quinta-feira, 12 de setembro de 2024

A Origem do Método Antropológico

 

Qual é o Objeto Empírico da Antropologia? Como se Originou a Disciplina Antropológica? Quais São as Três Grandes Áreas em Que se Divide a Produção Antropológica? O Que é a Antropologia Social e Cultural?




Antes do século XIX, por parte dos cientistas já existia uma grande preocupação com as formas culturais, as quais eram diferentes das formas encontradas na Europa. Nesse momento, aquelas sociedades, que no Século XVIII eram conhecidas como sociedades da natureza, começaram a ser chamadas de sociedades ou culturas primitivas. Esse é o objeto empírico da Antropologia. 

O método consistia em estudar os relatos das viagens onde se descreviam esses diferentes modos de vida. No final do Século XIX, com a incipiente profissionalização da disciplina “Antropologia”, percebeu-se que era necessária alguma forma de controlar esses relatos. Uma dessas formas foi a de que os próprios antropólogos começassem as observações. 

Com isso, começou a se definir o método da Antropologia – conhecido como trabalho de campo – e só estava faltando uma ideia norteadora para os observadores. Essa ideia ficou madura na segunda metade do Século XIX e foi o conceito de evolução. Com ele a Antropologia encontrou uma forma de interpretar a diversidade cultural e, desse modo, estabelecer uma ordem nas culturas diferentes do mundo.

Para completar o contexto histórico-cultural em que se originou a disciplina antropológica temos que lembrar que, na segunda metade do Século XIX, se cristalizou uma nova situação geopolítica no mundo, que é a conquista colonial. Em 1885 se assinou o Tratado de Berlin, no qual as nações europeias dividem o continente africano e o resto do mundo entre si. 

Na definição mais geral de Antropologia, talvez a clássica, é entendida como o estudo do homem. Mas podemos nos perguntar: qual é a especificidade da Antropologia? Dado que a Psicologia, a Medicina, e todas as Ciências Humanas têm como objetivo o estudo do homem, de algum ponto de vista especifico, qual é o objeto da Antropologia? 

Alguns estudiosos afirmam que o objeto da Antropologia é o estudo do outro, das culturas chamadas na época de primitivas. Mas, o interesse não está meramente em entender como elas percebem o mundo, qual é a visão do mundo dessas culturas. 

A Antropologia sempre busca um retorno reflexivo; se buscarmos entender como elas percebem o mundo é porque acreditamos que podemos aprender alguma coisa de nós mesmos com elas. Perceba que é a relação, acima de tudo, entre nós e elas, que está em jogo na Antropologia. A percepção que temos de nós mesmos é mudada quando nos percebemos em relação aos outros; quando ao observar que os outros podem fazer as mesmas coisas, mas de forma diferente, nos indagamos sobre as nossas próprias maneiras. 

Por exemplo, pensem em que há de “natural” em comer com garfo e faca? Ou em dormir em camas? Ou ainda em escovar os dentes após as refeições? Isso é mais natural que comer com as mãos ou do que dormir em redes ou de não escovar os dentes? É “natural” para nós, mas é para os membros de uma outra cultura? – Os Bororós do parque do Xingu, por exemplo? 

Outro exemplo: há um costume em diversas culturas indígenas chamado de couvade. Ele consiste em que no momento em que uma mulher fica grávida, o pai da criança tem que cumprir os mesmos tabus rituais que a mulher, ficar em casa deitado, repousando, por exemplo. É uma forma de expressar para a sociedade que ele é o pai. Já pensaram as consequências de tal costume na nossa sociedade? Essa não seria uma forma “natural” de viver uma gravidez para nós.

Assim, podemos começar a pensar numa definição de Antropologia como o estudo do outro em relação a nós. Essa relação nos permite pensar em uma das dimensões fundamentais da Antropologia que é a dimensão comparativa. Sempre estamos comparando as culturas, não para dizer que uma é melhor que a outra, mas para poder perceber a diferença. É na relação de contraste, de comparação, que percebemos a alteridade. 

Assim poderíamos dizer que a Antropologia busca produzir um conhecimento sobre nós, mas através do desvio pelo outro. O que estuda a Antropologia são diferenças e essas diferenças só são acessíveis através da relação. Podemos, agora, nos perguntar: quais são os elementos que a Antropologia relaciona? 

Encontramos quatro níveis de relações: entre os indivíduos, entre as culturas, do homem com a sua cultura e das culturas com o meio ambiente. Já temos vários elementos da definição que são importantes. Entretanto, para completar nossa definição precisamos de mais um elemento importante. 

O homem tem uma característica diferencial em relação a todos os outros animais: ele é ao mesmo tempo um ser biológico e um ser cultural/simbólico.

Por um lado, pertencemos a natureza, somos animais e, de outro, demos um passo fundamental que nos separou para sempre da natureza: inventamos a cultura. Depois desse movimento essencial de separação da natureza, passamos a ter uma diferença radical com o resto dos animais: a cultura.

O que diferencia a perspectiva antropológica sobre o homem das outras ciências humanas, em primeiro lugar, é que a Antropologia busca uma explicação totalizadora do homem, que leve em conta a dimensão biológica, psicológica e cultural; em segundo lugar, a perspectiva antropológica possui uma dimensão temporal muito mais abrangente, abarcando tanto o momento atual quanto o passado da humanidade. 



Assim, já temos todos os elementos para definir a Antropologia. Dessa forma, pode-se dizer que a Antropologia é o estudo do homem buscando um enfoque totalizador que integre os aspectos culturais e biológicos, no presente e no passado, focalizando as relações entre o homem e o meio, entre o homem e a cultura e entre o homem com o homem. 

Como é impossível para um antropólogo ter hoje conhecimento de toda a produção que existe na Antropologia? O efeito totalizador que busca o saber antropológico se alcançaria ao relacionar o conhecimento produzido. Ainda, como no processo de estruturação da Antropologia se desenvolveram problemas e técnicas de pesquisas diferenciais é necessário que sejam determinadas diferentes áreas de produção do conhecimento. 

Assim, podemos reconhecer três (3) grandes áreas em que se divide a produção antropológica: Antropologia Biológica, Antropologia Social e Cultural e Arqueologia. Assim temos duas divisões centrais, uma temporal, presente e passado, e outra fundamentada nas duas dimensões constitutivas do homem, a natureza e a cultura. 

A Antropologia Biológica consiste no estudo das variações dos caracteres biológicos do homem no espaço e no tempo. Sua problemática é a das relações entre o patrimônio genético e o meio geográfico, ecológico, social; divide-se entre uma preocupação com o passado, que é o objeto do estudo da evolução humana, através do registro de fósseis e métodos de análise das variações genéticas entre as populações; esta dimensão da pesquisa da antropológica abrange o processo de modificação genética das populações.

Na dimensão do presente, a Antropologia Biológica estuda os processos de adaptação extragenética, analisa as particularidades morfológicas e fisiológicas ligadas ao meio ambiente, bem como a evolução destas particularidades. Ela levará em conta os fatores culturais que influenciam o crescimento e a maturação do indivíduo inserido em um determinado contexto. 

A diferença com o estudo da evolução humana é que as transformações aqui estudadas produzem transformações passageiras; por exemplo podemos pensar na adaptação à altitude. É sabido que nas regiões onde a altitude é elevada, o ar é rarefeito, ou seja, há pouco oxigênio no ar; em consequência disso nosso organismo tem que produzir modificações para solucionar o problema causado por esse ar rarefeito. 

Como isso ocorre? Produzindo mais glóbulos vermelhos, que são os encarregados do transporte do oxigênio no organismo. Uma vez que voltamos para regiões onde a altitude é no nível do mar, já não necessitamos mais dessa cota suplementar de glóbulos vermelhos. Por essa razão, o organismo não vai produzi-los na mesma quantidade. 

Para melhor visualizar esse exemplo pensemos nos jogos de futebol na Bolívia. Alguns times de futebol chegam com alguns dias de antecedência para que o organismo dos jogadores se adapte à altitude. Viram? A Antropologia Biológica se relaciona com campos surpreendentes, como o futebol. 

Na sua dimensão cultural, também encontramos a mesma diferenciação entre o passado e o presente. A Arqueologia, em alguns contextos chamada também de Antropologia Pré-Histórica (escolheremos chamá-la de Arqueologia, porque esse termo remete a uma temporalidade maior do que a Antropologia Pré-Histórica), é a encarregada de estudar os vestígios materiais das culturas desaparecidas, tanto em suas técnicas e organizações sociais quanto em suas produções culturais e artísticas. 

Dizemos que a Arqueologia estuda as culturas e não as sociedades do passado porque as sociedades seriam as redes de relações que se estabelecem entre os indivíduos e os grupos e isso não deixa “vestígios”; entretanto, a cultura material, isto é, os utensílios, as artes, as construções, permanecem depois que aqueles que as fizeram desapareceram (DAMATTA, 1981).

Contudo, sabemos que os objetos materiais são, de alguma forma, a expressão das redes de relações sociais, logo, são vestígios de uma sociedade. Se avançarmos do estudo do passado para o presente da dimensão cultural, entramos no campo de estudos da Antropologia Social ou Cultural; o objeto desta área da Antropologia são as formas em que as sociedades percebem o mundo e como organizam o seu cotidiano.

A Antropologia Social e Cultural estuda a cultura de um grupo tanto na sua dimensão instrumental, chamada de cultura material, que se refere às coisas que os homens produzem e com as quais intervêm na natureza, quanto na sua dimensão cosmológica-cognitiva-organizacional, que abrange os sistemas de ideias e de valores, através dos quais se organiza a percepção do mundo. 

Esta dimensão diz respeito aos elementos ideológicos que compõem a definição de cultura (que posteriormente estudaremos), a saber, a língua, a religião, o sistema de direito, etc. A parte organizacional da Antropologia Social e Cultural diz respeito às formas que os grupos humanos concebem para estabelecer a circulação dos indivíduos no seu interior, isto é, as regras de casamento e de parentesco, as divisões em grupos menores como clãs e linhagens. 

Em outras palavras, a Antropologia Social e Cultural diz respeito a tudo que constitui uma sociedade: seus modos de produção econômica, suas técnicas, sua organização política e jurídica, seus sistemas de parentesco, seus sistemas de conhecimento, suas crenças religiosas, sua língua, sua psicologia, suas criações artísticas, suas técnicas, etc.

Para terminar com esta diferenciação das áreas da Antropologia temos que nos referir rapidamente por que denominamos a dimensão cultural no presente como Antropologia Social e Cultural. Basicamente, é uma diferenciação derivada de interesses distintos das escolas antropológicas inglesa e americana. 

Os antropólogos ingleses se interessaram pela organização social e política dos grupos que estudavam, e sendo assim, focaram seus estudos na ideia de sociedade, por isto a escola foi chamada de Antropologia Social (embora alguns, como Malinowski, tenham utilizado na sua produção o conceito de cultura). Já os americanos se interessavam pelas variações culturais, pela sua difusão e como os indivíduos são moldados pela cultura; por isto se denominou a essa escola como Antropologia Cultural ou Culturalismo.


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