Por Que o Esperanto Não Prosperou Como Língua Universal? Em Que Sentido a Tradução da Bíblia do Foi um Grande Benefício? De Que Forma o Inglês Padrão Foi Estabelecido?
De tempos em tempos, espíritos engenhosos vêm tentando inventar uma língua mundial única, mas nenhum homem (ou governo) conseguiu inventar uma língua para uma nação e, muito menos, para o Mundo. A mais bem-sucedida – o esperanto – foi concebida por um oftalmologista polaco em 1877, com o objetivo de fornecer uma 2ª língua simples a todos os povos de todas as partes do Mundo.
Ele tentou fazer do esperanto uma
língua fácil de aprender, com uma gramática e uma pronúncia regulares e, quase
um século depois da sua invenção, a mais atraente das línguas tem apenas 100
mil falantes espalhados em 83 países. Mas, nem mesmo o esperanto foi totalmente
inventado, pois seu vocabulário deriva de palavras europeias e, a maioria, das
línguas românicas.
Existem cerca de 4 mil línguas mortas
ou vivas no Mundo e uma comunidade mundial da palavra falada, escrita e
impressa só seria alcançada através da arte da tradução, a qual tornaria
possível qualquer pessoa descobrir a literatura mundial. Nas comunidades
pré-alfabetizadas as pessoas das comunidades linguísticas diferentes fazem-se
entender através dos gestos, das expressões faciais e do tom da voz e não
existe nenhum substituto para o tradutor vivo, a não ser aprender a língua.
Na sua primeira viagem, Cristóvão
Colombo levou consigo um homem que sabia falar árabe e, por isso mesmo, Colombo
esperava que soubesse se comunicar com o imperador chinês. Durante séculos, a
arte da tradução tinha ajudado leitores a transpor a barreira da língua, A
tradução da Bíblia, feita por São Jerônimo, do hebreu e do grego, foi um grande
benefício para a cristandade culta e traduções de Platão, Aristóteles, Ptolomeu
e manuscritos árabes de matemática, astronomia e medicina entraram na textura
do pensamento ocidental.
No fim do século XV foram impressas
na Europa – em traduções latinas – pelo menos 20 obras escritas em árabe e,
embora as línguas vernáculas estreitasse a visão das classes letradas para
obras na sua própria língua, os livros impressos ofereciam novas oportunidades
de se tornarem cosmopolitas. Quando Francisco I fez do francês de Paris a
língua oficial, pagou para que fizessem traduções dos clássicos em francês e,
dessa forma, a cultura clássica se tornou acessível aos franceses que não
sabiam ler grego ou latim.
Os autores clássicos eram o
investimento mais seguro para os editores e também para os compradores de
livros e, na Europa do fim do século XVI, enquanto havia 263 edições latinas de
Virgílio, também havia 72 traduções em italiano, 27 em francês, 11 em inglês, 5
em alemão, 5 em espanhol e 2 em flamenco. Isso nos permite imaginar como
seríamos provincianos se nossa leitura fosse confinada às obras originalmente
escritas no nosso vernáculo.
Não podemos avaliar o significado que
a tradução teve para a civilização, pois os ingleses do século XVIII puderam
ler as traduções feitas por Sir William Jones do árabe, do hindu e do persa que
os americanos distantes incluíram na Biblioteca do Congresso. As obras de
Shakespeare foram objeto de extensa literatura crítica na Alemanha através de
Lessing e Schlegel, pois era norma que atores e atrizes europeus mostrassem o
que valiam em papéis shakespearianos.
Antes do fim do século XIX, os
europeus cultos se sentiam à vontade nas grandes obras do seu continente e de
outros continentes, e os autores escreviam para uma audiência mundial. Os
tradutores são patriotas que enriqueceram a sua língua nacional e, apesar
disso, só raramente lhes tem sido prestada a devida justiça. Os dicionários
começaram como guias para transporem as barreiras entre línguas, antes de
guiarem os leitores na sua própria língua.
Aliás, a palavra “dicionário” vem do
latim “dicionarium” que significava “um repertório de frases ou
palavras”. Na Europa os dicionários apareceram para servir a classe culta e, na
Antiguidade, eles eram compilações não elaboradas em ordem alfabética. O
primeiro mais bem-sucedido dos dicionários impressos foi de latim-italiano de
um monge Agostinho (Ambrosio Calepino), o qual foi se tornando mais poliglota.
Em 1590 ele ajudava o leitor em 11 línguas, incluindo o polonês e o húngaro.
O êxito de Calepino incitou o
empreendedor francês Robert Estienne a publicar uma edição melhorada com o
generoso patrocínio do rei. Dessa forma, Francisco I ordenou a ele que desse à
biblioteca real um exemplar de cada livro que publicasse em grego e criou o que
foi o 1º depósito nacional de biblioteca. No século XVI, os Estiennes fizeram
de Paris a cidade líder do mercado livreiro continental como Veneza fora antes.
Além de ser pioneiro na lexicografia,
Robert Estienne ajudou as classes letradas da Europa a descobrir a riqueza
linguística oculta nos seus próprios vernáculos. Editou dicionários escolares
de latim e francês e foi pioneiro ao publicar um dicionário completo de francês
para o latim que incluía termos técnicos. Assim, ele ajudou a criar uma língua
padrão para a sua nação.
Em Veneza apareceu o 1º dicionário
bilíngue impresso para o mercador e o cidadão comum, quando Adam von Rottweill
imprimiu o seu “Vocabulário Italiano Teutônico” (1477) e, depois disso, em 1480
Caxton imprimiu um vocabulário de francês-inglês de 26 folhas. Esses são os
primeiros exemplos conhecidos dos livros de frases que viriam a ajudar os
viajantes atrapalhados. A utilização por Estienne dos “melhores autores”
constituiu o meio pelo qual os lexicógrafos estabeleceram os seus padrões de
correção das novas línguas nacionais. O 1º dicionário padrão amplo de uma só
língua foi publicado em Veneza em 1612 e serviu de modelo a outros dicionários
europeus monolíngues de reconhecida autoridade.
O “inglês” padrão foi estabelecido
empiricamente, e por indivíduos, em contraste com o produto de academias
mantidas pelo Estado de outros lados. Como os primeiros protestantes ingleses
queriam ajudar os leitores comuns a compreender a Bíblia em inglês, a corrente
da lexicografia inglesa brotou das listas de palavras elaboradas para ajudar os
devotos e, uma das primeiras listas foi anexada à tradução inglesa do
Pentateuco, em 1530.
O exemplo da Inglaterra mostrou como
o esclarecimento podia decorrer de um alfabetismo difundido numa língua
compartilhada por milhões de pessoas. Roger Ascham – preceptor ([1]) particular da Rainha Isabel – enumerou
uma das primeiras críticas da educação britânica, os males de viajar à toa ao
estrangeiro instigou os jovens a dominarem a sua própria língua inglesa.
Outro reformador isabelino (Richard
Mulcaster) ajudou a proporcionar o equipamento impresso e, trinta anos de
ensino, convenceram-no de que os professores, advogados e médicos deveriam
receber treino para desempenharem a sua profissão. Ele insistiu para que as
escolas abrissem vagas às mulheres, as quais também deveriam ter acesso às
universidades. E também argumentou que os professores deveriam respeitar as
diferenças entre crianças, que o currículo para cada aluno não deveria ser
determinado pela idade, mas pela preparação e, além disso, que os professores
mais competentes deveriam ser escolhidos para os primeiros anos da vida escolar
dos alunos.
Depois de Caxton imprimir o 1º livro
inglês, nenhuma das novas línguas nacionais floresceu mais do que o inglês e
isso ocorreu sem o auxílio de um dicionário amplo ou “autorizado”. Então, o
“Dicionário” do Dr. Johnson demonstrou o poder dos dicionários, pois a obra foi
notável pela sua qualidade e também como um monumento do heroísmo literário.
Johnson escreveu definições de 43 mil
palavras sob as quais foram coladas as fichas das citações e, além disso, seu
Dicionário foi escrito com pouco auxílio dos eruditos e nenhum patrocínio dos
poderosos. Ele criou as normais do inglês padrão, a que deu existência – pela força
de um dicionário impresso – e, ao mesmo tempo, forneceu um auxiliar sem
precedentes a todos os exploradores da literatura inglesa.
O Dr. Johnson não lamentou nem
ignorou o crescimento orgânico da língua, pois no seu eloquente prefácio, ele
explicava que a língua era modificada de forma inevitável por conquistas,
migrações, comércio e pelo progresso do pensamento e do conhecimento.
Antes do Dr. Johnson os melhores
autores estavam convencidos de que, desde que o significado fosse claro para o
leitor, não fazia nenhuma diferença o modo como o escritor escrevesse suas
palavras. O problema fundamental de estabelecer uma ortografia inglesa uniforme
decorria do fato de o alfabeto da língua inglesa provir de outra língua, pois o
alfabeto romano não foi concebido para os sons ingleses.
A comunidade em geral seguiu o seu
próprio caminho e os melhores autores ingleses ortografaram ao sabor do
capricho, até que no século XVIII, listas de palavras impressas e a crescente
popularidade dos dicionários rudimentares provocaram a ideia de que podia haver
apenas uma forma de escrever uma palavra.
Em 1857, a Philological Society (de
Londres) iniciou planos para um dicionário histórico e, Murray, um obscuro
professor assistente, chamou a responsabilidade para si e deu-lhe forma. O
objetivo era exemplificar cada palavra jamais usada em inglês e revelar o seu
significado variável. Antes de 1900, as fichas com esses exemplos excediam os
cinco milhões. O resultado poria à vista de todos o caráter susceptível,
variável e esquivo de uma língua mundial viva ao longo de vários séculos.
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