Qual Era o Nível de Conhecimento Árabe Sobre as Ciências da Navegação? Por Que Se Criou o Estereótipo de Que os Árabes Não Eram Navegantes Bem Sucedidos? Como Era a Tecnologia de Construção Naval dos Árabes?
Para alguns pesquisadores
da Antiguidade, se a África era uma península e se havia uma passagem marítima
aberta do Oceano Atlântico para o Índico, então – para eles – também deveria
haver uma passagem marítima do Oceano Índico para o Atlântico.
Os árabes que viviam nas
fronteiras ocidentais do Oceano Índico estavam tão avançados nas ciências
da navegação (astronomia, geografia e matemática) como os seus coevos
([1])
europeus. Então, por que os árabes não utilizaram a passagem marítima para o Ocidente?
Quando Vasco da Gama
chegou à Malabar foi saudado por árabes de Tunes (capital da Tunísia), os quais
eram de uma comunidade de mercadores e proprietários de navios que já dominavam
o comércio em Calecute (importante cidade da Índia). Assim, supõe-se que, muito
antes de ser descoberta uma passagem marítima entre o Ocidente e o Oriente, os árabes
do Norte da África já estavam enraizados na Índia.
Ao que parece, os tabus
de casta impediam hindus de participar do comércio ultramarino e alguns eram
proibidos pela sua religião de passarem sobre água salgada. Entretanto, a
expansão do Islã nas gerações que se seguiram a Maomé, levou o Império
Muçulmano através do rio Indo e até a Índia antes do século VIII e, por isso,
as cidades da costa de Malabar (na Índia) fervilhavam de mercadores árabes.
Esses mercadores árabes
eram comuns na Índia muito antes da expansão do Islã para o interior, mas
depois do profeta Maomé, ao motivo da Cruzada foi acrescentado o motivo
comercial. Em meados do século XIV, constatou-se que mercadores
árabes já eram transportados da costa de Malabar para a China em barcos
chineses. No século IX, em Cantão (importante cidade chinesa), já existia uma
comunidade muçulmana e também existem registros de muçulmanos ao norte da
Coreia.
Da perspectiva europeia
criou-se o estereótipo de que os Árabes nunca foram viajantes marítimos bem-sucedidos
e a história dos Árabes no Mediterrâneo nos fornece algum conteúdo a essa
ideia. O califa Omar – que organizou o poder muçulmano e expandiu o Império
Muçulmano para a Pérsia e para o Egito – tinha tanto temor do mar que negou
autorização ao governador da Síria para atacar o Chipre.
Quando proibiu essa
incursão, Omar expressou a tradicional desconfiança árabe pelo mar. Em arábico
“monta-se um barco” como se monta um camelo e, quando os Muçulmanos chegaram à
praia à volta da Península Arábica, viram o mar como se fosse um deserto a ser
atravessado de caminho para assaltar ou negociar. Aí os árabes raramente se
sentiam em casa.
Mas, até mesmo no Mediterrâneo
os Árabes foram obrigados a fazer-se ao mar e, depois de uma frota bizantina
retornar a Alexandria (em 645 d. C.), tornou-se claro que o Império Muçulmano
não podia passar sem uma marinha. Assim Alexandria se tornou o seu centro
marítimo, um novo quartel-general de treino naval e construção de barcos com
madeira trazida da Síria.
O Império
Arábico-Muçulmano se alastrou para o interior do Mediterrâneo e a Península
Ibérica – onde a Europa quase se encontrava com a África – foi a parte do
continente europeu que caiu sob o domínio muçulmano. Então, foi a força dos
árabes fixados em terra que controlou ambos os extremos do Mediterrâneo, quer
eles tenham dominado o tráfico no seu interior quer não, que moldou o futuro
das viagens marítimas na e da Europa.
Com as exceções das Ilhas
de Chipre, Creta e Sicília os Árabes não precisavam atravessar um mar para irem
de uma parte a outra no seu império. Se os Árabes – que colonizaram e se
expandiram à volta das costas do Mediterrâneo – tivessem sido mais como os
Romanos, competentes e à vontade no mar, a história e até a religião da Europa
poderiam ter sido diferentes. Alexandria talvez tivesse se tornado uma Veneza
muçulmana, mas em vez disso, essa outrora grande metrópole que no seu apogeu
chegou a ter 600 mil habitantes, tinha apenas 100 mil no fim do século IX.
Mas no Mediterrâneo
conquistavam-se e perdiam-se impérios nas águas e aí os barcos eram a espada
dos construtores de impérios. Durante os séculos em que o império de Alá
recuava no Ocidente, o Oceano Índico se manteve pacífico. Foi aí que a aventura
marítima árabe se desenrolou livremente. A personificação dessa aventura (Ibn
Majid, filho de navegadores árabes) alcançou fama como o homem mais sabedor de
navegação no temível Mar Vermelho e Oceano Índico.
Uma providência divina
deve ter acompanhado Vasco da Gama na sua 1ª viagem e, graças a uma espantosa
coincidência, ele conseguiu arranjar um piloto árabe competente e merecedor
de confiança (Ibn Majid) para guiar sua frota através do Índico. O capitão
português nem soube a sorte que teve e tampouco poderia ter passado pela cabeça
de Ibn Majid que, ao entrarem no porto de Calecute, seriam protagonistas de uma
das maiores ironias da história.
Sem saber, o grande
mestre da navegação árabe guiou o capitão europeu para um êxito que viria
traduzir-se na derrota da navegação árabe no Oceano Índico. Pois, historiadores
árabes têm tentado explicar o papel de Ibn Majid dizendo que ele devia estar
bêbado para confiar a Vasco da Gama a informação que o conduziria em segurança
ao seu destino na Índia.
Muito antes de o Infante
D. Henrique ter se aventurado pela costa africana abaixo, os Árabes já
conheciam a costa africana até a Ilha de Madagascar e a menos de 1600 km a
norte do cabo. Aí, no canal de Moçambique eles encontraram o seu cabo Bojador.
O fato que alargou a visão dos muçulmanos foi a peregrinação – o dever que
todos os muçulmanos têm de visitar Meca, antes de morrer.
Mas, embora a tradição da
peregrinação fosse ponto primordial da viagem árabe-muçulmana, não encorajou a
navegação exploratória. Apesar disso, a geografia árabe floresceu e, enquanto
os cosmógrafos europeus repousavam numa sonolência dogmática, os geógrafos árabes
se moviam à vontade nas obras de Ptolomeu, as quais o Ocidente manteve
sepultados durante mil anos. Os árabes começaram a rever Ptolomeu, sugerindo
que o Oceano Índico não era o mar fechado de Ptolomeu, mas que, ao contrário,
ele corria para o Atlântico.
Naquela era anterior à
chegada dos Portugueses, a tecnologia de construção naval árabe no Oceano
Índico era uma curiosa combinação de forças e fraquezas. A vela latina, que os
Árabes levaram para o Mediterrâneo, tornara – pela sua faculdade de navegar contra
o vento – possíveis as aventuras marítimas dos Portugueses. Os árabes foram os
pioneiros no aperfeiçoamento do leme de popa, que tornava qualquer barco mais
manobrável. Eram peritos
na utilização das estrelas para a navegação.
Por razões ainda
desconhecidas, em vez de utilizarem pregos nos seus barcos, os Árabes
costuravam as tábuas umas às outras com cordas feitas de fibra de casca de
coco. Assim unidos, não duravam muito sob a ação dos ventos ou das rochas
contra as quais roçavam. Mas então, por que eles construíam seus barcos dessa
forma? Havia uma lenda de que rochas magnéticas do mar atrairiam o ferro e
desmantelariam os barcos unidos por pregos. E o elevado preço e a escassez de
pregos também devem ter tido algo a ver com esse caso.
Algumas características
da península Arábica – pátria dos Árabes e do Islã – nos recordam as
dificuldades enfrentadas pelos seus marinheiros. A Arábia não possui quase
nenhum dos materiais (madeira, resina, ferro ou têxteis) necessários para a
construção naval. Não havia rios navegáveis, os bons portos eram poucos e um
interior populoso e hospitaleiro também primava pela ausência. Os recifes de
coral que rodeavam as costas causavam naufrágios, além de não haver qualquer
fonte de água doce. E os ameaçadores ventos sopravam todo o ano sem descanso.
Todas essas
características das terras e da civilização árabes nos ajudam a compreender por
que motivo não se sentiam inclinados a conduzir seus barcos a volta da África e
a subir a costa ocidental da Europa. Talvez, a melhor explicação seja a mais
óbvia: para quê organizar uma aventura
ao desconhecido?
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