Qual Era o Tamanho da Frota
Brasileira na Guerra da Independência? Por Que o Almirante Cochrane Foi
Escolhido Para Chefiar Nossa Frota? Como Foi a Sua Primeira Investida na Bahia?
Como Ele se Saiu Nas Investidas Contra o Maranhão e o Pará?
O mais famoso
dos mercenários contratados por D. Pedro I para lutar em favor da independência
brasileira – o escocês Thomas Alexander Cochrane – foi o primeiro almirante da
até então desorganizada e ineficiente Marinha do Brasil.
Sob a mira de
seus canhões as forças portuguesas se renderam na Bahia, no Maranhão e no Pará,
evitando que em 1823 o Brasil se fragmentasse.
Com a sua ajuda, o nascente império brasileiro conseguiu incrementar no ano seguinte a Confederação do Equador - movimento de tendência republicana e separatista organizado em Pernambuco, com apoio dos estados vizinhos.
Mas, apesar de todos esses grandes feitos, até hoje seu legado é motivo de controvérsia. Lorde Cochrane é odiado em São Luís (MA), cidade que saqueou durante a Guerra da Independência. Nessa época, ele era uma celebridade internacional, equivalente hoje aos grandes astros de Hollywood, ao Rei Pelé ou Ayrton Senna.
Herói dos
mares, alto, bonito e destemido, seus feitos eram celebrados em romances e alvo
da curiosidade no mundo todo. A ascensão rumo ao estrelato começou pelo posto de oficial da Real Marinha Britânica durante as guerras napoleônicas.
Com apenas 25 anos, no comando de uma embarcação com 14 pequenos canhões e 84 marinheiros, ele conseguiu capturar o navio espanhol “El Gamo”, um barco bem maior e armado com 32 canhões e uma tripulação de 300 homens.
Promovido a comandante de fragata, infernizou a vida de Napoleão Bonaparte no mar Mediterrâneo, impondo derrotas humilhantes à esquadra francesa. Manteve as costas da Espanha e da França em tal estado de alarme que ganhou do próprio Napoleão o apelido de “El Diablo”.
Foi contratado como mercenário para lutar nas guerras de independências do Chile e do Peru, contra os espanhóis. No Brasil, contra os portugueses, na Grécia, contra os turcos do Império Otomano e, em todas elas, sua atuação foi decisiva.
Uma de suas
especialidades era investir contra frotas de navios muito maiores, usando
barcos intermediários que explodiam e espalhavam chamas em todas as
direções. Os navios de guerra eram altamente vulneráveis ao fogo.
Porém, outras
características contribuíram para adicionar à fama o traço da polêmica, pois
Cochrane era teimoso, narcisista e louco por dinheiro. Desentendia-se com
frequência com seus superiores e, essa atitude, o fez ainda mais popular entre
os subordinados e eleitores, mas atraiu a ira da aristocracia britânica.
As guerras
napoleônicas tinham deixado o antigo império colonial espanhol na América do
Sul em pedaços. Do Caribe à Terra do Fogo, na extremidade sul do continente, os
chamados “caudilhos” tinham-se aproveitado da situação para organizar exércitos
em defesa dos territórios sob seu controle.
Ao norte,
Simón Bolívar tinha estabelecido em 1814 a República de Nova Granada (Colômbia
e Venezuela) e, dois anos mais tarde, um congresso em Buenos Aires proclamou a
independência das províncias Unidas Rio da Prata (Argentina). Em 1817, uma
expedição liderada pelo general Jose de San Martin cruzou os Andes, derrotou os
espanhóis e estabeleceu o Chile.
O passo seguinte seria a libertação do Peru em 1821 e, para consolidar esses avanços, faltava o domínio dos mares. Com um litoral tão extenso quanto o Brasil, o Chile e o Peru continuavam assolados pelos navios espanhóis e, a tarefa de expulsá-los, foi confiada a Cochrane.
Em 1822, o governo brasileiro precisava desesperadamente de um líder que organizasse a sua Marinha, pois os almirantes disponíveis tinham pouca experiência de combate. E, pior que isso, todos eram portugueses e, portanto, suspeitos em relação à causa brasileira.
O candidato mais provável – o vice-almirante Rodrigo Lobo – tinha fama de incompetente e covarde. A sugestão de contratar Lorde Cochrane partiu de Felisberto Caldeira Brant Pontes, representante brasileiro em Londres.
Uma semana
após o “Grito do Ipiranga”, uma mensagem secreta de José Bonifácio chegou às
mãos de Antônio Corrêa da Câmara – agente brasileiro em Buenos Aires – com
instruções para ir ao Chile entregar a Cochrane o convite para juntar-se às
forças brasileiras.
“A glória o
chama”, escreveu Câmara ao escocês. “Um príncipe generoso e uma nação inteira
estão à sua espera e, todas as cargas tomadas na guerra, serão de propriedade de
quem as capturar”. Era tudo o que Cochrane precisava para decidir.
O almirante
chegou ao Rio de Janeiro em 13 de março de 1823, trazendo a bordo uma nova
amiga - a viajante inglesa Maria Graham de 37 anos. Ela se tornaria amiga da
imperatriz Leopoldina, seria preceptora da princesa Maria da Glória e também
deixaria um precioso registro sobre o Brasil.
No dia
seguinte à sua chegada, Cochrane foi convidado por D. Pedro I a acompanhá-lo na
inspeção aos navios ancorados no porto. Foi uma decepção, pois embora os barcos
fossem até razoáveis, os marinheiros eram da “pior classe de portugueses” – na
descrição do almirante.
A primeira
investida contra os portugueses, na Bahia, foi um fiasco. Cochrane deixou o
porto do Rio de Janeiro no dia 1º de abril com 5 navios e outros 2 foram
deixados para trás em estado precário. A tripulação da nau capitânia – a Pedro
I – era composta por 160 marinheiros ingleses e americanos, 130 ex-escravos e
um grupo de “vagabundos da capital” recrutado à força.
Ao se
aproximar de Salvador, foi surpreendido pela frota portuguesa quase 3 vezes
maior (14 navios equipados com 380 canhões), pois a frota brasileira tinha apenas 234
canhões. Por sorte, os portugueses não eram grandes “lobos do mar” e o maior
dos seus navios (D. João VI) encalhou, retardando a batalha em uma semana.
Quando o
confronto recomeçou (4 de maio), Cochrane se deu conta de quão frágeis eram os
seus recursos. No lado brasileiro, os navios foram alvo de sabotagens por parte
dos marinheiros portugueses e, na corveta Guarani, a tripulação – toda
portuguesa – recusou-se a entrar em ação, declarando que “portugueses não se batem
contra portugueses”. Correndo o risco de sofrer uma derrota humilhante e até
ser capturado, Cochrane preferiu fugir.
O frustrado
ataque à Bahia serviu de lição. A tripulação portuguesa foi substituída por
novos recrutas brasileiros e mercenários ingleses e americanos, mais confiáveis
para a causa da independência. Os navios acabaram recebendo novos equipamentos,
armas e munições comprados na Europa e, em vez de atacar uma 2ª vez os navios
portugueses, Cochrane decidiu bloqueá-los no porto de Salvador e impedi-los de
receber suprimentos e reforços - e isso foi uma sábia decisão.
Menos de dois
meses depois toda a esquadra lusitana – 17 navios de guerra e 75 mercantes –
deixou a capital baiana rumo a Portugal. Cochrane conseguiu capturar 16 barcos
e fazer 2 mil prisioneiros. Uma fragata brasileira (Niterói) cruzou a Atlântico
no encalço dos portugueses até as imediações da foz do rio Tejo, em Lisboa.
Levava a bordo um adolescente de 15 anos (Joaquim Marques Lisboa), futuro Marquês de Tamandaré, herói da Guerra do Paraguai e patrono da Marinha de Guerra do Brasil. Uma caçada tão destemida deixou os portugueses apavorados, pois pela primeira vez eles perceberam que sua ex-colônia tinha “a faca nos dentes”.
A nascente Marinha brasileira não apenas reunia condições de defender a independência, mas poderia criar coragem e atacar a própria metrópole na Europa. Por alguns meses, isso foi motivo de boatos e sobressaltos em Portugal.
Cumprida sua
missão na Bahia, Cochrane voltou sua atenção para o Maranhão e o Pará, que
ainda permaneciam fiéis aos portugueses. No final de julho de 1823, todo o
interior do Maranhão estava ocupado por oito mil voluntários piauienses e
cearenses adeptos da Independência.
A rendição de
São Luís seria apenas uma questão de tempo. Cochrane conseguiu sozinho toda a
glória usando de astúcia para acelerar um fato já consumado.
Ao se
aproximar de São Luís, Cochrane mandou hastear a bandeira britânica, em vez das
cores brasileiras. Os militares que vigiavam o porto acreditaram tratar-se de
um navio inglês neutro no conflito, e enviaram o navio S. Miguel com as
mensagens de boas-vindas.
Ao subir a
bordo o oficial se deu conta de que estava em um navio brasileiro. Foi
imediatamente preso, mas Cochrane decidiu libertá-lo na condição de que ele
levasse uma carta ao governador exigindo sua rendição.
No dia
seguinte, a junta de governo – ciente da aproximação do exército brasileiros
pelo interior – anunciou a adesão da província ao império do Brasil.
Em Belém, a
astúcia foi ainda maior. Por orientação do almirante, no dia 10 de agosto de
1823 o capitão inglês (Joe Grenfell) ancorou seu navio em frente à cidade e
mandou avisar os portugueses que além da linha do horizonte estava toda a frota
imperial brasileira sob o comando de Cochrane.
Era um blefe. Isolados e sem comunicações por terra com as demais capitais, os portugueses preferiram não correr o risco e entregaram a capital paraense sem disparar um só tiro.
Depois de obter a rendição portuguesa em São Luís Cochrane dedicou-se ao saque da cidade, tomando posse de um patrimônio estimado em 100 mil libras esterlinas (43 milhões de reais, hoje). Incluía todo o dinheiro depositado no tesouro público, nos quartéis e outras repartições, além de propriedades e mercadorias a bordo de 120 navios.
Apesar do
comportamento brutal em São Luís, Cochrane foi recebido no Rio de Janeiro como
herói nacional e agraciado por D. Pedro I com a Ordem do Cruzeiro do Sul e o
título de Marquês do Maranhão – decisão que soa até hoje aos maranhenses como
uma ofensa.
Ao Final dos
combates em Pernambuco Cochrane retornou a São Luís, onde tinha contas a
ajustar. Pelos seus cálculos, o governo do Maranhão ainda lhe devia 85 mil
libras esterlinas (25 milhões de reais, hoje), mas anunciou que concordava em
receber 21.000; ou seja, menos de um quarto do total, se fosse imediatamente.
Em 18 de maio
de 1825, Cochrane deu por encerrada sua participação na Guerra da Independência
e seu último ato foi melancólico. Numa repetição do comportamento que tivera no
Peru, sequestrou um navio brasileiro (a fragata Piranga) de 50 canhões e o
levou para a Inglaterra.
Quatorze anos
depois, o império brasileiro concordou em pagar aos seus herdeiros mais 40.298
libras esterlinas, pondo fim a uma disputa de ½ século. Porém, sua reputação de
herói da Independência estava irremediavelmente manchada.
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