sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

A Guerra Entre Portugueses e Brasileiros

 

Quanto Tempo Durou a Guerra Pela Independência do Brasil? Quais Foram as Suas Consequências? Como o Brasil de D. Pedro Pretendia se Defender das Forças Portuguesas? Qual Era o Tamanho do Exército e da Marinha Brasileira Naquela Época?

 

 


 Brasileiros e portugueses que hoje se encontram nas padarias de São Paulo, tomam cerveja juntos nas praias de Natal, confraternizam nos jogos do Vasco da Gama no Rio de Janeiro ou se encantam com as mesmas novelas de TV transmitidas nas duas margens do Atlântico e não fazem ideia do clima de ódio que envolveu esses dois povos, no ano da Independência do Brasil.

Enquanto na metrópole e em sua antiga colônia crescia a radicalização, nas ruas as pessoas eram caçadas a golpes de porretes, pontapés ou até assassinadas a sangue frio. Na semana do “Fico”, bandos de portugueses armados percorriam as ruas do Rio de Janeiro em desafio aos brasileiros que apoiavam a decisão do príncipe regente de contrariar as cortes de Lisboa e permanecer no Brasil.

Em 21 de Março de 1822, oficiais e soldados lusitanos foram vaiados e obrigados a fugir sob uma saraivada de pedras disparadas na Baixa dos Sapateiros (Salvador, BA), os quais revidaram quebrando vidraças e lanternas nas ruas ou se entrincheirando nas casas e edifícios públicos de armas na mão.

Enquanto isso, uma guerra paralela – sem armas – ocorria nos jornais e cartórios, sendo marcada por atitudes simbólicas como a troca de nomes portugueses por denominações indígenas de árvores e animais silvestres, a fim de sinalizar a adesão à causa brasileira.

O Padre Antônio de Souza, por exemplo, avisava que dali por diante seria conhecido por Antônio Cabra-Bode. O mestre Joaquim José da Silva passou a assinar Joaquim José da Silva Jacaré e, o piloto José Caetano de Mendonça, acrescentou “Jararaca” ao seu sobrenome.

Um mito sobre a Independência diz respeito ao caráter pacífico da ruptura com Portugal. Por essa visão, tudo teria se resumido a uma negociação entre o rei D. João VI e seu filho D. Pedro com escaramuças isoladas e sem vítimas.

É um erro, pois a guerra da independência foi longa e desgastante e durou 21 meses – entre fevereiro de 1822 a novembro do ano seguinte. Nesse período, milhares perderam a vida e o número de combatentes foi maior do que o das guerras de libertação da América espanhola na mesma época.

Não existem estatísticas confiáveis a respeito do o número de mortos, mas as evidências indicam ter sido maior do que se imagina. No Piauí, por exemplo, entre 200 e 400 brasileiros tombaram em combate na Batalha do Jenipapo em 13 de março de 1823. Na Bahia, 200 a 300 pessoas morreram em Salvador entre os dias 18 e 21 de fevereiro de 1822.

A soma desses números imprecisos com informações vagas sobre enfrentamentos em outras regiões torna razoável supor que a Guerra da Independência custou entre 2.000 e 3.000 vítimas. É uma cifra relativamente baixa quando comparada aos 25.000 mortos da guerra da independência dos Estados Unidos, de 1775 a 1783.

A guerra foi travada em duas frentes simultâneas. No Sul, as tropas portuguesas resistiram mais de um ano em Montevidéu, capital da província Cisplatina, então parte do império brasileiro.

A outra frente se estendeu pelas regiões Norte e Nordeste, cujas províncias se dividiram em 1822. Fortes redutos de comerciantes portugueses, Pará e Maranhão ignoraram o Grito do Ipiranga e declararam apoio às cortes de Lisboa. Piauí e Alagoas também permaneceram obedientes a Portugal por algum tempo.

Rio Grande do Norte e Ceará mergulharam em um período de confusão, do qual saíram fiéis ao Rio de Janeiro. Pernambuco relutou, mas aderiu à causa de D. Pedro. No entanto, a sorte da Independência se decidiria na Bahia, posição estratégica escolhida pelos portugueses para resistir.

A ruptura formal aconteceu no começo de 1822, quando as cortes declararam D. Pedro e seus ministros rebeldes e começaram os preparativos para atacar. Em 17 de junho, o representante brasileiro em Londres (Felisberto Caldeira Brant Pontes) comunicou ao governo do Rio de Janeiro que 600 homens e quatro navios tinham partido de Lisboa para a Bahia.

Em 20 de agosto, um relatório anunciava a partida de 1.500 soldados a bordo de uma reforçada esquadra, que incluía o navio D. João VI com 74 canhões. Em 18 de setembro, uma terceira expedição estava sendo preparada com 2.000 homens.





Ao tomar conhecimento de notícias tão alarmantes, os brasileiros se prepararam para a guerra e, em 1º de agosto de 1822, D. Pedro e seu ministério declararam “inimigas” as tropas que fossem enviadas de Portugal para o Brasil. Lanchas e navios portugueses capturados deveriam ser incendiados ou afundados.

O príncipe determinava a fortificação dos pontos mais vulneráveis e recomendava que, em caso de desembarque das tropas inimigas, as autoridades deveriam recolher à “crua guerra de postos e guerrilhas” mediante a retirada das populações para o interior, até a vitória final. Em 11 de dezembro, um decreto confiscou todos os bens dos portugueses.

Devido à demora nas comunicações com a Europa, a guerra nos primeiros meses envolveu um jogo de esconde-esconde, repleto de boatos. A única certeza era que tanto Portugal quanto o Brasil se encontravam em estado de penúria, com os cofres públicos vazios e sem dinheiro para pagar oficiais e soldados.

Porém, nesse confronto de esfarrapados, Portugal tinha uma vantagem inicial. Era um país centenário, organizado e reconhecido pelos seus vizinhos europeus, que lhe poderiam hipotecar apoio político ou ceder empréstimos.

Essa organização se estendia sobre o Brasil, cujas Forças Armadas ainda eram portuguesas até às vésperas da Independência. Toda a linha de comando – composta em sua maioria por oficiais nascidos em Portugal – respondia às ordens de Lisboa.

O Brasil, ao contrário, começava tudo do zero, pois até 1822 não tinha Exército nem Marinha de Guerra. O próprio governo, que acabara de se constituir com José Bonifácio à frente do ministério, funcionava de forma desorganizada e improvisada.

O novo governo sabia que o domínio dos mares seria crucial para assegurar a independência. Era uma lição que os colonos norte-americanos tinham aprendido e se revelou decisiva na guerra contra a Inglaterra.

Em 1775, antes da declaração de independência, uma das primeiras providências do Congresso dos EUA foi ordenar a construção de 13 cruzadores com poder de fogo suficiente para enfrentar a poderosa Marinha britânica. A força naval constituiu-se desde então no pilar estratégico mais importante da defesa americana.

O Brasil não tinha nada disso, pois D. Pedro podia contar com no máximo 8 navios de guerra confiáveis com um total de 200 canhões, enquanto que os portugueses tinham 14 embarcações equipadas com o dobro de armamento.

Além disso, controlavam Salvador que era o principal polo da indústria naval portuguesa, até então. No Rio de Janeiro, as instalações navais – e um número considerável de embarcações portuguesas – haviam caído em poder dos brasileiros.

Tudo isso encontrava-se em adiantado estado de abandono, com fortificações em ruínas, navios semiapodrecidos, cordas e madeirame carcomido pela craca e outros vermes marinhos. Listas começaram a percorrer o país com o objetivo de recolher fundos para a compra de navios, armas e munições. O Imperador e a Imperatriz fizeram as primeiras doações e esta era a primeira vez que os brasileiros se mobilizavam em torno de uma causa comum.

Infelizmente, só vontade e sacrifício não eram suficientes para vencer Portugal, pois além de precisar de um número bem maior de navios, o Brasil enfrentava uma dificuldade adicional. Ou seja, faltavam oficiais e marinheiros para comandar as embarcações.

Nessa época, havia no Brasil cerca de 160 oficiais de marinha e quase todos eram portugueses, vindos junto com a corte de D. João em 1808 e não confiáveis. O exército brasileiro herdou a estrutura das forças portuguesas da época da colônia e, as tropas de 1ª linha, formadas por militares profissionais, eram dominadas por oficiais fiéis a Portugal.

As outras duas – de 2ª e 3ª linhas – eram forças reservas, constituídas por milícias e ordenanças e só convocadas nas emergências. Não recebiam soldo e faziam parte dos bandos de jagunços ou seguranças que os coronéis locais mantinham em suas fazendas. Embora fossem leais à causa brasileira, tinham a desvantagem de serem mal treinadas e estarem dispersas pelo território brasileiro.

Além disso, em todo Brasil predominava uma enorme aversão ao serviço militar, pois os soldados eram recrutados arbitrariamente pelos coronéis e capitães do mato. O pavor pelo serviço militar entre a população pobre do interior era tanto que, muitos jovens amputavam dedos dos pés e das mãos, na tentativa de fugir ao recrutamento.

Sem tempo, dinheiro e condições de construir navios, treinar e recrutar homens em território brasileiro, a solução foi procurar reforços na Europa. O momento era favorável a essas iniciativas, pois com o fim das guerras napoleônicas, os países europeus eram um celeiro de bons oficiais, marinheiros e navios militares. Foi nesse cenário que o brasileiro Felisberto Caldeira Brant começou sua pescaria.

As ofertas brasileiras não eram das melhores, pois um tenente receberia oito libras esterlinas por mês, um terço a menos do que ganhava na Marinha britânica. Em compensação, teria um contrato de – no mínimo – cinco anos e, ao final dele, se voltasse à Inglaterra, teria uma pensão vitalícia equivalente à metade do salário na ativa.

Em setembro de 1822, Brant informou que um oficial britânico tinha lhe oferecido duas fragatas com armamento, oficiais e marinheiros. José Bonifácio mandou compra-las e, um mês mais tarde, comprou mais 4 pagando com empréstimos ou bônus do Tesouro Nacional.

Isso deu algum fôlego às esperanças brasileiras, mas apresentavam um novo problema, pois em 1819, a Inglaterra havia criado uma lei proibindo que seus cidadãos prestassem serviços a governos estrangeiros como mercenários.

Previa punições para os infratores como para os países envolvidos nessas contratações e, sendo a Inglaterra a principal potência militar e econômica do planeta, todo cuidado era pouco. Medidas semelhantes foram adotadas na Áustria, na Prússia e na Suíça. Para burlar essas leis, os brasileiros passaram a recrutar os mercenários sob o disfarce de “colonos agricultores”.

A Guerra da Independência foi decidida pela bravura dos patriotas brasileiros e dos colonos e mercenários estrangeiros, mas também por uma mudança abrupta da política portuguesa. Em julho de 1823, chegaram notícias de que as cortes constitucionais de Lisboa haviam sido destituídas numa rebelião comandada pelo infante D. Miguel, irmão mais novo de D. Pedro.

Como resultado, o rei D. João VI estava novamente restituído aos seus poderes de monarca absoluto e, para os adeptos do constitucionalismo português, isso foi um balde de água fria. Essa inesperada reviravolta na antiga metrópole significava que estavam entregues à própria sorte e, a partir daí, não receberiam mais apoio militar, financeiro ou político do outro lado do Atlântico.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, o governo de D. Pedro I se fortalecia a cada nova vitória militar ou adesão nas províncias resistentes. Nesse mesmo mês, os portugueses evacuaram Salvador, onde tinham resistido por um ano e, em seguida, foi a vez do Maranhão e do Pará aderirem ao Brasil monárquico e independente.

A história da rendição portuguesa das províncias do Norte e Nordeste foi marcada pela presença do Almirante Lorde Thomas Cochrane – um escocês louco por dinheiro e um herói maldito da Independência do Brasil.



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