Como os Gregos
Viam a Terra na Antiguidade? Qual Era a Base do Sistema Heliocêntrico de
Copérnico? Quais Foram as Suas Fontes de Pesquisa? O Que Previa as Datas do
Solstício do Verão e do Inverno?
As
cosmologias antigas utilizavam mitos pitorescos para descrever como os corpos
celestes se moviam. Nas paredes dos túmulos dos faraós – por exemplo –
encontram-se caricaturas coloridas do como o Deus da Terra e o Deus do Ar
sustentava a abóboda do Céu.
Essa visão
mítica não impediu os Egípcios de criarem o calendário mais preciso do ano
solar que existiu durante milênios. Para o egípcio comum, tais mitos tinham
certa lógica e não contradiziam o que ele via todos os dias e noites a olho nu.
Os Gregos
elaboraram a teoria de que a Terra era uma esfera na qual o homem vivia, sendo
o firmamento por cima dela, uma cúpula esférica que segurava as estrelas e as
movimentava. A natureza esférica da Terra era demonstrada por uma experiência
tão natural como o desaparecimento dos barcos que partiam abaixo da linha do
equador.
A natureza
esférica do céu também era confirmada pela experiência de toda gente, a olho
nu. Fora dessa cúpula de estrelas – segundo os Gregos – não havia nada, nem
espaço e sequer vazio.
Para compreendermos
os inícios paradoxais da ciência moderna, devemos nos
recordar que esse belo esquema simétrico, tão ridicularizado nas modernas salas
de aulas, na realidade serviu muito bem tanto ao astrônomo quanto ao leigo.
A
simplicidade, a simetria e o senso comum do esquema faziam com que parecesse
confirmar incontáveis axiomas de filosofia, teologia e religião. E desempenhava
algumas funções de uma explicação científica.
Pois,
ajustava-se aos fatos disponíveis, era um instrumento de previsão razoavelmente
satisfatório e se harmonizava com a opinião aceita sobre o resto da natureza.
O avanço
moderno para o sistema heliocêntrico de Copérnico teria sido difícil de
imaginar se o sistema geocêntrico não existisse, não estivesse lá disponível
para ser revisto. Copérnico não quis modificar a forma do sistema, mudou
simplesmente a localização dos corpos.
É claro que o
tradicional sistema geocêntrico de Aristóteles e Ptolomeu tinha suas fraquezas,
pois ele não explicava as irregularidades nos movimentos dos planetas. Mas os
leigos mal davam por essas irregularidades, pois elas pareciam adequadamente
descritas pelo suposto movimento de cada planeta na sua própria esfera etérea
especial.
Por que
Nicolau Copérnico se incomodou tanto para desalojar um sistema amplamente
apoiado pela experiência quotidiana, pela tradição e pela autoridade? Quanto
mais à vontade nos sentimos na era de Copérnico, melhor vemos que aqueles que
não se deixavam persuadir por ele estavam sendo sensatos, pois as provas
existentes não exigiam uma revisão de esquema.
O que animava
Copérnico não era a força dos fatos, mas sim uma preocupação estética, pois ele
imaginava quanto mais belo poderia ser um novo esquema. Ele tinha uma mente
extraordinariamente lúdica e uma imaginação ousada, embora não houvesse nada de
extraordinário na sua carreira.
Nunca fora
ordenado, mas passou grande parte da sua vida de trabalho instalado no seio da
Igreja e foi ela que lhe possibilitou dedicar-se aos seus diversificados
interesses intelectuais.
Copérnico
nasceu em 1473 na Polônia e quando tinha 10 anos seu pai, um funcionário
municipal, morreu. Seu tio e tutor tornou-se bispo de uma diocese na Polônia e
arranjou maneira de a madre tomar o jovem Nicolau a seu cargo.
Como
astrônomo, Copérnico era um mero amador e não ganhava a vida pela aplicação da
astronomia. Nasceu quando Leonardo da Vinci estava na plenitude da sua carreira
e Miguel Ângelo foi seu contemporâneo.
Nicolau
Copérnico começou a estudar matemática na Universidade da Cracóvia e, depois de
receber a nomeação como cônego da sua cidade, Frauenburg, partiu numa longa
viagem à Itália a fim de estudar direito canônico na Bolonha, medicina em Pádua
e algumas lições de astronomia. Regressando à sua cidade foi médico pessoal do
bispo até a morte deste (seu tio) em 1512.
Copérnico
elaborou sua teoria heliocêntrica como ocupação secundária e somente o
entusiasmo de amigos e discípulos o induziu a publicá-la. Ele tinha a
consciência de que o seu sistema parecia violar o senso comum e, por essa
razão, seus amigos o tinham incitado a publicar sua obra.
O 1º esboço
do seu sistema não foi impresso durante sua vida, pois algumas cópias
manuscritas circularam apenas entre seus amigos.
A sugestão
revolucionária de Copérnico era de que a própria Terra se movia e, se a Terra
se movia ao redor do Sol, então o centro do universo só poderia ser o Sol e não
a terra. Não se tornaria subitamente todo o esquema celeste mais simples se o
Sol, em vez da Terra, fosse imaginado como o centro?
O objetivo
não era criar um novo sistema de física e muito menos novo método científico. A
sua revisão simples – uma Terra móvel que deixava de estar no centro – mantém
intactas as características do sistema ptolomaico e evita a debatida questão
quanto a se as esferas celestes eram imaginárias ou reais.
Assim como
Colombo confiara em Ptolomeu – e em outros textos tradicionais – Copérnico
encontrou suas pistas entre os antigos. Foi buscá-las em Pitágoras, filósofo e
matemático grego do século VI a. C. A adoração pitagórica pelos números
transmitia a astronomia uma mensagem avassaladora, afirmando que “as
próprias coisas são números”.
Eles supunham
que “os elementos dos números eram os elementos de todas as coisas e todo o
firmamento era uma escala musical e um número”. Os pitagóricos ajustavam
toda a disposição do firmamento no seu esquema. No tempo de Copérnico, os
pitagóricos acreditavam que “o único caminho para a verdade era a
matemática”.
Outra fonte
das ideias de Copérnico foi Platão e, embora Copérnico fosse o profeta da
crença científica na soberania dos sentidos, seu “padrinho” foi Platão, o qual
acreditava que “todos os dados fornecidos pelos sentidos eram sombras sem
substância”.
Os
neoplatonistas adeptos de Platão também construíram sua visão do mundo baseados
na matemática ideal. Para eles, os números ofereciam “a melhor visão humana
de Deus e da alma do Mundo”.
O
neoplatonismo, reiniciado no Renascimento – época em que Copérnico nasceu –
retomou o combate contra o espírito frígido dos escolásticos ([1]).
Quando ele estudou em Bolonha, teve como professor Domenico Maria de Novara, um
neoplatonista que atacava o sistema ptolomaico. Na sua obra, Copérnico falava
com a voz de seu professor e colocava-se assim nas fileiras dos neoplatonistas.
Ele dizia que
para explicar os movimentos dos planetas, o sistema ptolomaico exigia “muitas
admissões que pareciam violar o 1º princípio da uniformidade no movimento”.
Assim,
Copérnico acreditava que o seu sistema – o geocêntrico – concordava melhor com
o modo como o Universo devia ser do que o sistema geocêntrico mais antigo.
Acreditava que estava descrevendo as verdades reais de um Universo
essencialmente matemático.
Copérnico
descreveu seu sistema como “hipótese” e, na linguagem ptolomaica, uma hipótese
era mais do que uma mera ideia experimental. Era a proposição fundamental em
que se assentava todo um sistema. Isto significava que as suas proposições
tinham duas (2) qualidades essenciais: _
Primeiro
deviam “salvar as aparências”; ou seja, as conclusões delas extraídas tinham de
concordar com as observações efetivas. Algumas ambiguidades contidas nesta
frase viriam à superfície no século seguinte, quando o telescópio forneceu
“aparências” não visíveis a olho nu.
O segundo
requisito mandava que uma proposição científica confirmasse as ideias básicas
aceitas como os axiomas da física. Por exemplo: _ não deve ser incoerente com o
axioma que todos os movimentos dos corpos celestes são circulares e que cada um
desses movimentos é uniforme.
Embora,
segundo Copérnico, o sistema ptolomaico se ajustasse bem às aparências
observadas, ele não fornecia a uniformidade e a circularidade requeridas. Um
sistema “genuíno” pelos padrões de Copérnico não teria de satisfazer meramente
os olhos, pois ele precisaria agradar também à mente.
Se Copérnico
teve receios de que o seu sistema astronômico lhe valesse a classificação de
herético, tais receios se revelaram infundados não só durante sua vida, mas
também durante ½ século após a sua morte. Seus amigos da Igreja até o incitaram
a publicar seu livro (“De Revolutionibus”) e, na verdade, ele dedicou
sua obra ao Papa Paulo III cuja formação matemática, esperava, lhe despertasse
um interesse especial pelo trabalho.
Os profetas
do protestantismo, Lutero e Calvino, contemporâneos de Copérnico, transmitiam
uma forte mensagem fundamentalista e anti-intelectual. Lutero, por exemplo,
classificou Copérnico de astrólogo arrivista.
“Este tolo
deseja inverter toda a ciência da astronomia, mas a Escritura Sagrada diz-nos
que Josué ordenou ao Sol que ficasse parado, e não a Terra. Falta-lhe
honestidade e decência”.
A Igreja
católica tinha uma visão mais tolerante das especulações da ciência secular e,
depois do século XIV, a Igreja não proclamou oficialmente nenhuma cosmologia
ortodoxa.
Talvez as
leviandades da geografia cristã e as revelações emocionantes da nova idade da
navegação tenham contribuído para isso. Mas, fossem quais fossem as razões de
tal abertura, “De Revolutionibus” foi lido em algumas das melhores
universidades católicas, A Igreja sobrevivera a muitas novidades seculares.
Na astronomia
havia uma prova pública para qualquer sistema. Uma teoria perfeita do
firmamento previa exatamente as datas do Solstício do Verão e do Inverno; isto
é, a chegada do Verão e do Inverno. No tempo de Copérnico, a discrepância do
calendário constituía prova de que a teoria geralmente aceita do firmamento não
era perfeitamente certa.
Quando Júlio
Cesar recorreu ao calendário egípcio para reformar o romano no ano de 45 a. C.,
introduziu o sistema de três anos de 365 dias, seguidos por um ano bissexto de
366 dias. Disso resultava um ano de 365,25 dias, que continuava a ser cerca de
11 minutos e 14 segundos mais comprido do que o ciclo solara efetivo.
Ao longo dos
séculos, a acumulação desse erro – como ocorre com o relógio que se atrasa –
originou a desarticulação do calendário. Consequentemente, durante a vida de
Copérnico, o equinócio que assinala o início da Primavera no hemisfério
setentrional, recuou de 21 de março para 11 do mesmo mês.
Dessa forma,
os agricultores já não poderiam mais depender do seu calendário para semear e
colher suas culturas, assim como os mercadores também não poderiam guiar-se
pelo calendário para assinar contratos de entrega de seus produtos.
O próprio
Copérnico aproveitou essa irregularidade do calendário para tentar alternativas
ao sistema ptolomaico. “Os matemáticos estão tão inseguros quanto aos
movimentos do Sol e da Lua que nem sequer são capazes de explicar a duração
constante do ano sazonal e, certamente, algo deve estar errado numa teoria que
originou tal calendário”.
Entretanto,
as cidades-estados do Renascimento e um comércio marítimo que dava a volta ao
Mundo tinham gerado necessidade de calendários de confiança e, por isso mesmo,
não surpreende que os Papas compreendessem a reforma do calendário.
Mas, quando
pediram a Copérnico que ajudasse esse projeto, ele respondeu que ainda não era
oportuno. Embora o antigo sistema geocêntrico ptolomaico não permitisse
produzir um calendário com o rigor necessário, também ainda não havia provas de
que o seu sistema heliocêntrico desce melhores resultados.
E, com os
fatos então existentes, o esquema de Copérnico acabaria igualmente por não funcionar.
Mesmo assim, os seus conceitos foram utilizados a serviço da Igreja para
ajudarem o Papa Gregório XIII a formular o calendário reformado, o qual ainda é
usado até hoje.
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([1]) Escolástica - Método
de aprendizagem que nasceu nas escolas monásticas cristãs a fim de conciliar a
fé com o pensamento racional.
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