Qual Era a
Importância do Latim Para a Europa na Idade Média? Qual Era o Papel de São
Bento de Núrsia Para a Língua Culta? E de Carlos Magno?
O antigo Império Romano deixou uma
herança viva através da Europa, pois as relíquias do direito romano definiram
para esse continente e parte do resto do Mundo, a propriedade, os contratos e
os crimes. A língua de Roma sobreviveu, proporcionou a literatura do livro
escrito e criou uma comunidade de saber europeia. Mas, esse legado dividiu as
suas comunidades, pois havia por todo o continente comunidades bilíngues.
Na Idade Média, o latim uniu a
comunidade culta da Igreja e das Universidades e, enquanto o latim foi a língua
das universidades, houve pelo menos no sentido linguístico, um sistema
universitário europeu único. Professores e estudantes podiam se transferir de
Bolonha para Heidelberg e de Praga para Paris, e se sentir à vontade em sala de
aula. Vários estudantes famosos – como Vesálio, Galeno e Galileu – andaram de
uma comunidade culta para outra e, pela 1ª e última vez, o continente tinha uma
só língua do saber.
Mas o latim se tornou uma barreira
entre os cultos de cada nação e o resto dos seus compatriotas e, nas casas, no
mercado e nos espetáculos populares, falava-se outras línguas. Em toda a parte,
a população não falava o latim e sim o “vernáculo”; ou seja, a língua nativa
local. Em toda a Europa a língua dos cultos era uma língua estrangeira. Saber
latim era condição prévia para frequentar uma universidade.
Não bastava ser capaz de decifrar um
texto, pois todas as lições eram dadas em latim e exigia-se aos estudantes que
falassem apenas latim fora das aulas, norma cujo cumprimento era imposto por
castigos. Na Universidade de Paris – por exemplo – quando um estudante fazia
algum pedido ao reitor, os estatutos exigiam-lhe que expusesse o seu caso sem
empregar uma única palavra francesa.
O latim das universidades medievais
se tornou uma língua mais rica, mais flexível. Como o hebreu moderno, o latim
medieval foi adaptado às necessidades quotidianas. E essa língua latina moldou
o pensamento das classes instruídas de todo o continente. A cultura latina da
Europa medieval dificilmente teria podido prosperar sem o entusiasmo e o bom
senso de São Bento de Núrsia, o qual foi considerado o “Pai” do monasticismo
cristão na Europa e padrinho das bibliotecas.
São Bento foi estudar em Roma, quando
o antigo poder imperial estava em declínio e o poder do papado em ascensão.
Perturbado pela devassidão que reinava na cidade, retirou-se durante três anos
para uma caverna nos Montes Abruzos. Quando se tornou conhecido, convidaram-no
para abade em um mosteiro onde ensinou aos outros monges. Só nessa região, São
Bento fundou doze mosteiros, cada um com doze monges, todos sob a sua direção.
A regra constituía um compromisso
entre o espírito ascético sobrenatural e a fraqueza humana. Os monges juravam
obedecer à regra e residir toda sua vida no mesmo mosteiro. Cada mosteiro
precisava ter sua própria biblioteca e “um mosteiro sem biblioteca é como
um castelo sem arsenal”. – disse um
monge da Normandia, em 1170.
Era costume os mosteiros emprestarem
seus livros a outros mosteiros e, até com as devidas garantias, ao público em
geral. Havia maldições contra os que mutilavam livros ou fugiam com eles como
por exemplo: _ “Esse livro pertence ao mosteiro St. Mary of Roberts Bridge
e quem quer que o roube, venda ou o mutile, que seja sempre maldito. Amém”.
As bibliotecas monásticas incluíam as
Sagradas Escrituras, obras dos doutores da Igreja e comentários sobre elas. Coleções
maiores dispunham de crônicas como a “História Eclesiástica” de Beda, os
escritos de Santo Agostinho, de S. Tomás de Aquino e Roger Bacon. Entre os
livros seculares contavam-se Virgílio, Horácio e Cícero. Além disso, Platão,
Aristóteles e Galeno tinham traduções latinas.
Os Beneditinos não se limitavam a
reunir livros para formar bibliotecas, pois eles a criavam. A “confecção” (Isto
é, o copiar), como a leitura de livros se tornou um dever sagrado, a sala de
copiar dos escribas era uma característica habitual dos seus mosteiros. Eles
tinham mais liberdade de reproduzir livros do que os editores na idade
subsequente da imprensa. Não se esperava que o livro fosse um veículo de ideias
novas, transmitindo mensagens de contemporâneos para contemporâneos. Era uma
maneira de conservar e aumentar o fundo rotativo acumulado de obras literárias.
Quando liam um texto sagrado, os
estudiosos sentiam indiferença quanto à identidade do autor, pois os escritores
que eram transcritos nem sempre se davam ao trabalho de “citar” o que tinham
ido buscar em outros escritores. Mesmo num tempo em que se ensinava os
estudantes a argumentar, citando “autoridade”, era impossível atribuir
determinadas passagens a determinados autores.
Os escritores de textos originais
sentiam relutância em assumir o crédito, ou arriscar-se à mais provável
censura, pela inovação. Na Idade Média, todos os mosteiros tinham a sua editora
própria e um monge com escrivaninha, tinta e pergaminho era o seu próprio
editor.
São Luís (1214/1270) afirmava que era
melhor transcrever um livro do comprar o original, pois transcrevê-lo ajudava a
difundir o evangelho cristão. E se São Bento foi o santo patrono do livro manuscrito
na Idade Média, Carlos Magno (742/814) foi o patrono secular. Ele foi coroado
imperador do Império Romano no dia de natal do ano de 800 e ganhava a vida como
fomentador da cultura livresca e reformador da língua latina e do alfabeto
romano.
Carlos Magno herdou seu trono como
rei dos Francos em 768. Homem de grandes ambições, passou por cima das
reivindicações dos rivais e parentes, dominou os Saxões, conquistou a Lombardia
e formou um império que incluía a Itália setentrional, a França e a maior parte
da Alemanha e da Europa oriental. E, como aliado do Papa e cristão fervoroso,
sentiu-se chocado com a decadência da cultura cristã.
A rica biblioteca de Carlos Magno no
palácio de Aachen, se tornou um centro cultural que atraía cristãos cultos
fugidos dos Mouros, da Espanha e até das ilhas distantes da Irlanda. Os monges
adoravam os textos sagrados, adornando-os e, em Iona, monges celtas do mosteiro
local fizeram um dos mais belos livros de todos os tempos. O Livro de Kells
apresentava o magnífico texto latino dos Evangelhos em letras garrafais,
ornamentado com folhas dos ofuscantes lápis-lazúli.
Aos poucos, os monges começaram a
experimentar as letras menores de vários formatos, inspirando-se na escrita
cursiva das correspondências comerciais. A escassez de papiro e o preço da
tinta instigavam-nos a escrever de forma mais compacta, a fim de gastarem menos
folhas. Ao mesmo tempo, o declínio da autoridade romana foi dissolvendo os
padrões na caligrafia, como em tudo o mais. As idiossincrasias dos mosteiros
isolados estavam dividindo a cultura da Europa latina.
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