Por Que os Grandes
Soberanos Europeus Não se Conformavam Coma Queda da Bastilha? Que Reformas
Foram Implementadas Por Napoleão Bonaparte? Quando a Maré das Inovações
Americana e Europeia Chegaram ao Brasil?
Dez
quilômetros do centro de Paris há um tesouro – geralmente – ignorado pelos
turistas que invadem a capital francesa. Trata-se da basílica Saint-Denis, em
cujo subsolo existem duas caixas de pedras escondidas e cobertas por lápides de
mármore nas quais estão gravadas dezenas de nomes e datas.
Elas guardam
os ossos do rei da França e são um testemunho da tempestade política que varreu
o mundo nas décadas que precederam a Independência do Brasil.
São Dênis é
personagem de uma história insólita, pois ele saiu da Itália no ano de 250 d.C.
na companhia de outros seis missionários a fim de evangelizar toda a Gália.
Perseguido
pelas autoridades locais acabou decapitado e, mal o carrasco desferiu o golpe
mortal, o santo levantou-se, pegou sua própria cabeça e com ela caminhou seis
quilômetros até um antigo cemitério, onde tombou e foi sepultado.
Seu túmulo
foi transformado em um centro de peregrinação e o rei Dagoberto I mandou erguer
uma catedral destinada a ser a necrópole real da França. Ali seriam enterrados
– durante mil anos – todos os reis franceses.
Essa prática
foi interrompida pela Revolução Francesa, pois em 1793 os revolucionários
invadiram a catedral, saquearam os túmulos e jogaram os ossos num terreno
baldio nas vizinhanças. Durante ¼ de século, os restos mortais de homens e
mulheres mais poderosos da França permaneceriam abandonados em meio à lama.
Em 1817, após
a restauração da monarquia, o rei Luís XVIII ordenou que fossem devolvidos à
basílica. O problema é que seria impossível saber que osso pertencia a qual rei
ou rainha e, a solução, foi lacrá-los todos juntos nas duas caixas de pedra
mencionadas acima.
O ossuário de
Saint-Denis é um exemplo do embaralhamento da História entre o final do século
18 e o começo do século 19. E foi nesse clima que se deu a Independência do
Brasil.
A Revolução
Francesa varreu o mundo com o ímpeto de um vendaval. Deflagrada em 1789 com a
queda da Bastilha – prisão onde eram confinados criminosos comuns e dissidentes
políticos – levou milhares de condenados à guilhotina.
O furor dessa
tempestade foi tão grande que, à primeira vista, ninguém conseguiria
controla-la, nem mesmo suas próprias lideranças. Transformou-se logo em um
movimento que devorava as suas forças internas. Na fase mais aguda do Terror,
vários líderes importantes da revolução acabaram mortos na guilhotina.
Mergulhada
num caos político, a França se viu ameaçada de invasão pelos seus vizinhos.
Eram todos países dominados pelo regime monárquico, cujos soberanos não se
conformavam com aquela novidade em pleno coração da Europa.
Nesse momento
entrou em cena um jovem oficial chamado Napoleão Bonaparte, o qual se revelaria
o maior gênio militar que a humanidade havia conhecido desde o Império Romano.
Numa série de
vitórias, coube a ele impor as ideias que a revolução fracassara em colocar em
prática nos acalorados debates das assembleias gerais. Imbuído dos ideais
revolucionários, mas consciente de que eram necessárias ordem e força para
executá-los, Napoleão destronou, prendeu, exilou e humilhou os monarcas do
continente europeu. Em 1804, sagrou-se imperador e passou a colocar seus
parentes nos tronos dos reinos que havia subjugado.
Napoleão
passou a implementar um programa de reformas que redesenharia o mapa político
da Europa e criaria novos padrões de organização e governo das sociedades a
partir de então.
Outro
acontecimento decisivo foi a Independência dos Estados Unidos, que resultou na
criação da primeira democracia republicana da história moderna.
Ao se separar
da monárquica Inglaterra em 1776, treze anos antes da queda da Bastilha, os
americanos criaram o laboratório onde seriam testadas as ideias que os
Iluministas haviam desenvolvido décadas anteriores.
Até então,
todo o poder emanava do Rei e em seu nome era exercido. O Iluminismo
preconizava uma nova era, em que a razão, a liberdade de expressão e de culto e
os direitos individuais predominariam sobre os direitos divinos invocados pelos
reis e pela nobreza, a fim de manter os seus privilégios. Durante muito tempo
isso funcionou como teoria, discutida nos cafés parisienses.
Até então,
democracia e república eram conceitos testados por breves períodos na
Antiguidade, na Grécia e em Roma. Seria possível aplicar essa teoria ao mudo
moderno para governar sociedades maiores e mais complexas?
Coube aos norte-americanos
demonstrar que sim. E, a partir dali, todo poder emanaria do povo (através de
eleições) e em seu nome seria exercido (representantes no Parlamento). Dessa
forma, a figura do rei se tornava desnecessária.
A revolução
Francesa e a Independência Americana são as mais conhecidas, mas não são as
únicas transformações deflagradas das ideias nas quatro décadas que antecederam
a Independência do Brasil. Praticamente todas as áreas de atuação humana foram
afetadas por elas, incluindo arte, ciência e tecnologia. Tudo mudou também no
saneamento e na medicina.
A criação das
primeiras polícias sanitárias na Europa e a descoberta da vacina contra a
varíola conseguiram controlar as epidemias que até então dizimavam parte da
população.
A redução da
mortalidade pelo controle das doenças, combinada com novas técnicas agrícolas,
produziu uma revolução demográfica no continente e a população da França
dobrou.
Havia ainda
mudanças profundas na tecnologia e, no final do século 18, os ingleses
reinventaram os meios de produção com as máquinas a vapor. Até então, toda a
capacidade de produção estava limitada à força física do corpo humano, de
alguns animais de carga ou de precários engenhos mecânicos.
Com o uso da
tecnologia do vapor, os ingleses conseguiram multiplicar essa produção em
escala exponencial e, em menos de um século, o volume do comércio nos portos
londrinos triplicou. Entre 1800 e 1830 o consumo de algodão pelas indústrias
têxteis de Liverpol saltou de 5 milhões para 220 milhões de libras.
Por essa razão,
os ingleses defendiam o liberalismo econômico, doutrina que prega a liberdade
de comércio sem restrições de fronteiras nacionais. Suas fábricas produziam
quantidades monumentais de tecidos, ferragens e máquinas. Os novos empresários
queriam vende-los onde houvesse consumidores interessados em compra-los.
A revolução
tecnológica também teve impactos gigantescos nos transportes e nas
comunicações, pois uma viagem entre a Inglaterra e a Austrália que demorava 6
meses com barcos a vela, foi reduzida para 5 semanas nos navios a vapor. Entre
Portugal e Brasil, a redução foi de 2 meses para 15 dias.
Com a
invenção do telégrafo (1832), a mesma mensagem poderia ser transmitida em uma
fração de hora. Máquinas também reduziram o custo dos livros e jornais de forma
a transformá-los em produtos acessíveis às camadas mais pobres da população.
A maré das
inovações americana e europeia chegaram com algum atraso ao Brasil, mas teria
efeito igualmente devastador. Situada do outro lado do mundo, a América
portuguesa foi mantida até 1808 como uma colônia analfabeta, isolada e
controlada com rigor. A proibição de manufatura incluía a indústria gráfica, a
publicação de jornais e a circulação de livros estava submetida à censura.
O direito à
reunião era vigiado, a educação limitava-se aos níveis mais básicos e a uma
minoria bem restrita da população. De cada cem brasileiros, menos de dez sabia
ler e escrever e, as primeiras universidades brasileiras, somente apareceriam
no começo do século 20.
A situação
dos EUA era bem diferente, onde a cultura protestante havia criado uma colônia
alfabetizada, empreendedora, habituada a participar das decisões comunitárias e
a se manter bem informada sobre as novidades que chegavam da Europa.
Em 1776 – o
ano da Independência – o padrão de vida nos EUA já era superior ao da sua
própria metrópole (a Inglaterra) e, como a prática religiosa era ler a Bíblia
em casa e nos cultos, até os escravos eram alfabetizados.
O espírito
empreendedor fez florescer uma próspera indústria naval e, em 1801, o novo país
já tinha uma Marinha de Guerra em condições de bloquear – e bombardear –
Trípoli (capital da Líbia), em represália aos ataques dos piratas que seus
navios sofriam na costa desse país.
As ideias
revolucionárias chegavam ao Brasil de forma clandestina, em publicações
contrabandeadas ou reuniões de sociedades secretas, como a maçonaria, por
exemplo.
O acesso a
essas novidades pelas camadas mais pobres da população era a prova de que a
colônia brasileira, sem universidades, sem livros, sem jornais ou comunicações
regulares, acompanhava os acontecimentos na Europa com muita atenção.
E isso seria
decisivo ao chegar o momento de romper os laços com Portugal. Habituada a três
séculos de letargia, a antiga América portuguesa seria sacudida pelo vendaval
das novas ideias que varria o mundo e um novo país nascia dessa tempestade.
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