Qual Era a Divisão
Geográfica Estabelecida no Tratado de Tordesilhas? Qual Era o Objetivo Inicial
das Expedições de Fernão de Magalhães? Por Que a Proeza de Magalhães Excedia as
de Vasco da Gama, Cristóvão Colombo ou Américo Vespúcio?
O Tratado de
Tordesilhas traçou uma linha de demarcação 370 léguas a oeste das Ilhas dos
Açores e Cabo Verde e situou a fronteira do Novo Mundo a 46º de latitude oeste,
passando através da proeminência da América do Sul. Como o domínio do Papa
cobria todo o planeta, a linha atravessava ambos os polos e percorria todo o
caminho à volta da Terra, do outro lado.
Esta mesma
linha também servia para separar os domínios da Espanha e de Portugal na metade
asiática do planeta. Aí os meridianos de 134º de latitude leste se tornou a
divisão entre as duas potências. Mas, os instrumentos da época ainda não
conseguiam marcar essa linha com exatidão e, na prática, isso significava que
Portugal seria dona de todas as áreas pagãs (ou ainda por descobrir) a leste da
fronteira ocidental do Brasil, através do Atlântico, da África e do Oceano
Índico até às Índias orientais, enquanto que a Espanha dominaria a partir da
fronteira ocidental do Brasil para ocidente, através do Pacífico até as Índias
orientais.
Ninguém sabia
ainda o que havia entre esta nova 4ª parte do Mundo e a Ásia. A Espanha
continuava a ter esperanças de que Ptolomeu, Marco Polo e Colombo estivessem
certos ao prolongar o continente asiático tanto para leste. O rei Carlos V
(Espanha) esperava que as ilhas das especiarias estivessem do lado espanhol da
linha divisória, quando ela foi traçada naquela metade asiática do globo. Por
que não enviar uma expedição para marcar essa linha e depois fazer valer as
reivindicações espanholas? Eis aí a oportunidade de Fernão de Magalhães.
A parte
montanhosa de Portugal onde Fernão de Magalhães nasceu era conhecida como um
lugar onde havia nove meses de Inverno e três meses de Inferno e, deste clima,
ele partiu para a vida da corte de D. João II, onde foi criado como pajem. Aos
25 anos juntou-se à frota de Francisco de Almeida (1º vice-rei português da
Índia) e depois serviu com Afonso de Albuquerque, fundador do império português
na Ásia e explorou as ilhas Moluscas, onde avaliou a riqueza que ali poderia ser
colhida.
Quando
regressou a Portugal em 1512 como capitão, foi promovido a “fidalgo escudeiro”.
Ferido enquanto combatia os mouros no norte da África, acabou ficando coxo para
o resto da vida. Mas, acusado de comerciar com o inimigo ele perdeu os favores
do rei D. Manuel e viu terminada sua carreira portuguesa. Daí, Fernão de
Magalhães renegou publicamente sua lealdade a Portugal e partiu para a corte
espanhola de Carlos V.
Levou consigo
para a Espanha seu velho amigo Rui Faleiro – que pensava ter resolvido o
problema da determinação da longitude – o qual tinha boa reputação como
cosmógrafo e defendia o caminho marítimo para a Ásia. Daí, a fim de promover
sua expedição, Magalhães casou com a filha de um influente emigrante português
que controlava as viagens espanholas às Índias. Além disso, ele obteve a
aprovação do poderoso bispo de Burgos que fora grande inimigo de Colombo.
Cultivou
amizade de um representante de uma forma bancária que tinha ressentimentos
contra o rei de Portugal e, em março de 1518, Carlos V anunciou seu apoio à
expedição de Fernão de Magalhães. O objetivo era alcançar as ilhas das
especiarias navegando para ocidente, mas dessa vez com um plano mais preciso: _
encontrar um estreito na ponta da América do Sul. Magalhães e Faleiro receberiam
a 20ª parte dos lucros e a eles – e a seus herdeiros – seria confiado o governo
de todas as terras descobertas.
Os
Portugueses tentaram impedir a viagem de Magalhães, mas depois de um ano
equipando a expedição o decidido navegador partiu em setembro de 1519 para sua
viagem ao redor do mundo. Zarpou com 5 navios fortemente armados e bem
abastecidos com mercadorias de troca como pulseiras de latão, 500 espelhos e
milhares de peças de veludo a fim de despertar o interesse dos sofisticados
príncipes da Ásia.
A tripulação
era composta de 250 homens portugueses, italianos, franceses, gregos e um
inglês – já que não era fácil encontrar espanhóis para tão perigosa viagem sob
o comando de um aventureiro estrangeiro. Naquele tempo era comum o comandante
submeter suas decisões a um conselho de oficiais. Mas, Magalhães não gostava
disso e logo percebeu que os três (3) comandantes espanhóis do seu estado-maior
tinham planos de liquidá-lo.
Porém, a
proeza de Fernão de Magalhães excederia – por qualquer critério moral,
intelectual ou físico – até mesmo as de Vasco da Gama, Cristóvão Colombo ou
Américo Vespúcio, pois além de enfrentar mares bravios, vencer passagens
traiçoeiras e procurar seu caminho através de um oceano mais largo, ele exerceu
seu comando com firmeza e humanidade. Sofreu os tormentos mais cruéis de
paladar e estômago, suportou a fome e, melhor do que qualquer outro homem do
mundo, ele compreendeu bem a navegação “a olho” e a celeste. Nenhum outro tinha
tanto talento, nem o ardor de aprender como navegar à volta do Mundo – o que
quase conseguiu.
Partindo das
Ilhas Canárias, dois meses de navegação depois ele chegou à ponta oriental do
Brasil, de onde seguiu a costa para sudoeste atento a abertura que o conduziria
ao mar do Sul de Balboa. Tentou várias vezes o que lhe pareceu passagens
marítimas para o ocidente, no Rio de Janeiro e mais para o sul, no Golfo de San
Matias, na esperança de que os navegadores anteriores estivessem enganados.
Mas, todas as tentativas se revelaram “becos sem saída”.
Quando chegou
a meio caminho da costa da Patagônia, o Inverno se instalou e Fernão de
Magalhães decidiu aguardar aí, reduzindo as rações e suportando os ventos e o
frio até a chegada da Primavera. Quando os homens começaram a exigir que
regressassem ao trópico, ele disse que preferia morrer a voltar para trás. Ele
enfrentou duas grandes provas, uma de comando e outra de arte de navegar antes
mesmo de entrar no Oceano Pacífico.
No porto de
San Julian, quando três (3) de suas naus (Concepción, San Antonio e Victória)
se amotinaram, Magalhães só encontrou apoio no seu próprio navio Trinidad e no
Santiago. Sabendo que tinha muitos aliados no Victória, mandou a bordo um bote
cheio de homens leais a pretexto de negociarem as condições de regresso e, ao
obedecer as instruções, seus emissários mataram o comandante e convenceram os
tripulantes a cumprirem seus deveres. No ajuste de contas, Fernão de Magalhães
executou apenas um homem que assassinara um oficial leal e abandonou em terra o
chefe da conspiração e um padre revoltoso. Embora sentenciasse alguns outros
amotinados à morte, acabou perdoando a todos.
Em agosto de
1520 os quatro navios restantes navegaram para sul, em direção a foz do rio
Santa Cruz, onde ficaram até outubro na primavera. Foi então que enfrentou a
segunda provação, um exercício marítimo que poucos igualaram, pois ele teria
que encontrar uma passagem que o levasse através de um continente de largura
desconhecida. Como ter a certeza de que uma entrada não era um beco sem saída?
Como saber que não estava perdido cada vez mais no meio do continente?
Em outubro
mais uma vez ele viu uma abertura após os 52º de latitude sul. Será que dessa
vez abrir-se-ia a baía para o importantíssimo estreito? A tripulação achava que
não, mas Magalhães estava preparado para encontrar um “estreito bem escondido”.
No entanto, os mapas que vira mostravam a ponta mais meridional da “América”
separada aproximadamente a 45º sul, por uma passagem marítima estreita – mas
reta e aberta – de um grande continente antártico que se estendia à volta do
mundo.
Dizer que o
estreito através da barreira de terra estava “bem escondido” foi a subestimação
do século, pois o Estreito de Magalhães era o mais tortuoso e indireto de todos
os estreitos que ligavam dois grandes corpos de água. Este labirinto em
ziguezague desembocava inesperadamente no meio do mais aberto e vasto de todos
os mares. Só observando num mapa moderno é possível avaliar em toda a sua
extensão a perícia, a persistência, a coragem e a sorte necessárias para
encontrar o caminho.
Embora a
entrada do Cabo Virgens (do lado do Atlântico) passe por uma região agradável e
com margens baixas, a saída do cabo Pillar (no Pacífico) é um fiorde entre
montanhas escarpadas coroadas de gelo. Magalhães precisou de 38 dias para
percorrer os cerca de 540 km entre os oceanos. Só a coragem de ferro
demonstrada por Fernão de Magalhães contra os elementos e o seu hábil domínio
dos homens lhe permitiu prosseguir.
No Porto San
Julian – a última paragem na costa da Patagônia – quando eles descarregavam os
navios para querelar ([1]) sofreram um choque, pois os
fornecedores de Sevilha haviam-no enganado e não carregaram provisões para um
ano e meio, mas apenas para 6 meses. A tripulação tentou compensar pescando a
caçando aves marinhas, mas isso não chegava. As costas do Porto San Julian não
ofereciam nenhuma madeira, praticamente nenhuma água doce e, além disso, os
nativos locais não serviam como guias marítimos.
Depois de
perder o navio Santiago no Porto San Julian, Magalhães entrou no estreito com
quatro naus e, tateando o caminho, mandou seu maior navio investigar uma das
possíveis aberturas para o mar – que se revelou um beco sem saída. Sem que
Magalhães soubesse, o piloto desse navio (que odiava o capitão) amotinou-se,
colocando seu comandante a ferros e pilotou o navio de volta à Espanha. É
extraordinário que não tenha havido mais motins e que as restantes três naus se
tenham mantido juntas.
Algumas das
passagens tinham menos de 3 km de largura e o caminho ziguezagueava tanto que
só mesmo quase no fim se viu o mar aberto. Depois de percorrer o labirinto e
sobreviver ao aperto de terra e rochas, Magalhães era agora lançado para um
imenso vazio aquático. Durante 100 dias ele e seus tripulantes sofreram
provações impostas por um mundo de água aparentemente infinito, ilimitado e sem
qualquer vestígio de terra.
Ele esperava
que a travessia dessas águas (grande golfo de Ptolomeu) demorasse apenas
algumas semanas. Ainda não havia forma de calcular a longitude e, sem isso, era
impossível saber a distância exata entre quaisquer dois pontos à volta da
Terra. Mesmo um século depois de Magalhães, mapas “de confiança” ainda
subestimavam a dimensão em 40%.
Para
Magalhães, a extensão do Oceano Pacífico foi uma surpresa. Claro que seria
também a sua maior e mais involuntária descoberta. Mas, ele teve muita sorte
com o tempo, pois durante todos os 3 meses em que navegou quase 20 mil km
através do oceano aberto ele não encontrou uma única tempestade e, iludido por
essa experiência, ele chamou-lhe de “o Pacífico”.
Se Fernão de
Magalhães não tivesse sido um mestre dos ventos, não teria conseguido
atravessar o Pacífico. Ao sair do estreito, não rumou diretamente a noroeste
para chegar às suas desejadas ilhas das especiarias; navegou primeiro para o
norte ao longo da costa ocidental da América do Sul. Seu objetivo devia ser
apanhar aí os ventos que o levariam não para as Molucas, mas para outras ilhas
de especiarias ainda livres para serem tomadas pelos Espanhóis. Porém, fosse
qual fosse seu motivo, a verdade é que o rumo por ele escolhido continua a ser
o recomendado pelas cartas dos pilotos do Governo dos EUA.
Em março de
1521, finalmente ancoraram em Guam e foram acolhidos por nativos afáveis, mas
que invadiram os navios e levaram tudo quanto era possível levar. Demoraram
três dias para comprar arroz, frutos e água doce e, passada uma semana, já
estavam na costa oriental das Filipinas.
Nas regiões
de que Fernão de Magalhães se aproximava, onde os Chineses, Portugueses e
outros estavam empenhados num comércio marítimo vivamente competitivo, as
paradas eram para o mercado astucioso e diplomacia prudente, pois bastaria um
ato de imprudência para que uma vida se perdesse. O rei da Ilha de Cebu,
fingindo convertido ao cristianismo, persuadiu o navegador a se tornar seu
aliado para combater e incendiar as casas a fim de obrigar o rei de Mactan a
beijar-lhe as mãos.
Seus oficiais
rogaram-lhe que não fosse, mas ele recusou-se a “abandonar seu rebanho” e, ali
na praia, Fernão de Magalhães foi ferido pelas setas envenenadas e golpes de
cimitarras dos guerreiros tribais de Mactan, fazendo-o cair morto na areia.
Poderia ter recuado e ter-se salvado, mas optou por cobrir a retirada de seus
homens. Dessa forma, Magalhães completou sua viagem de circunavegação, pois nas
viagens anteriores a serviço dos Portugueses, ao contornar a África para
aquelas ilhas, provavelmente já navegara mais para leste do que Cebu.
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([1]) Significa
tombar um barco de tal modo que se possa limpar, ou consertar a parte que fica
abaixo da linha d’água
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