quarta-feira, 9 de outubro de 2024

O Microscópio e os Novos Mundos Interiores

 

O Que as Pessoas Procuravam nas Primeiras Utilizações do Microscópio? Por Que a Descoberta do Microscópio Foi Acidental? O Que Revelaram as Primeiras Visões Proporcionadas Pelos Microscópios?




O microscópio foi um produto que vivenciou a mesma era do telescópio. Porém, enquanto Copérnico e Galileu – precursores do telescópio – se tornaram os heróis da modernidade, Robert Hook e Anton Leeuwenhoek (seus correlatos no mundo microscópico) foram relegados ao mundo das ciências especializadas.

Na verdade, tanto Copérnico quanto Galileu desempenharam papéis principais na “batalha” entre a ciência e a religião e seus correlatos não. Sabe-se que o microscópio – como os óculos e o telescópio – já era utilizado bem antes de o princípio da ótica ser compreendidos e que, provavelmente, a sua descoberta foi tão acidental como a do telescópio.

Então, dificilmente o microscópio poderia ter sido concebido por alguém muito ansioso por olhar para dentro de um mundo ainda não imaginado. Pois, ao utilizarem os primeiros telescópios, as pessoas procuravam apenas ampliar os objetos próximos e, por isso, Galileu disse que “com este tubo tenho visto moscas que parecem do tamanho de cordeiros e soube que elas são cobertas de pelos e têm unhas muito pontiagudas, por meio das quais se mantém direitas e caminham sobre vidros”.

Mas, as mesmas desconfianças que tornaram os críticos de Galileu renitentes em olhar através do telescópio, igualmente atormentaram o microscópio. O telescópio era obviamente útil em combates, mas ainda não existiam combates onde o microscópio pudesse ajudar. Na ausência de uma ciência ótica, as pessoas temiam as “ilusões” da ótica.

Esta desconfiança de todos os instrumentos óticos foi o grande obstáculo levantado a uma ciência nesse seguimento. Acreditava-se que qualquer instrumento colocado entre os sentidos e o objeto a ser sentido só poderia induzir em erro as faculdades dadas por Deus.

Em 1665, Robert Hooke publicou sua obra que era uma fascinante miscelânea onde expunha sua teoria da luz, da cor, suas teorias da combustão, da respiração e uma descrição do microscópio e dos seus usos. Mas as suspeitas das ilusões de ótica haveriam de atormentá-lo. O que Galileu fez pelo telescópio, Hook fez pelo microscópio, embora não tenham inventado seus respectivos instrumentos.

Mas, o que Hook descreveu acordou a Europa culta para o maravilhoso mundo interior. Foram 57 espantosas ilustrações desenhadas por ele que revelaram pela primeira vez o olho de uma mosca, a forma do ferrão de uma abelha, a anatomia de uma pulga e de um piolho. As ilustrações de Hook permaneceram nos manuais de ensino até o século XIX.

Do mesmo modo que o telescópio uniu a Terra e os mais distantes corpos celestes num único esquema de pensamento, as vistas proporcionadas pelo microscópio revelaram um mundo minúsculo surpreendentemente semelhante ao que era visto todos os dias em grande escala. O microscópio desbravou continentes nunca antes penetrados e em muitos aspectos, fáceis de explorar.

As grandes viagens marítimas tinham exigido capital vultoso, gênio organizativo e o carisma de um Infante D. Henrique ou de um Cristóvão Colombo ou mesmo um Vasco da Gama. A exploração astronômica exigiu observações coordenadas de pessoas em muitos lugares. Mas, um homem sozinho com um microscópio podia se aventurar pela primeira vez onde não existiam nem navegadores com experiência nem hábeis pilotos.

O holandês Anton van Leeuwenhoek foi pioneiro da nova ciência de exploração de outros mundos. Ele ganhava a vida vendendo seda, lã e algodão e tinha um bom rendimento como presidente do Conselho Municipal. Após a morte do seu amigo íntimo (o pintor Jan Vermeer), ele acabou se tornando curador da sua massa falida.

Anton jamais frequentou uma universidade e, durante os 90 anos de sua vida, só saiu da Holanda duas vezes. Ele não sabia latim e só escrevia em holandês, mas naquela altura já não era mais preciso saber hebreu, grego, latim ou árabe para entrar na comunidade dos cientistas. Pois, cientistas ingleses e holandeses permutavam cordialmente informações e compartilhavam opiniões científicas.

Em 1668, a Royal Society de Londres publicou o trabalho de um fabricante de lentes italiano que, servindo-se de um microscópio, descobriu “um animal mais pequeno do que quaisquer dos vistos até hoje”. Anton foi atraído para uma comunidade científica, onde desfrutou de 50 anos de comunicação com um mundo de colegas invisíveis.

Os negociantes de tecidos (como Anton) utilizavam um óculo para inspecionar a qualidade dos tecidos. Seu primeiro microscópio foi uma pequena lente, desbastada à mão a partir de um glóbulo de vidro e presa entre duas placas metálicas e perfuradas, através das quais se podiam observar o objeto. Anton desbastou 550 lentes, a melhor das quais tinha uma capacidade ampliadora de 500 e uma capacidade de resolução de um milionésimo de um metro.

Fiel às tradições da alquimia, da construção de instrumentos e da cartografia, Anton era de um grande secretismo. O que os visitantes de sua loja viam não era nada comparado com o que ele próprio enxergava com as suas lentes superiores.

A Royal Society de Londres encorajou Anton a comunicar suas descobertas e, como não tinha nenhum programa de investigação, uma carta era o formato ideal para comunicar seus vislumbres das entranhas de tudo. Algumas das primeiras observações se revelaram mais surpreendentes e, se Galileu ficou emocionado quando distinguiu estrelas na Via Láctea e os quatro satélites de Júpiter, mais emocionante foi para Anton descobrir um universo em cada gota de água.

Uma vez de posse de um microscópio, Anton começou a procurar qualquer coisa a fazer com ele e, em setembro de 1674, encheu um frasquinho de vidro com água turva de um lago pantanoso. Quando a colocou sob a lente de aumentar ele descobriu “muitos animais pequenos”. Numa famosa carta enviada à Royal Society concluiu dizendo que “estes pequenos animais eram mais de 10 mil vezes menores que o animal retratado por Swammerdam, o qual deu o nome de pulga de água”.

Tendo descoberto o mundo das bactérias Anton foi avante e, contradizendo os dogmas de Aristóteles a respeito de animais inferiores, declarou que “cada um dos animais tinha o seu complemento completo de órgãos corporais necessários à vida que levava”.

Portanto, não havia nenhuma razão para crer que os pequenos animais, insetos e vermes intestinais nascessem espontaneamente da imundície, do esterco e da matéria orgânica em decomposição. Antes, como a Bíblia insinuava, cada um se reproduzia segundo a sua espécie e era rebento de um predecessor da mesma espécie.

Explorador irreprimível, Anton meteu-se por muitos becos sem saída, explicando o gosto pungente da pimenta pela sua textura microscópica, e o crescimento humano pela “pré-formação” de órgãos no esperma. Mas, ele também abriu perspectivas para a microbiologia, histologia, botânica e cristalografia.

Portanto, sua merecida eleição para a Royal Society encantou-o e assinalou um novo mundo de cientistas sem graus acadêmicos, onde o saber seria promovido não apenas pelos tradicionais zeladores, pois os simples mecânicos e/ou amadores também poderiam desempenhar seu próprio papel.



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