segunda-feira, 6 de março de 2023

A Descoberta da Pré-História

 O Que Aconteceu Antes dos Tempos Bíblicos na História Humana? O Que o Público dos Museus Desejava Aprender? Como Era Divida a Pré-História?

 



No século XVIII, os devotos cristãos ainda continuavam acreditando a cronologia bíblica – que fixara o Criação no ano 40014 a. C. – demasiado reconfortante para abandoná-la. Para eles, todo o curso da história inicial decorria do Éden, passando por Jerusalém e estava datada na Bíblia.

Os acontecimentos antigos que diziam respeito aos cristãos tinham ocorrido à volta do Mediterrâneo e, a herança humana, era herança da Grécia e de Roma e, quando fez da viagem dos Argonautas a base da sua cronologia, Newton também deu a maior ênfase aos acontecimentos bíblicos.

Mas, o que aconteceu antes dos tempos bíblicos? Hoje poderá surpreender-nos que poucos cristãos fizessem tal pergunta e, no entanto, para eles a história não parecia ter significado. O que aconteceu antes da história? Antes de alguma coisa acontecer, realmente?

Só no século XIX a palavra “pré-história” entrou nos vocabulários europeus. Entretanto, pessoas zelosas tinham arranjado maneira de excluir do seu horizonte a maior parte do passado terrestre.

Juntamente com as plantas, animais e minerais trazidos para a Europa no regresso das suas viagens, por missionários e naturalistas, vieram artefatos os humanos – característica comum das casas dos ricos e poderosos.

Na Idade Média esses curiosos objetos tinham sido expostos em igrejas, mosteiros e universidades e, no Renascimento, coleções reais, presentes de embaixadores e obras de artistas, adornavam os palácios dos Papas. Assim nasceram as grandes coleções do Vaticano, do Louvre em Paris, do Escorial em Madri, as quais se destinavam a deleitar uma minoria privilegiada.

O século XVIII, na Europa, viu nascer um novo gênero de coleção: _ o museu público. O Governo Britânico foi pioneiro, adquirindo as coleções de Sir Hans Sloane em 1753 e expondo-as ao público.

Algumas coleções particulares – como os Museus do Vaticano – foram voluntariamente expostas ao público. Outras como o Louvre, foram apreendidas por revolucionários para uso de todos os cidadãos.

Em toda Europa, um novo público de museus desejava aprender e divertir-se. A palavra “tourist” entrou na língua inglesa de pois de 1800, a fim de significar a comunidade móvel de espectadores transitórios.

Na Ásia, as grandes coleções se mantiveram nas cortes dos príncipes ou foram para as capelas dos templos e, somente as revoluções, colocariam esses tesouros ao alcance dos olhos do público. Das terras conquistadas – Egito, Grécia, Roma e Pérsia – foram transportadas para os grandes museus de Londres, Paris, Amsterdã ou Berlim obras de pintura, escultura e até edifícios inteiros.

À medida que os museus europeus cresciam, começaram a mostrar apenas o tipo de objetos que os aristocráticos tinham colecionado por uma questão de prestígio.

A ênfase era dada aos belos objetos e aqueles que não eram belos ou estranhos despertavam pouco interesse. No entanto, foram esses toscos objetos anônimos que abriram as portas da Pré-História e deram ao público um novo vocabulário para toda a história.

Uma série de coincidência deu o principal papel desta descoberta a Christian Thomsen, um dinamarquês sem erudição que tinha bom senso e era dotado com as virtudes amadoras de um devoto. À sua paixão por objetos curiosos juntava-se um talento para despertar a curiosidade do novo público dos Museus.

Treinado para os negócios, Thomsen travou conhecimento com a família de um cônsul que prestava serviço em Paris durante a Revolução Francesa e levara para a Dinamarca as coleções que adquirira da aristocracia em pânico. Quando o jovem Thomsen ajudou a desencaixotar seus tesouros, o cônsul deu-lhe algumas moedas antigas para começar a sua própria coleção e foi assim que, aos 19 anos, ele já era um respeitado numismata.

A Comissão Real para a Conservação das Antiguidades Dinamarquesas estava inundada por uma miscelânea de objetos antigos enviados por cidadãos dotados de elevado espírito público. O idoso secretário não estava à altura do amontoado de coisas que ia se acumulando e chegara o momento de confiar essa tarefa ao jovem Thomsen – então com 27 anos – conhecido pela sua organizada coleção de moedas.

Como se verificou, a sua falta de estudos acadêmicos deu-lhe a inocência de que a arqueologia necessitava nesse momento. Quando abriu o seu museu em 1819, os visitantes viram os objetos repartidos em três (3) armários, onde o primeiro continha objetos de pedra, o segundo de bronze e o terceiro de ferro.

Esse exercício de administração museológica levou Thomsen a suspeitar de que os objetos feitos de materiais similares poderiam ser relíquias da mesma era. À sua visão de amador pareceu que os objetos de pedra deveriam ser mais antigos do que os objetos de metal, e que os de bronze deveriam ser mais antigos do que os de ferro.

Thomsen demonstrou o que se podia aprender não apenas com as esculturas antigas, mas até com os simples utensílios e as toscas armas dos homens pré-históricos anônimos. Expondo as suas coleções pata todos, proferiu discursos sobre a experiência de pessoas do passado remoto.

Orador hábil, escondia qualquer pequeno objeto interessante atrás das abas da casaca e, de repente, mostrava-o no momento da sua história em que esse tipo de objeto de bronze – ou de ferro – aparecia na história.

Não foi fácil ajustar o esquema das três idades em todo o passado humano na Europa, pois a chamada “Idade da Pedra” do museu de Thomsen era representada por artefatos de pedra polida do gênero que as pessoas se sentiam tentadas a enviar-lhe como curiosidades.

Entretanto, Worsaae ([1]) sugeria que a Idade da Pedra era muito mais extensa e antiga do que indicavam esses instrumentos de pedra habilmente polidos. Nas escavações cada objeto desenterrado podia ser estudado não como uma curiosidade, mas entre todos os restos de uma comunidade da Idade da Pedra e também poderiam proporcionar pistas para outras comunidades da Idade da Pedra em todo o Mundo.

A oportunidade de Worsaae surgiu em 1849, quando um rico holandês (Olsen) – chamado para construir uma estrada – mandou seus trabalhadores em busca de cascalhos para servir de material de superfície.

Encontraram ossos de animais e sua atenção foi atraída para um pequeno objeto de osso no formato de uma mão com quatro dedos, o qual era inequivocamente obra de um trabalho humano feito para servir de pente.

Olsen, que compartilhava o interesse pelas antiguidades que Thomsen estimulara, enviou o tal objeto para o museu de Copenhagen. Worsaae verificou que todas as conchas tinham sido abertas, o que não teria acontecido se tivessem sido levadas para aquele local pelas águas da margem.

Mas, quando outros entendidos discordaram, a Academia de Ciência Dinamarquesa nomeou Worsaae e alguns geólogos para interpretar aqueles jazigos de conchas encontradas. A comissão concluiu que eram realmente “restos de cozinha”, o que significava que, pela primeira vez o historiador podia penetrar na vida quotidiana dos povos antigos.

Thomsen e seus colaboradores do museu tinham feito tão bem o seu trabalho de publicitar a arqueologia, que a questão levantada – se a Idade da Pedra devia realmente ser dividida em 2 estádios claramente definidos – deixou de ser um enigma arcano reservado a professores universitários.

Worsaae se tornou professor de Arqueologia em Copenhagen e depois sucedeu a Thomsen como diretor do museu, sendo chamado de “o 1º arqueólogo profissional do mundo”. Ele enalteceu o sistema das três (3) idades de Thomsen como “o 1º raio claro lançado sobre o negrume pré-histórico universal do Norte e do Mundo, em geral”.

A primeira descoberta da comunidade de toda experiência humana em eras e épocas fez-se quando a “pré-história” foi analisada e dividida (como uma oração gramatical) nas três (3) idades: _ Pedra, Bronze e Ferro.

E à medida que Worsaae explorou as fronteiras entre essas três idades, suscitou algumas questões explosivas para os cristãos fundamentalistas e, uma delas, foi o problema ainda agitado por antropólogos: _ a invenção independente ou a difusão cultural¿

O conceito perturbador – sugerido por pensadores ousados – de que os homens existiam muito antes da dará bíblica da Criação, em 4004 a. C. – começou a ser aceito pela comunidade científica. Mas, a antiguidade remota do homem foi popularizada pela descoberta não pela descoberta de um tema vasto e inegável, a Pré-História.

Mais do que uma teoria, os próprios artefatos pareciam testemunhar a cronologia de pré-história que era um argumento demonstrativo da evolução da cultura humana.

A Pré-História entrou no currículo da instrução pública, juntamente com as ideias associadas de evolução. O discípulo e principal divulgador de Charles Darwin (John Lubbock) conquistou sua reputação na Europa ao ajustar a Pré-História à evolução.

Os seus “Pre Historics Times” que criaram as palavras “Paleolítico” e “Neolítico” para a “Idade da Pedra Polida”, foram muito lidos por leigos, os quais absorveram a pré-história e evolução numa única leitura deleitosa.

As três idades, as fases mundiais da pré-história, tornaram mais fácil imaginar outras épocas que transcendiam a cidade, a região ou a nação. Ao definir latitudes da história, o homem alargou a sua visão do passado e do presente do Mundo.

A invenção das grandes “eras”, “épocas” ou “idades” históricas que ultrapassaram limites políticos proporcionaram receptáculos de tempo suficientemente amplos para incluírem todos os dados das comunidades de cultura do passado, mas ao mesmo tempo suficientemente pequenos para permitirem uma definição persuasiva.

Portanto, poucos outros conceitos fizeram tanto para desprovincializar o pensamento humano e, esses conceitos, foram para o tempo o que as “espécies” eram para a Natureza, um modo de classificar a experiência para a tornar útil. Foram a taxonomia da história.

 

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([1]) Jens Jacob Worsaae, aos 15 anos tornou-se ajudante de museu de Thomsen

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