Por Que os
Imperadores Chineses se Mantinham Ocultos de Seus Súditos? Como os Relógios se
Tornaram Moeda de Troca Nas Transações Com a Corte Imperial Chinesa? Por Que os
Relógios Sobreviviam Como Uma Lenda na China?
Chegou um tempo em que já era
possível às pessoas de toda parte do mundo se orientarem no planeta e voltarem
aos novos lugares que descobrissem e, certamente, esse foi um tempo de alta
relevância para os navegadores.
Porém, o que era tecnicamente
possível nem sempre o era socialmente porque a tradição os costumes, as
instituições e os hábitos se tornaram barreiras e o drama do relógio no
Ocidente não foi representado no Oriente.
Em 1577 o padre Matteo Ricci conheceu
um sacerdote que regressou do posto avançado jesuíta na Índia, quando resolveu
juntar-se às missões desse lado do Mundo. Daí ele trocou Roma por Gênova a fim
de navegar a Portugal e pegar um navio anual para a Índia.
Chegou a Goa no ano seguinte, durante
4 anos estudou teologia e, depois disso, ele foi enviado a Macau onde tratou de
aprender chinês. Ricci e o sacerdote permaneceram 7 anos em Cantão, construíram
uma casa para a missão e foram aceitos pela população como “homens do saber”,
apesar da suspeição popular e das ocasionais saraivadas de pedras.
A sabedoria de Ricci não aquietou os
receios da gente da cidade, que o acusaram de conspirar por deixar os
Portugueses entrarem na cidade a fim de saquearem-na. Além disso, acusaram-no
de praticar alquimia e recusar-se a dizer ao povo seus segredos.
Daí o padre Ricci partiu para Pequim,
a fim de ser recebido pelo Imperador. Mas, os imperadores chineses se mantinham
ocultos de seus súditos e, além disso, o Imperador aprisionara-se a si mesmo na
Cidade Proibida com suas esposas, dezenas de concubinas e servido por
incontáveis eunucos.
Quando Ricci e seus companheiros
jesuítas se aproximavam de Pequim foram presos, seus bens foram apreendidos e a
figura sangrenta crucificada acabou provocando horror aos funcionários
chineses, os quais receavam como se fosse um instrumento de magia negra.
Vinte anos depois Ricci ainda tentava
se comunicar com o Imperador, pois somente ele poderia autorizar a entrada do
Evangelho no território chinês. Ricci foi libertado da prisão e seus presentes
foram entregues no palácio, disparando um canhão que anunciava o recebimento de
tributos ao Imperador.
Os presentes de Ricci incluíam dois
elegantes relógios (um grande, acionado por pesos e um pequeno acionado por
mola). E quando Ricci foi convocado ao palácio, o menor ainda funcionava e o
grande parara, pois seus pesos tinham chegado ao fundo.
O Imperador, como uma criança com um
brinquedo partido, deu a Ricci – através de seu principal eunuco – três dias
para que o relógio voltasse a funcionar. Ele mandou construir uma torre de madeira
para o relógio grande em um dos pátios interiores, onde somente Sua Majestade e
alguns privilegiados eram admitidos. O Imperador queria ver os estrangeiros que
tinham trazido aquelas máquinas com sinos que tocavam sozinhos.
Mas, embora os padres não soubessem o
relógio mecânico já tinha uma longa e notável história na China, pois 500 anos
antes cortesãos chineses privilegiados estavam admirados com um relógio
astronômico. E, quando os padres jesuítas chegaram à China, esse mecanismo
sobrevivia apenas como uma lenda conhecida por uns poucos estudiosos.
Em 1077, um instruído funcionário
público (Su Sung) foi enviado ao interior do país a fim de apresentar
felicitações de aniversário a um imperador bárbaro do norte da China. Chegando
ao seu destino ele verificou que chegara com um dia de antecedência, pois o
calendário bárbaro era mais exato que o chinês.
Como não ousava admitir a
inferioridade do calendário do seu Imperador, persuadiu seus anfitriões a
deixaram que ele desempenhasse sua missão no dia que originalmente pretendera. Quando
o Imperador perguntou ao seu emissário se o calendário chinês ou o bárbaro
estavam certos, Su Sung lhe disse a verdade. Reza a lenda que todos os
funcionários do Centro Astronômico foram punidos.
Diante disso, Su Sung recebeu ordem
do Imperador para conceber um relógio astronômico “mais útil e mais belo do que
qualquer outro já visto”. O objetivo de Su Sung não era fazer um instrumento
medidor de tempo para comodidade pública, mas sim criar uma máquina-calendário;
ou seja, um “relógio celeste” privado para o Filho de Céu.
Em 1090 esta máquina estava pronta
para distrair o Imperador e alguns poucos funcionários e, quando o novo
imperador ascendeu ao poder em 1094, conforme o costume seus assessores
declararam deficiente o calendário do imperador anterior.
Já sem a proteção imperial, o
mecanismo de relógio celeste de Su Sung se tornou uma fonte de bronze para
vândalos. Quando Ricci chegou a Pequim, os sábios chineses da corte ficaram
ofuscados com a maravilhosa invenção europeia que consideraram uma “coisa nova”
debaixo do Sol.
Durante o século 18, relógios,
relógios portáteis e brinquedos com mecanismos de relógio tornaram-se uma
valiosa moeda nas transações europeias com a corte imperial chinesa. Os
imperadores chineses criaram suas próprias fábricas para esses encantadores
“brinquedos” e, em meados desse mesmo século, elas já empregavam cerca de 100
trabalhadores embora seu produto não estivesse à altura dos padrões europeus.
Na China, o homem que se desse ao
luxo de satisfazer seu gosto por essas curiosas “bugigangas” não se contentava
apenas com uma e, se ele possuísse um relógio sequer, ele era considerado um
colecionador. É improvável que o utilizasse como medidor de tempo. Quando havia
tão poucos relógios públicos e tão pouca gente usando relógios portáteis, um
relógio não tinha muita utilidade nas relações cotidianas.
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