincialismo. Os seus antepassados eram
celtas e iberos, casavam-se com africanos e asiáticos. Portugal se tornou uma
pequena América, um lugar onde as pessoas se misturavam – cristãos, judeus e
muçulmanos – e a ocupação muçulmana deixou sua marca nas instituições.
Os
diversos recursos físicos, mentais, tradicionais, estéticos e literários
enriqueceram-se mutuamente e forneceram as energias e conhecimentos heterogêneos
necessários para penetrar no oceano aberto e regressar em segurança.
Para a
maioria dos países da Europa, o século XV – à época da Guerra dos Cem Anos –
foi um período de lutas e temores de invasão, pois os Turcos, que conquistaram
Constantinopla em 1453, ameaçavam os Bálcãs. A Espanha, único país que
compartilhava alguma vantagem peninsular de Portugal, se encontrava dilacerada
pela guerra civil e, Portugal, em contraste com todos os outros, foi um reino
unido durante todo o século XV e praticamente não sentiu qualquer perturbação
civil.
No
entanto, para explorar suas vantagens, Portugal precisava de um dirigente que
unisse as pessoas, organizasse recursos e apontasse o caminho. O Infante Dom
Henrique – o Navegador – era uma combinação curiosa de espírito heroico e
ousado de imaginação solta com um temperamento sedentário. Frígido em relação
aos indivíduos, apaixonavam-no as grandes ideias. A sua obstinação e a sua
capacidade de organizar se revelavam essenciais para a primeira grande empresa
de descoberta moderna.
Do ponto
de vista da perspectiva histórica, não nos surpreende que o pioneiro da
exploração moderna nunca tenha partido pessoalmente numa expedição de
descobrimento. A grande aventura medieval da Europa – as Cruzadas – exigia o
risco de vida ou mutilação, nas lutas contra os infiéis. A exploração moderna teve de ser uma aventura da
mente antes de se tornar uma aventura de viagem marítima.
Nem todos
os traços de personalidade que tornaram possível esta aventura solitária, eram
atraentes. Dom Henrique – o Navegador – comparava-se a S. Luís, mas era uma
pessoa muito menos simpática. Toda a sua vida se sentiu dividido entre fazer
cruzada e explorar. Seu pai – o rei D. João I – apoderara-se do trono português
em 1385 e, na decisiva batalha de Aljubarrota, com o auxílio dos arqueiros
ingleses, Dom João derrotou o rei de Castela e assegurou a independência de
Portugal.
A fim
celebrar seu tratado de amizade com Castela (em 1411) D. João obedeceu ao
costume da época, planejando um torneio que durou 1 ano. Foram convidados
cavaleiros de toda Europa e as disputas dariam aos três filhos mais velhos do
rei, a oportunidade de se tornarem cavaleiros.
Mas os
três príncipes dissuadiram D. João do dispendioso espetáculo e insistiram para
que, em vez de disso, lhes desse a oportunidade de praticarem valorosos feitos cristãos,
desencadeando uma cruzada contra Ceuta – bastião muçulmano do lado africano
oposto a Gibraltar. O jovem príncipe D. Henrique ajudou a planejar a expedição
que, de numerosas e inesperadas maneiras, viria a moldar a sua vida.
Com 19 anos
o Infante D. Henrique foi encarregado de construir uma frota e, após dois anos
de preparação, a cruzada contra Ceuta foi desencadeada. A armada portuguesa
atacou a fortaleza em agosto de 1415 numa batalha unilateral, uma vez que bem
armados e apoiados por um contingente de arqueiros ingleses, massacraram os
Muçulmanos que se defendiam apenas arremessando pedras. Em apenas um dia os
portugueses tomaram a fortaleza de Ceuta e proporcionaram a D. Henrique seu
momento de glória, pois morreram apenas oito portugueses e as ruas da cidade
ficaram apinhadas de muçulmanos dilacerados.
Os
Portugueses deixaram pequena guarnição e o restante voltou a Portugal. Mas,
quando o Infante voltou a Ceuta para garantir-se contra novo ataque muçulmano,
passou vários meses se informando sobre o tráfego africano de caravanas. Sob o
domínio dos Muçulmanos, Ceuta possuía 24 mil lojas que vendiam ouro, prata,
cobre, latão, sedas e especiarias, tudo trazido pelas caravanas. Mas, agora que
se tornara cristã as caravanas já não vinham a cidade e os portugueses tinham
apenas uma “cidade morta” que não dava lucros. De duas uma, ou chegavam a um
acordo com as tribos infiéis circundantes ou tinham de conquistar o interior.
O Infante
reuniu informações sobre as terras interiores, de onde vinham os tesouros de
Ceuta. Ouviu histórias de um comércio curioso destinado a povos que não
conheciam a língua uns dos outros. As caravanas muçulmanas que seguiam de
Marrocos para o sul chegavam ao fim de 20 dias às margens do Rio Senegal. Aí,
os mercadores expunham montes de sal, contas de coral de Ceuta, mercadorias
manufaturadas baratas e depois se afastavam de vista. Os homens das tribos –
mineiros de ouro – vinham à margem, colocavam um montinho de ouro ao lado de
cada pilha de mercadorias marroquinas e depois saíam de vista.
Esse
processo se repetia constantemente e era por esse sistema de etiqueta comercial
que os Marroquinos arranjavam seu ouro. Continuando a ser cruzado, D. Henrique
organizou uma esquadra portuguesa e declarou sua intenção de tomar Gibraltar
aos infiéis. Mas, D. João proibiu essa expedição e D. Henrique retornou à
pátria amuado. Em vez de se juntar à corte em Lisboa foi para o sul e
atravessou o Algarves para o cabo de São Vicente, a ponta mais sudoeste da
Europa.
Geógrafos
antigos deram um significado místico a essa ponta de terra (“fronteira
terrestre do desconhecido aquático”, a qual os portugueses traduziram por
“Sagres”), onde o Infante fez o seu quartel-general durante 40 anos,
organizando e comandando expedições na fronteira do mistério. Em Sagres, ele se
tornou o “Navegador” e aplicou o zelo e a energia do cruzado à exploração. A
corte do Infante D. Henrique foi um laboratório de investigação e estudos, pois
no mundo cruzado o conhecido era dogma e o desconhecido era incognoscível
(impossível conhecer). Mas, no mundo do explorador, o desconhecido era
simplesmente o “ainda não descoberto”.
Henrique
fez de Sagres um centro cartográfico, navegação e construção naval, pois ele
sabia que o desconhecido só poderia ser descoberto se assinalassem as
fronteiras do conhecido. Isso significava atirar ao lixo as caricaturas
desenhadas por geógrafos cristãos e substituí-las por mapas fragmentados, o que
exigia uma abordagem progressiva. Ele passou a exigir que os marinheiros
fizessem diários de bordo e cartas precisas e anotassem tudo que vissem nas
costas, para uso dos seus sucessores.
Até
então, os registros dos navegadores eram feitos ao acaso e agora o Infante
ordenava que todos os pormenores fossem assinalados com precisão, para que a
cartografia pudesse se tornar uma ciência cumulativa. Daí foram para Sagres
marinheiros, viajantes e sábios de toda a parte, além de judeus, árabes,
muçulmanos, italianos de Gênova, de Veneza, alemães e escandinavos.
Com eles
também chegaram os mais modernos instrumentos de mapear e as mais recentes
técnicas de navegação. Embora a bússola já fosse muito conhecida, seu uso ainda
estava repleto de temores supersticiosos. Em Sagres, as experiências em
construção naval deram origem a um novo tipo de barco, sem o qual as expedições
de D. Henrique não teriam sido possíveis. A “caravela” foi um barco concebido
para trazer os exploradores de regresso.
A
familiar barca pesada de velas arredondadas era apropriada para navegar ao
vento. Funcionavam bem no Mediterrâneo, onde o tamanho de um barco mercante era
a medida do seu lucro e, um navio maior, por certo significava lucro maior,
obtido de uma carga maior. Mas, um navio de descoberta tinha seus problemas
específicos, pois ele não era de carga e tinha de percorrer longas distâncias
em águas desconhecidas e, se necessário, ser capaz de navegar contra o vento.
Ele só
teria préstimos se fosse capaz de ir e voltar e a sua carga eram as novidades,
as quais podiam ser transportadas em pequenos volumes ou no cérebro de um homem.
Embora os navios dos descobrimentos não precisassem ser grandes, deviam ser manobráveis
e aptos a regressar.
A
caravela de D. Henrique foi concebida para corresponder a essas necessidades
dos exploradores. Ele encontrou influências nos barcos árabes, equipados com
velas inclinadas e triangulares, os quais chegavam a transportar tripulações
árabes de 30 homens e 70 cavalos.
Uma
embarcação menor e mais manobrável (Caravela) já era usada no rio Douro pelos
próprios portugueses e, dessa forma, D. Henrique construiu uma caravela
com as características de transportar cargas dos barcos árabes, com a
capacidade de manobras das caravelas do rio Douro.
Os
empreendimentos marítimos africanos de D. Henrique demonstraram que a caravela
tinha uma capacidade crucial e sem precedentes, para regressar ao lugar de
partida. O seu pequeno calado lhe permitia explorar águas próximas ás costas,
além de tornar mais fácil seus reparos. Em termos de navegação, a capacidade de
regressar significava a faculdade de navegar contra o vento, no que a caravela
era ótima.
Sendo
assim, os marinheiros que sabiam que iam regressar numa nau concebida para seu
regresso rápido e seguro, se sentiam muito mais animados, confiantes e
dispostos a correrem riscos de viagens mais longas.
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