Onde Ocorreu a Chamada Revolução
Federalista? O Que Defendiam os Maragatos e os Pica-Paus? Por Que em 1893 o Rio
Grande do Sul Era o Ponto Nevrálgico da República? Qual Era a Importância de
Júlio de Castilhos e Silveira Martins Nesse Movimento?
No final de novembro de 1893, uma notícia publicada pelo jornal argentino “La Prensa” chamou a atenção do escritor americano Ambrose Bierce, correspondente em Buenos Aires do jornal Tribune de Nova York.
O artigo
dizia que na semana anterior 700 pessoas haviam sido degoladas depois de um
confronto em Rio Negro – vinte quilômetros distante de Bagé (RS). Alarmado,
Bierce arrumou as malas e seguiu para lá e, ao chagar, deparou-se com uma cena
de horror.
Na porteira
de uma fazenda havia muita lama ressequida empapada de sangue humano, a lagoa
vizinha exalava um insuportável odor de carniça e, mais adiante, bandos de
urubus sobrevoavam o local. Ao entrevistar as pessoas Bierce não conseguiu
apurar o número exato de mortos, mas falava-se em centenas.
Ele apurou
que a matança começou ao meio-dia e prosseguiu por toda a noite, até a manhã
seguinte. Trancafiadas no curral as vítimas eram chamadas uma a uma até a
porteira do curral e, ao chegarem ali, recebiam um golpe de facão na garganta,
à maneira como se costumava sangrar animais no matadouro.
O ritual de
sangue testemunhado pelo jornalista ocorreu durante a chamada Revolução
Federalista de 1893 no Rio Grande do Sul, na qual se estima que 12 mil pessoas
perderam a vida. De um lado estavam os republicanos fiéis ao Presidente
Floriano Peixoto e ao Governador Júlio de Castilhos.
De outro
lado, os rebeldes federalistas (os maragatos), sob a chefia de Gaspar Silveira
Martins – recém-retornado do exílio – e o comando militar do caudilho uruguaio
Gumercindo Saraiva. Mestiços europeus, índios e negros, os maragatos eram um
povo rústico que lutava por comida e pela possibilidade de saquear as regiões
ocupadas. Eles combatiam a cavalo e eram hábeis no uso da lança, espada e
facão.
Foram eles os
responsáveis pela matança descrita na reportagem de Bierce e, semanas mais
tarde, os legalistas de Floriano Peixoto e Júlio de Castilhos (os pica-paus) se
vingaram, promovendo outra degola na localidade de Palmeira das Missões, onde
foram mortos de forma semelhante 370 maragatos.
As degolas da
Revolução Federalista são um exemplo do clima de ódio que se instalou no Brasil
nos anos seguintes à Proclamação, em especial no período entre a ascensão de
Floriano Peixoto e a posse de Campos Salles, sete anos mais tarde. Massacres,
fuzilamentos, prisões e exílios forçados foram o preço que o novo regime pagou
pela própria consolidação.
São episódios
que os livros de história do Brasil não descrevem em toda sua crueldade e, em
um deles, ocorrido em abril de 1894, o Coronel Moreira César – florianista e
positivista fanático – promoveu um banho de sangue na cidade de Desterro (SC),
ao fuzilar 185 revoltosos.
O país só
tomou conhecimento disso depois da posse de Prudente de Moraes – primeiro
Presidente civil – em novembro daquele ano. E, para humilhação dos
catarinenses, a capital seria rebatizada com o nome de Florianópolis, em
homenagem ao patrocinador da carnificina.
Em 1893, o
Rio Grande do Sul era o ponto nevrálgico da República, uma região de paixões
políticas exaltadas ao extremo. Durante todo o século XIX, os gaúchos tinham
vivido sob permanente estado de conflagração e, na Revolução Farroupilha,
estima-se que 3.400 pessoas tenham morrido. Nos anos que antecederam a
Proclamação, o Rio Grande do Sul funcionou como um laboratório para as novas
ideias que iriam transformar a história brasileira. Ali estavam os mais
importantes teóricos do futuro regime.
Cada um
desses teóricos tinha sua própria concepção sobre a República ideal, pois Assis
Brasil – por exemplo – era um liberal, Pinheiro Machado, um conservador e,
Júlio de Castilhos, um positivista e autoritário.
Porém, eles
tinham um adversário em comum – o pecuarista Gaspar Silveira Martins,
monarquista, líder do Partido Liberal, Conselheiro do Império e conhecido como
“o Rei do Gado”. O confronto dessas ideias no momento de implantar o novo
regime jogou o Rio Grande do Sul em um turbilhão político.
Chefe dos
republicanos históricos, Júlio de Castilhos nasceu em 1860, cresceu em uma
estância do interior gaúcho e, aos 17 anos, matriculou-se na Faculdade de
Direito de São Paulo, onde se encantou com a doutrina positivista de Auguste
Comte. Castilhos era gago, tinha de fazer um esforço penoso para articular as
palavras e, na escola, sua gaguez era tanta que não conseguia responder às
provas orais.
Mas, quando
discursava do alto da tribuna, sua gaguez desaparecia e o transformava em um
fluente orador. Depois de formar-se em São Paulo, ele retornou ao Rio Grande do
Sul e associou-se à Venâncio Aires na propaganda republicana à frente do jornal
“A Federação”, de onde voltou suas baterias contra o Império, contra a
escravidão e contra Silveira Martins.
Alto,
corpulento, de barriga roliça e barba branca, Silveira Martins era também um
orador inflamado cujos discursos magnetizava as plateias. Nos anos finais da
Monarquia ganhou fama de antiabolicionista ao declarar que amava mais a sua
pátria do que os negros.
Ele costumava
se referir ao adversário – Castilhos – de forma maldosa como “o gaguinho de A
Federação”. Silveira Martins foi o homem que na noite de 15 de novembro de
1889, o Imperador Pedro II buscou para nomear para a chefia do Ministério, em
uma última e desastrada tentativa de salvar a Monarquia. Preso em
Florianópolis, naquele mesmo dia foi exilado na Europa, de onde voltaria em
1892. Nesse ínterim, a política do Rio Grande do Sul foi entregue ao grupo
comandado por Júlio de Castilho.
Deputado à
Assembleia Constituinte de 1890, Júlio de Castilhos se destacou como campeão da
corrente federalista e positivista, acreditando que, para se consolidar, a
República precisava antes passar por uma fase ditatorial. Na Constituinte essas
ideias não vingaram, mas ele as transformou em lei, a ferro e fogo, na redação
da nova Constituição estadual gaúcha meses mais tarde.
Ela previa
que as leis não seriam elaboradas pelo Parlamento, mas pelo Chefe do Poder
Executivo; o Vice-Governador (ou Vice-Presidente do Estado, como se dizia na
época), em vez de eleito nas urnas, seria escolhido pelo titular e, por fim, o
Governador poderia ser reeleito tantas vezes quantas estivesse disposto a
concorrer. A soma de todos esses poderes transformava o novo Governador gaúcho
em um ditador na prática.
A
Constituição positivista de Júlio de Castilhos e sua rivalidade com Silveira
Martins, somadas às dificuldades da República brasileira, serviram de base para
a sangrenta Revolução Federalista que por 2 anos dilacerou o Rio Grande do Sul.
Castilhos foi eleito Governador em julho de 1891, mesmo mês em que a sua
Constituição pessoal era promulgada pela Assembleia Estadual. Em novembro,
apoiou o golpe de Deodoro que fechou o Congresso, acabou deposto em uma
rebelião e substituído por uma junta de governo.
Envenenada
pelas próprias rivalidades, a junta de governo durou pouco tempo, passando o
governo ao General Barreto Leite. Dias depois, Castilhos e seus aliados
arrombaram as portas de um edifício público e ali instalaram um governo
paralelo. Assustado, o General Barreto Leite refugiou-se a bordo da canhoneira
Marajó.
Em nova
eleição, dessa vez sem concorrentes, Castilhos foi eleito Governador novamente
e tomou posse em janeiro de 1893. Duas semanas depois, o caudilho Gumercindo
Saraiva deixou seu refúgio no Uruguai e, à frente de 500 homens, invadiu o Rio
Grande do Sul.
Um segundo
grupo, comandado pelo General João Nunes da Silva Tavares (o Joca Tavares),
ocupou outra região com 3 mil homens e, acuado, o Governador convenceu Floriano
Peixoto de o levante federalista não era apenas uma guerra de gaúchos, mas uma
tentativa de restauração da Monarquia chefiada por Silveira Martins.
Tratava-se, portanto, de um ataque à própria República. A parir daí os destinos
de Floriano e Castilhos estariam definitivamente interligados.
Um novo fato
ocorrido no Rio deu dimensões nacionais à luta que, até então, era restrita ao
Sul. Foi a Segunda Revolta da Armada, deflagrada em 6 de setembro pelo
Almirante Custódio José de Mello. A primeira revolta, também liderada por
Custódio tinha forçado a renúncia de Deodoro e, dessa vez, protegido a bordo do
encouraçado Aquidabã, o Almirante declarou-se em guerra contra Floriano
determinando que os navios de guerra ancorados no Rio apontassem seus canhões
para a cidade.
Ao mesmo
tempo, dois cruzadores de guerra tomaram Desterro (antiga capital de Santa
Catarina) e, em Buenos Aires, o Almirante Eduardo Wandenkolk – que tinha sido o
1º Ministro da Marinha na República – tomou de assalto o navio Júpiter,
carregado de armas e desviando-o para o Rio Grande do Sul. Em dezembro, o
Almirante Saldanha da Gama aderiu à revolta divulgando um manifesto no qual
deixava claro seu desejo de restaurar a Monarquia.
Floriano
Peixoto aproveitou a oportunidade e usou habilmente o temor da restauração para
esmagar os adversários e, pressionado, o Congresso concedeu-lhe autorização
para decretar o estado de sítio. Partidários do Marechal organizaram batalhões
patrióticos – milícias compostas de voluntários civis e militares – dispostos a
defender a República brasileira.
Floriano
venceu a Segunda Revolta da Armada pelo cansaço e, nos seis meses que durou o
impasse, os navios rebelados se limitaram a disparar um único tiro, o qual
atingiu a torre da Igreja da Candelária.
No Sul,
Wandenkolk tentou em vão tomar a cidade do Rio Grande, sendo repelido pelas
tropas federais. Um planejado encontro com as forças de Gumercindo Saraiva
também fracassou, obrigando o Almirante a se render às forças de Floriano. No
Rio de Janeiro, Custódio de Mello e seus oficiais se refugiaram nos navios
portugueses.
Floriano
deixou-os partir mediante a promessa de que só seriam desembarcados em Portugal.
No entanto, os navios tomaram o rumo da Bacia da Prata, onde os rebeldes da
Marinha se juntaram aos combatentes da Revolução Federalista. Indignado,
Floriano Peixoto rompeu relações com Portugal.
Portugueses
foram espancados nas ruas do Rio, suas lojas depredadas e incendiadas. Para
evitar retaliações, alguns comerciantes mandaram afixar placas na fachada de
suas lojas com os dizeres: “Somos Amigos do Brasil”.
Enquanto
isso, Gumercindo Saraiva empreendia marcha de 2.500 quilômetros entre o Rio
Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, quando travou 5 batalhas e 70 combates
contra as tropas federais e os pica-paus de Júlio de Castilhos.
Os soldados
legalistas estavam sob o comando do Coronel Antônio Ernesto Gomes Carneiro,
veterano da Guerra do Paraguai que recebeu de Floriano Peixoto uma ordem
incisiva: “Resistir até o último homem”. E foi isso que ele fez, até
ser alvejado por tiros em fevereiro.
Essa heroica
resistência deu a Floriano tempo suficiente para reorganizar suas forças e
deter o avanço federalista. Após a morte de Gomes Carneiro, Gumercindo pôde
avançar para o Norte, mas o tempo perdido no cerco à cidade paranaense anulou
suas chances de sucesso. No dia 20 de fevereiro, acampou nos arredores de
Curitiba, abandonada pelo Governador Vicente Machado.
Depois de
Curitiba, Gumercindo Saraiva marchou para Ponta Grossa e a divisa com São Paulo
de onde enviou um telegrama para Floriano Peixoto, intimando-o a renunciar sob
a ameaça de levar suas tropas até o Rio de Janeiro.
Àquela altura
a causa dos federalistas gaúchos já estava perdida e, para chegar ao Rio,
Gumercindo teria de atravessar o Estado de São Paulo, cujos chefes republicanos
estavam comprometidos com Floriano. Sem alternativa, Gumercindo empreendeu uma
longa e penosa retirada de volta ao território gaúcho. Foi morto em 10 de
agosto de 1894 por um franco-atirador.
Em 23 de
agosto de 1895 um armistício colocou fim à Revolução Federalista e, um mês
depois, todos os envolvidos foram anistiados pelo governo federal. Silveira
Martins embarcou outra vez para o exílio e morreu em um hotel de Montevidéu no
dia 23 de julho de 1901.
Já Castilhos,
faleceu dois anos mais tarde de câncer na garganta. O poder que implantou ao
domar os adversários da Revolução Federalista manteve-se incólume por várias
décadas. Seu sucessor – Antônio Augusto Borges de Medeiros – um ex-colega da
Faculdade de Direito de S. Paulo governou o Rio Grande do Sul por 25 anos. Na
história republicana brasileira, nenhum Governador exerceu o cargo por tanto
tempo.
http://www.facebook.com/profigestao
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