Galeno Foi o Mais Influente dos
Antigos Escritores da Ciência? Por Que Todos os Médicos Progressistas Deveriam
Aprender Hipócrates? Como Galeno Efetuara Suas Anatomias Já Que Era Proibida a
Dissecação de Cadáveres?
Durante 1500
anos, a principal fonte
do saber dos médicos a respeito do corpo humano não foi o próprio corpo
humano, pois eles preferiam depender das obras de um antigo médico grego. O
“saber” era a barreira para o saber e a clássica fonte se tornou um obstáculo
reverenciado.
De todos os
antigos escritores da ciência (exceto Aristóteles e Ptolomeu), nenhum foi mais
influente do que Galeno (c. 130-200). Nascido de pais gregos começou a estudar
medicina aos 15 anos e, depois de trabalhar sob a tutela de professores de
medicina em Alexandria, aos 28 anos regressou à sua Pérgamo para se tornar
médico dos gladiadores.
Numa época em
que os cadáveres para dissecação eram tabus, aproveitou essa oportunidade para
aprender com o que via dentro das feridas dos gladiadores. E, quando se
transferiu para Roma, curou vários enfermos, deu lições públicas de Medicina e
se tornou físico da corte do Imperador Marco Aurélio. Consta que ele escreveu
500 tratados em grego sobre anatomia, fisiologia, retórica, gramática,
dramaturgia e filosofia.
Embora as
obras de Galeno fossem prolixas, ele suplantou seus competidores compilando e
organizando seus conhecimentos clínicos dos médicos mais antigos que o tinham
precedido. Mas, não se limitou a ser um mero compilador, pois ele formulou a
sua própria filosofia de procedimentos clínicos. Vangloriava-se, dizendo que “desde
cedo desprezei a opinião da multidão e ansiei pela verdade e pelo saber,
acreditando que não existia, para o homem, bem mais nobre ou mais divino”.
Segundo
Galeno, como o saber era cumulativo, o médico progressista deveria aprender
Hipócrates e outros grandes predecessores. O notável progresso da medicina era
como o imperativo aperfeiçoamento das estradas romanas ao longo dos séculos. Os
antigos tinham assinalado os caminhos e feito os primeiros cortes através do
matagal e, depois, cada geração foi construindo diques e acrescentado
superfícies de pedra.
Galeno
instigou seus colegas a aprender com as experiências e, ao mesmo tempo, se
concentrarem no saber útil que curaria os enfermos. Ele fez um estudo da
pulsação e demonstrou que as artérias não transportavam ar, mas sangue. Tinha
fama de ser brilhante para diagnosticar e até escreveu um estudo sobre o
fingimento de doenças.
Na sua obra
mais importante (“Da Utilidade das Partes do Corpo”) ele descreve cada membro e
órgão, explicando como foi concebido para desempenhar seus objetivos
específicos. Mesmo quando se apoiava em Aristóteles, Galeno instiga o leitor a
precaver-se da medicina pedante: _ “Se alguém deseja observar as obras da
Natureza, deve depositar sua confiança não em livros de anatomia, mas nos seus
próprios olhos, e procurar a mim ou consultar um dos meus colegas ou praticar
exercícios de dissecação; mas, enquanto se limitar a ler será mais provável que
acredite em todos os antigos anatomistas”.
Por uma
ironia da história, enquanto os livros de Galeno se tornavam textos sagrados,
seu espírito foi esquecido. Durante séculos, o “galenismo” seria o
dogma dominante dos médicos. Assim como os
textos de Aristóteles se tornaram a base da filosofia escolástica, as obras
de Galeno criaram a medicina escolástica.
Algumas de
suas obras em grego provavelmente já estava traduzidas em latim no século VI e,
com o advento do poder árabe no Mediterrâneo e a ocupação da Espanha, os textos
de Galeno chegaram à Europa ocidental. Daí, no século XI o galenismo estava
dogmatizado. O aristotelismo continuava a ser dominado pelas palavras de
Aristóteles, mas o galenismo era composto pelo Galeno original e pelos textos
árabes, com os comentários através dos quais ele chegou ao Ocidente.
Na mesma
altura em que cristãos europeus viajavam pelo Mediterrâneo em cruzada contra
infiéis muçulmanos e queimavam heréticos e judeus, médicos cristãos da Europa
curavam os males do corpo pela sabedoria de médicos muçulmanos e judeus
modernos.
O
Renascimento, a quem atribuímos o crédito do nascimento da ciência moderna,
teve consequências contraditórias e não previstas. Poucas obras
científicas de Galeno eram conhecidas na Europa antes do século XIV e a
sua mais importante sobre anatomia não estava traduzida e, por isso, não se
encontrava ao alcance no Ocidente antes do Renascimento.
A primeira
tradução latina impressa de grande parte de sua obra data de 1476. De uma
impressora em Veneza saiu a 1ª edição grega de Galeno (1525). Médicos europeus
tinham pela 1ª vez as suas próprias cópias dos textos do seu mestre, na língua
original. Os impressores que comercializavam esses textos reforçavam a
ortodoxia galênica. O produto da sua colaboração não foi ciência médica e,
tampouco a experiência, mas sim o pedantismo.
Jacob Sílvio
– principal professor de Anatomia da Faculdade de Medicina de Paris – ensinava
que Galeno sempre tinha razão. Seu estudo de medicina era uma procura do que
Galeno realmente queria dizer e, para ele, “anatomia era um ramo da
filosofia clássica”. Os debates médicos começaram a se parecer com os
sofismas dos teólogos sobre o significado das palavras das Escrituras.
Até
professores de medicina renascentistas mais atualizados procuravam a sua imagem
do corpo humano no espelho da Antiguidade. A renovação de Galeno era apenas um
polimento desse espelho. Por exemplo, Thomas Linacre, médico de Henrique VIII,
doutor em Medicina e fundador do Royal College of Physicians, viu reforçada a
sua reputação médica por ter traduzido seis obras de Galeno do grego para o
latim.
Mas, a maior
parte do que Galeno descobriu era o que nunca viu. A grande autoridade sobre
anatomia humana, cuja palavra sagrada como o Evangelho durante 1500 anos,
provavelmente efetuara estudos de corpos humanos, mas nunca dissecara um
cadáver. Segundo ele próprio, apenas em duas ocasiões pudera estudar toda a
estrutura óssea do corpo humano.
Como o
costume romano proibia a dissecação do corpo humano, Galeno efetuara todas as
suas anatomias em macacos (para anatomia externa) e porcos (interna) e, depois,
projetava o que descobria na anatomia do corpo humano. Não fazia segredo e
escrevia sobre os tempos antigos que a dissecação era permitida. Ele admitia
que “o que encontrava em outros animais semelhantes ao homem, se encontrava
também no homem”. Gerações de médicos que fizeram de Galeno a sua fonte de
conhecimento anatômico aceitaram entusiasticamente
essa deficiência crucial dos materiais do mestre.
O
Cristianismo teve uma influência curiosamente diversa no advento da anatomia,
pois a crença cristã numa alma imortal e o desprezo pelo corpo como mera casca
que se despia quando se morre, não encorajavam qualquer interesse apaixonado
pela anatomia humana. Ao mesmo tempo, essa separação do corpo físico da alma
acabou por tornar mais fácil do que fora no Egito ou em Roma a autorização para
dissecar cadáveres.
O Islã jamais
aceitou a dissecação de corpos e, do século VIII ao século XIII, o conhecimento
anatômico dos médicos muçulmanos era meramente “Galeno vestido de muçulmano”.
Quando os melhores médicos árabes corrigiam a anatomia de Galeno, não o faziam
metodicamente, mas por acaso ou sorte. Por exemplo, um médico árabe que viajava
pelo Egito no século XIII, encontrou esqueletos humanos acumulados durante uma
epidemia de peste e, ao examiná-los, pôde corrigir a descrição incorreta de
Galeno da mandíbula humana.
Mesmo na era
de Galeno, um observador determinado como Leonardo da Vinci podia escrever o
que ele conseguia ver. Ele tencionava escrever sobre anatomia, pintura,
arquitetura e mecânica, embora não tenha publicado nenhum deles. Mas, após a
sua morte foram compilados – a partir de seus apontamentos – uma obra sobre
pintura e outra sobre o movimento e a medição da água.
Se ele
tivesse completado seu estudo anatômico a ciência médica poderia ter progredido
mais rapidamente. Mas, Leonardo raramente completava alguma coisa e após sua
morte 5000 páginas de manuscritos foram dispersas como artigos de
colecionadores. Todas revelavam a miscelânea do seu pensamento e o alcance da
sua curiosidade como, por exemplo, quando ele começava a desenhar uma curva,
acabava em um exercício na geometria das curvas. Um desenho de cabelos
encaracolados acabava em ervas enroladas numa flor de jarro e, esboços de
árvores abaixo de nuvens curvilíneas, acabavam em ondas de água.
Leonardo
exercitava o seu engenho para tornar essas dispersões ainda mais ilegíveis e
inventou a sua própria ortografia, combinando palavras segundo um sistema
pessoal e não empregando qualquer pontuação. A fim de mistificar ainda mais a
posteridade, ele escrevia os caracteres de trás para frente e com a mão
esquerda, de modo que para ler era necessário um espelho.
A anatomia
que compilamos das páginas da sua miscelânea revela que Leonardo da Vinci viu e
registrou o que os outros não viram. Se tivesse reunido suas opiniões e seus
interesses não houvessem distraído, poderia ter-se tornado o sucessor de
Galeno. Aliás, ultrapassou-o secretamente e leu o próprio corpo. As partes do
corpo – dizia – tinham de ser mostradas de todos os lados. As suas vistas não
publicadas do esqueleto humano foram desenhadas de trás para frente e dos
lados.
No entanto,
apesar da sua arte consumada, do seu trabalho e da sua capacidade de
observação, da Vince aumentou apenas o seu próprio conhecimento e pouco o
conhecimento anatômico do seu tempo. Tampouco as suas próprias observações
foram enriquecidas como deveriam ser, pois o fórum público do material impresso
tem um jeito especial para promover o produto, e o trabalho de Leonardo da
Vinci se manteve no domínio privado.
http://www.facebook.com/profigestao
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