Como Eram
Considerados o Frio e o Calor na Idade Média? Qual Foi a Contribuição de
Santório ao Estudo da Temperatura Humana? Como Era o Higrômetro Inventado Por
Santório?
Por volta de 1650, através de alguns
estudiosos do assunto, a Europa medieval percebeu que não era nada
extraordinário pensar a respeito de calor e frio. Para eles, quente e frio,
seco ou úmido eram distinções ao tato humano. Segundo os gregos, essas qualidades
se combinavam para formar a terra, o ar, o fogo e a água.
Assim como tratamos odores (ou
sabores) como diferentes espécies, assim ocorria com a temperatura. Em inglês,
a palavra “temperature” (do verbo “to temper” = misturar ou
manter as devidas proporções) tinha diversos significados, nenhum dos quais era
absoluto ou quantitativo.
As evidentes diferenças de calor e
frio eram relativas ao clima e ao tempo e, a ideia de que podia haver uma
escala de calor, foi aplicada pela 1ª vez ao tempo. Em verdade isso convinha às
zonas ptolomaicas à volta da Terra e, a noção de graus de calor, apareceu antes
dos instrumentos para sua medição. Galeno tinha sugerido que “4 graus de
calor e frio podiam ser medidos em ambas as direções, a partir de um ponto
neutro, definido pela mistura de quantidades iguais de gelo e água fervida”.
Até existir uma forma de medir a
temperatura do corpo, acreditava-se que as temperaturas do corpo variavam
conforme as diferentes partes do Mundo. Quem vivia nos trópicos deviam ter uma
temperatura mais quente dos que viviam em climas mais frios. O mais antigo
livro europeu sobre matemática médica apresenta o 1º problema: _ “Como
calcular o grau de temperatura do homem, conforme sua idade, época do ano,
latitude e outras influências?”
O autor apresentava uma tabela
indicando o quanto de calor (ou frio) esperar de uma pessoa que vivesse em
certa latitude, a fim de que o médico pudesse adaptar a “temperatura” dos
remédios. Sabemos que Galileu fez um instrumento para medir mudanças má
temperatura do ar, mas a primeira utilização registrada da palavra “termômetro”
em inglês descreve-o como “um instrumento para medir os graus de calor e
frio do ar”.
As variações de temperatura foram
notadas bem antes das variações da pressão barométrica que esperaram pela
descoberta de que o ar tinha peso. No entanto, as escalas desses instrumentos
ainda eram confusas. Na Inglaterra, a descoberta de que mudanças verificadas no
ar fariam um líquido subir (ou descer) em um tubo, deu origem a um “vidro do
tempo”, o qual depressa se tornou um produto de fabricantes de vidro e
instrumentos.
Assim como Colombo seguiu o rumo
assinalado por Ptolomeu, Santório ([1]) percorreu os caminhos
de Galeno, pois ele estava convencido de ter descoberto técnicas quantitativas
que poderiam confirmar Galeno e tornar o esquema clássico mais útil. Conforme a
classificação galênica das doenças, havia para cada pessoa uma escala de
perturbações, indo da mistura certa de humores até à pior mistura possível que
causava a morte. Santório calculou que todas as composições possíveis de
“humores” atingiam cerca de 8 mil, significando que deveria haver outras
possíveis “doenças” e, antes do fim da sua vida, seu interesse pela medição e
pela contagem conduziu-o muito além de Galeno.
Santório nasceu de uma família
aristocrática de Veneza, onde a luta contra a ortodoxia do Papa mantinha as
ideias efervescentes. Cidadãos respeitáveis apresentavam conceitos que
exigiam um espírito rebelde e audacioso das pessoas e, o pai de Santório, nobre
rico, era chefe do Arsenal de Veneza e sua mãe herdeira de títulos de recursos.
Como era de costume, deram ao seu primogênito o apelido da família como nome
próprio. Aos 14 anos Santório entrou para a Universidade de Pádua a fim de
estudar filosofia, recebendo a licenciatura médica aos 21 anos, em 1582. Foi
para a Croácia como médico de uma família nobre, aproveitando a oportunidade
para experimentar a sua escala de ventos e o seu instrumento para medir
correntes de água.
Santório acreditava, com toda razão,
que inventara um novo ramo da medicina – que chamou de “medicina estática”,
do grego “arte de pesar”. Seu livro (Arts de Medicina Statica)
publicado em Veneza em latim, inglês, italiano, francês e alemão. Os médicos
antigos foram o ponto de partida de Santório, que apoiou seu trabalho nos
deles.
Nas suas primeiras obras pretendia “combater
os erros da arte da medicina”, utilizando sua própria experiência para
corrigir as obras médicas de Hipócrates, Galeno e Aristóteles. Quando enviou
seu livro ao seu amigo Galeno, na carta explicava seus dois princípios: _ “O
primeiro, enunciado por Hipócrates, é que a medicina é a adição e subtração,
adicionando o que é deficiente e subtraindo o que é supérfluo e, o segundo
princípio, é a experimentação”.
O termoscópio que Galileu utilizou
para observar mudanças de calor no ar, foi adaptado por Santório para medir
mudanças térmicas dentro do corpo. “O paciente agarra o bolbo ou respira
para ele por um capuz, ou mete o bolbo na boca de modo que possamos saber se
ele está melhor (ou pior), para não sermos induzidos ao erro no conhecimento do
prognóstico ou da cura”.
Quanto tempo deveria o paciente
agarrar o bolbo ou respirar para o capuz? Ou manter o bolbo na boca a fim de
obter-se uma medida adequada da sua temperatura? “Durante dez batidas do
pulso” – explicava ele. Não surpreende que um amigo de Galileu tivesse
concebido esse instrumento de cronometrar, pois os relógios estavam na
infância, os ponteiros de minutos e segundos ainda eram desconhecidos.
E, quando o jovem Galileu observou o
oscilar do candeeiro na catedral de Pisa, cronometrou-o pelo batimento do seu
próprio pulso. Agora, numa engenhosa aplicação inversa do princípio, Santório
descobriu que um pêndulo podia ser utilizado para medir o período do pulso.
Quando Santório descobriu que o
conhecimento da umidade atmosférica era útil no tratamento de doenças, inventou
um higrômetro simples. Esticava-se uma corda horizontalmente em uma parede e
suspendia-se do centro uma bola. O aumento da umidade do ar retesava a corda e
fazia a bola subir e, à medida que ela subia, registrava-se numa escala
inscrita na parede.
Santório estava criando a moderna
ciência do metabolismo, o estudo das transformações que constituíam o processo
da vida. Teve tanto êxito para usar medições a fim de confirmar as teorias
de Galeno, que acabou por destruir o esquema galênico. No sistema de Galeno,
quente e frio, seco e úmido eram qualidades diferentes, eram as únicas
realidades importantes para a saúde e doença humanas.
Mas, quando o calor e o frio foram
medidos na escala de um termômetro, então cada uma das quatro qualidades se
tornou mais ou menos de qualquer outra coisa. Portanto, nas modernas ciências
físicas “quente” e “frio” seriam qualidades secundárias, percebidas em
determinado corpo em determinadas circunstâncias. E, ao transformar os
“humores” galênicos em quantidades, Santório deferiu um golpe mortal na
medicina antiga.
Mas, a sua “Medicina Estática” não
ficou por aí, pois ele abriu uma nova arena para um mundo onde os processos da
vida seriam explicados por quantidades. O que suas observações demonstraram foi
que, quando ele pesava seus alimentos e depois pesava suas excreções, o peso
destas era muito inferior ao daqueles. Ao mesmo tempo, verificou que o peso do
seu próprio corpo era muito inferior do que deveria ser, mesmo deduzindo todas
as suas excreções.
Tinha de haver qualquer outro
processo que consumia o que ele ingeria. Qual? A sua resposta foi a
“perspiração insensível”. Nesse tempo perspiração tinha o significado de
evaporar, transpirar ou exalar. O processo consumidor de alimento que se
operava no corpo era algo ainda não explicado. Durante anos Santório comeu,
trabalhou e dormiu na sua “Cadeira de Pesar”.
Ele tinha a propensão de conceber
outros utensílios como o seu “Trocarte” – uma seringa triangular para extrair
cálculos da bexiga –, assim como outras engenhocas mais complicadas como a sua
cama-banheira (onde o paciente podia ser encharcado com água fria para baixar
ou elevar sua temperatura).
A mente de Santório continuou uma
miscelânea de novo e velho e, ao mesmo tempo que seus ataques à astrologia
provocavam a hostilidade de seus colegas, ele apoiava o sistema copernicano e
concordava com Galileu em astronomia e mecânica com Kepler em ótica. Suas
extravagantes reivindicações de que a “medicina estática” era uma nova técnica
da Medicina galênica não tinham fundamento, mas o seu método quantitativo
tornaria Galeno ultrapassado.
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([1]) Durante 30 anos, Santório tomou o seu peso e o de todos os alimentos e bebidas que ingeriu assim como o peso da sua urina e fezes. Ele comparou o peso do que ingeriu com o das suas excreções, verificando que este último era menor. Formulou a sua teoria da "perspiração insensível" de modo a explicar essa diferença. Embora as suas descobertas tivessem pouco interesse científico, é ainda assim reconhecido pela sua metodologia empírica e famoso pela "cadeira-balança" que construiu para a sua experiência.
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