sexta-feira, 6 de outubro de 2023

As Comunidades do Vernáculo na Idade Média

 Quais Foram as Consequências do Surgimento das Línguas Latinas na Europa? Que Línguas se Originaram das Línguas Germânicas? Qual Foi a Influência do Francês na Formação da Língua Sheakesperiana?

 



À medida que o livro impresso foi prosperando durante a Idade Média, acarretou o trinfo das línguas do povo que se tornaram as línguas do saber na Europa. As literaturas impressas moldaram o pensamento de duas formas: _ democratizaram, mas também o tornaram provinciano. Quando apareceram obras científicas em inglês, francês, italiano, espanhol, alemão e holandês novas comunidades tiveram acesso ao mundo da ciência, que se tornou pública como jamais foram antes.

Mas, quando o latim foi destronado por línguas nacionais ou regionais, o saber também se tornou nacional ou regional. O saber acumulado de todos os tempos anteriores passou a estar acondicionado em embalagens que só podiam ser abertas pelas pessoas de um determinado lugar. À medida que a palavra escrita – agora impressa – se tornou mais popular, a literatura adquiriu os ingredientes de distração, fantasia e aventura. Então, o entretenimento passou a ser respeitado.

É difícil dizer quantas línguas existiam na Europa antes da imprensa, pois alguns estudiosos identificaram cerca de três mil não contando os dialetos. No século XII quando um estudante da Normandia ia para uma universidade em Paris, não entendia a fala dos estudantes de Marselha, pois ainda não havia um francês padrão. Problemas similares atormentavam estudantes de Bolonha, Heidelberg ou de Oxford, pois ainda não havia um italiano, um alemão ou um inglês padrão.

Com poucas exceções, as línguas faladas na Europa pertencem à família indo-europeia e derivam de uma língua falada na Europa setentrional em tempos pré-históricos. No fim da Idade Média, a maioria das línguas falada na Europa pertencia a um de dois grupos:

 

·                     As línguas “Românicas” (faladas dentro das fronteiras do Império Romano; isto é, do Canal da Inglaterra para o sul até o Mediterrâneo e dos Alpes e do Mar Adriático para ocidente, até o Atlântico) derivam do latim e viriam a se tornar o francês, o italiano, espanhol e o português.

·                     As línguas “Germânicas” (faladas no Norte e no Leste do Império Romano, a partir do Atlântico até o Báltico e do Reno e dos Alpes na direção do mar do Norte e do oceano Ártico), as quais deram origem ao islandês, inglês, flamenco, holandês, alemão, dinamarquês, sueco e norueguês.

 

Embora a Igreja e as universidades ainda mantivessem o latim, a fala do dia-a-dia enveredou por caminhos caprichosos. Carlos Magno reconheceu isso quando ordenou que os sermões fossem pregados na língua “Românica” rústica. O desmembramento de seu império elevou os vernáculos a uma categoria oficial. O 1º escrito numa língua francesa foi o Juramento de Estrasburgo de 842, quando os juramentos de aliança do neto de Carlos Magno (Carlos, o Calvo) com o exército de seu irmão (Luis, o Germano) foram feitos nos seus próprios vernáculos.

Na França, os dois dialetos mais falados foram a língua de “oil” da Ilha de França e Paris e a língua de “oc” da Provença, no Sul. Essas designações deviam-se às palavras diferentes para dizer “sim” nas duas regiões, mas ambas as línguas produziam uma literatura rica e principalmente oral. O dialeto usado em Paris – conhecido por “francien” – estava destinado a prevalecer, o que significou que a língua de Paris veio a ser a língua da França e, em 1539, o rei Francisco I tornou-a a língua oficial do país.

O aliado mais forte de Francisco I foi a imprensa e 1 século depois de Gutenberg a edição de livros era um negócio florescente. Em 40 cidades tinham tipografias e onde quer que existisse uma universidade, um tribunal ou um parlamento havia um mercado para livros impressos. À medida que os livros se multiplicavam, o alfabetismo aumentava e a literatura do vernáculo era enriquecida.

Nas províncias, a palavra falada continuava a prevalecer. Os serões das aldeias abrilhantavam o Inverno com pessoas letradas, contadores de histórias e professores que liam alto histórias conhecidas. Nas cidades, as próprias oficinas tipográficas criavam novos leitores e escritores. Artesãos, boticários, cirurgiões e metalúrgicos dependiam de manuais escritos para que alguém lesse em voz alta enquanto trabalhavam. Esses grupos de leitura se tornaram protótipos das reuniões secretas das quais resultou a Reforma Protestante.

A língua nacional da França encontrou um eloquente defensor em Joachim du Bellay que, aos 27 anos, escreveu o manifesto do círculo literário. E, quando ele conheceu Pierre Ronsard, sentiram-se irmanados pelo seu amor ao francês e pelo fato de serem ambos surdos. Eles dedicaram seus talentos a cultivar a palavra escrita. Bellay escreveu os primeiros sonetos de amor em francês e o seu êxito inspirou poetas ingleses a fazer o mesmo.

 


Enquanto o francês tinha resíduos de um império desintegrado (o Romano), a ascendência da língua alemã moderna era muito diferente. Os vernáculos românicos (francês, espanhol, português e italiano) competiam com o vernáculo do Império Romano e a riqueza da literatura latina. Os vernáculos germânicos – que não eram resíduos de um império em declínio, mas sementes de uma civilização em ascensão – tinham o terreno para si próprios.

No século VIII, quando surgiram as primeiras versões escritas de algo semelhante à língua alemã, os dialetos locais ainda prevaleciam entre o povo e não havia nenhuma língua padrão nas áreas da Alemanha moderna. Quando Martinho Lutero empreendeu a tradução da Bíblia escolheu o dialeto alto alemão usado pelos ducados da Saxônia e, dessa forma, ele criou a norma para o alemão moderno.

Deu dignidade ao vernáculo e estabeleceu uma língua nacional. A Inglaterra foi igualmente uma terra de muitas línguas e, enquanto Gutenberg imprimia sua Bíblia, os documentos oficiais do governo inglês ainda eram escritos em francês jurídico. Um século depois de o inglês ter se tornado língua oficial, Shakespeare escreveu as suas peças.

William Caxton fez tanto como qualquer outro homem antes de Shakespeare para popularizar a língua inglesa. Aos 16 anos tornou-se aprendiz de mercador de têxteis que se tornou lorde e, quando este morreu, Caxton se mudou para Bruges que era um centro de comércio e cultura. Durante os vinte anos seguintes, ele enriqueceu no seguimento têxtil e foi escolhido presidente de uma poderosa associação mercantil.

Aos 50 anos era conselheiro financeiro da irmã de Eduardo IV – Margarida, duquesa de Borgonha. Descontente com os negócios dedicou-se à literatura e, em 1470, a duquesa incentivou-o a traduzir para o inglês as histórias de Troia. Em princípio a obra circulou sob a forma de manuscrito, mas a procura era tanta que os escribas não conseguiram produzir cópias suficientes.

Caxton foi a Colônia aprender a nova arte de imprimir e regressou a Bruges, onde instalou sua própria imprensa. Ao longo dos 15 anos seguintes publicou 100 títulos, os quais contribuíram muito para popularizar a língua literária – e, com o tempo, a falada – e transformá-la na língua da Inglaterra.

Caxton começou a publicar tantos dialetos quantos condados existentes na Inglaterra, pois a linguagem era muito variada e os dialetos não eram muito inteligíveis. Para uma dona de casa, o inglês falado por um mercador de Londres parecia francês. Para os livros que imprimiu,

Caxton escolheu a língua de Londres e da corte, mas publicou pelo menos 20 livros com traduções suas do francês, latim ou holandês. Sua lista não incluía apenas obras religiosas, mas quase todo gênero de livro conhecido no seu tempo. Caxton foi o parteiro de uma literatura inglesa florescente, publicando poemas, poesias, a versão da lenda de Cícero e as fábulas de Esopo.

Antes dele o futuro era incerto e também era concebível que a língua literária das Ilhas britânicas pudesse vir a ser uma versão do francês. Os invasores germânicos no século V tinham levado consigo a língua germânica ocidental, a qual se tornou o inglês antigo. Mas depois da conquista normanda, o francês passou a ser a língua oficial da corte e, só gradualmente, o inglês destronou o francês.

Mas, o inglês se encheu de palavras de origem latina e francesa. Na Inglaterra, a criação de uma língua vernácula padrão teve um significado duplo.  Foi uma vitória da língua do povo sobre a língua latina da minoria culta e, ao mesmo tempo, uma vitória do vernáculo popular (inglês) sobre o que era um vernáculo aristocrático (francês).

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