terça-feira, 21 de março de 2023

Revolução Francesa: o Vendaval Que Varreu a Europa

 

Por Que os Grandes Soberanos Europeus Não se Conformavam Coma Queda da Bastilha? Que Reformas Foram Implementadas Por Napoleão Bonaparte? Quando a Maré das Inovações Americana e Europeia Chegaram ao Brasil?

 



 

Dez quilômetros do centro de Paris há um tesouro – geralmente – ignorado pelos turistas que invadem a capital francesa. Trata-se da basílica Saint-Denis, em cujo subsolo existem duas caixas de pedras escondidas e cobertas por lápides de mármore nas quais estão gravadas dezenas de nomes e datas.

Elas guardam os ossos do rei da França e são um testemunho da tempestade política que varreu o mundo nas décadas que precederam a Independência do Brasil.

São Dênis é personagem de uma história insólita, pois ele saiu da Itália no ano de 250 d.C. na companhia de outros seis missionários a fim de evangelizar toda a Gália.

Perseguido pelas autoridades locais acabou decapitado e, mal o carrasco desferiu o golpe mortal, o santo levantou-se, pegou sua própria cabeça e com ela caminhou seis quilômetros até um antigo cemitério, onde tombou e foi sepultado.

Seu túmulo foi transformado em um centro de peregrinação e o rei Dagoberto I mandou erguer uma catedral destinada a ser a necrópole real da França. Ali seriam enterrados – durante mil anos – todos os reis franceses.

Essa prática foi interrompida pela Revolução Francesa, pois em 1793 os revolucionários invadiram a catedral, saquearam os túmulos e jogaram os ossos num terreno baldio nas vizinhanças. Durante ¼ de século, os restos mortais de homens e mulheres mais poderosos da França permaneceriam abandonados em meio à lama.

Em 1817, após a restauração da monarquia, o rei Luís XVIII ordenou que fossem devolvidos à basílica. O problema é que seria impossível saber que osso pertencia a qual rei ou rainha e, a solução, foi lacrá-los todos juntos nas duas caixas de pedra mencionadas acima.

O ossuário de Saint-Denis é um exemplo do embaralhamento da História entre o final do século 18 e o começo do século 19. E foi nesse clima que se deu a Independência do Brasil.

A Revolução Francesa varreu o mundo com o ímpeto de um vendaval. Deflagrada em 1789 com a queda da Bastilha – prisão onde eram confinados criminosos comuns e dissidentes políticos – levou milhares de condenados à guilhotina.

O furor dessa tempestade foi tão grande que, à primeira vista, ninguém conseguiria controla-la, nem mesmo suas próprias lideranças. Transformou-se logo em um movimento que devorava as suas forças internas. Na fase mais aguda do Terror, vários líderes importantes da revolução acabaram mortos na guilhotina.

Mergulhada num caos político, a França se viu ameaçada de invasão pelos seus vizinhos. Eram todos países dominados pelo regime monárquico, cujos soberanos não se conformavam com aquela novidade em pleno coração da Europa.

Nesse momento entrou em cena um jovem oficial chamado Napoleão Bonaparte, o qual se revelaria o maior gênio militar que a humanidade havia conhecido desde o Império Romano.

Numa série de vitórias, coube a ele impor as ideias que a revolução fracassara em colocar em prática nos acalorados debates das assembleias gerais. Imbuído dos ideais revolucionários, mas consciente de que eram necessárias ordem e força para executá-los, Napoleão destronou, prendeu, exilou e humilhou os monarcas do continente europeu. Em 1804, sagrou-se imperador e passou a colocar seus parentes nos tronos dos reinos que havia subjugado.

Napoleão passou a implementar um programa de reformas que redesenharia o mapa político da Europa e criaria novos padrões de organização e governo das sociedades a partir de então.

Outro acontecimento decisivo foi a Independência dos Estados Unidos, que resultou na criação da primeira democracia republicana da história moderna.

Ao se separar da monárquica Inglaterra em 1776, treze anos antes da queda da Bastilha, os americanos criaram o laboratório onde seriam testadas as ideias que os Iluministas haviam desenvolvido décadas anteriores.

Até então, todo o poder emanava do Rei e em seu nome era exercido. O Iluminismo preconizava uma nova era, em que a razão, a liberdade de expressão e de culto e os direitos individuais predominariam sobre os direitos divinos invocados pelos reis e pela nobreza, a fim de manter os seus privilégios. Durante muito tempo isso funcionou como teoria, discutida nos cafés parisienses.

Até então, democracia e república eram conceitos testados por breves períodos na Antiguidade, na Grécia e em Roma. Seria possível aplicar essa teoria ao mudo moderno para governar sociedades maiores e mais complexas?

Coube aos norte-americanos demonstrar que sim. E, a partir dali, todo poder emanaria do povo (através de eleições) e em seu nome seria exercido (representantes no Parlamento). Dessa forma, a figura do rei se tornava desnecessária.

A revolução Francesa e a Independência Americana são as mais conhecidas, mas não são as únicas transformações deflagradas das ideias nas quatro décadas que antecederam a Independência do Brasil. Praticamente todas as áreas de atuação humana foram afetadas por elas, incluindo arte, ciência e tecnologia. Tudo mudou também no saneamento e na medicina.

A criação das primeiras polícias sanitárias na Europa e a descoberta da vacina contra a varíola conseguiram controlar as epidemias que até então dizimavam parte da população.

A redução da mortalidade pelo controle das doenças, combinada com novas técnicas agrícolas, produziu uma revolução demográfica no continente e a população da França dobrou.

Havia ainda mudanças profundas na tecnologia e, no final do século 18, os ingleses reinventaram os meios de produção com as máquinas a vapor. Até então, toda a capacidade de produção estava limitada à força física do corpo humano, de alguns animais de carga ou de precários engenhos mecânicos.

Com o uso da tecnologia do vapor, os ingleses conseguiram multiplicar essa produção em escala exponencial e, em menos de um século, o volume do comércio nos portos londrinos triplicou. Entre 1800 e 1830 o consumo de algodão pelas indústrias têxteis de Liverpol saltou de 5 milhões para 220 milhões de libras.

Por essa razão, os ingleses defendiam o liberalismo econômico, doutrina que prega a liberdade de comércio sem restrições de fronteiras nacionais. Suas fábricas produziam quantidades monumentais de tecidos, ferragens e máquinas. Os novos empresários queriam vende-los onde houvesse consumidores interessados em compra-los.

A revolução tecnológica também teve impactos gigantescos nos transportes e nas comunicações, pois uma viagem entre a Inglaterra e a Austrália que demorava 6 meses com barcos a vela, foi reduzida para 5 semanas nos navios a vapor. Entre Portugal e Brasil, a redução foi de 2 meses para 15 dias.

Com a invenção do telégrafo (1832), a mesma mensagem poderia ser transmitida em uma fração de hora. Máquinas também reduziram o custo dos livros e jornais de forma a transformá-los em produtos acessíveis às camadas mais pobres da população.

A maré das inovações americana e europeia chegaram com algum atraso ao Brasil, mas teria efeito igualmente devastador. Situada do outro lado do mundo, a América portuguesa foi mantida até 1808 como uma colônia analfabeta, isolada e controlada com rigor. A proibição de manufatura incluía a indústria gráfica, a publicação de jornais e a circulação de livros estava submetida à censura.

O direito à reunião era vigiado, a educação limitava-se aos níveis mais básicos e a uma minoria bem restrita da população. De cada cem brasileiros, menos de dez sabia ler e escrever e, as primeiras universidades brasileiras, somente apareceriam no começo do século 20.

A situação dos EUA era bem diferente, onde a cultura protestante havia criado uma colônia alfabetizada, empreendedora, habituada a participar das decisões comunitárias e a se manter bem informada sobre as novidades que chegavam da Europa.

Em 1776 – o ano da Independência – o padrão de vida nos EUA já era superior ao da sua própria metrópole (a Inglaterra) e, como a prática religiosa era ler a Bíblia em casa e nos cultos, até os escravos eram alfabetizados.

O espírito empreendedor fez florescer uma próspera indústria naval e, em 1801, o novo país já tinha uma Marinha de Guerra em condições de bloquear – e bombardear – Trípoli (capital da Líbia), em represália aos ataques dos piratas que seus navios sofriam na costa desse país.

As ideias revolucionárias chegavam ao Brasil de forma clandestina, em publicações contrabandeadas ou reuniões de sociedades secretas, como a maçonaria, por exemplo.

O acesso a essas novidades pelas camadas mais pobres da população era a prova de que a colônia brasileira, sem universidades, sem livros, sem jornais ou comunicações regulares, acompanhava os acontecimentos na Europa com muita atenção.

E isso seria decisivo ao chegar o momento de romper os laços com Portugal. Habituada a três séculos de letargia, a antiga América portuguesa seria sacudida pelo vendaval das novas ideias que varria o mundo e um novo país nascia dessa tempestade.

Nenhum comentário :

Postar um comentário