quinta-feira, 10 de novembro de 2022

Um Escocês Louco Por Dinheiro Como Herói da Independência Brasileira

 

Qual Era o Tamanho da Frota Brasileira na Guerra da Independência? Por Que o Almirante Cochrane Foi Escolhido Para Chefiar Nossa Frota? Como Foi a Sua Primeira Investida na Bahia? Como Ele se Saiu Nas Investidas Contra o Maranhão e o Pará?


 

O mais famoso dos mercenários contratados por D. Pedro I para lutar em favor da independência brasileira – o escocês Thomas Alexander Cochrane – foi o primeiro almirante da até então desorganizada e ineficiente Marinha do Brasil.

Sob a mira de seus canhões as forças portuguesas se renderam na Bahia, no Maranhão e no Pará, evitando que em 1823 o Brasil se fragmentasse.

Com a sua ajuda, o nascente império brasileiro conseguiu incrementar no ano seguinte  a Confederação do Equador - movimento de tendência republicana e separatista organizado em Pernambuco, com apoio dos estados vizinhos. 

Mas, apesar de todos esses grandes feitos, até hoje seu legado é motivo de controvérsia. Lorde Cochrane é odiado em São Luís (MA), cidade que saqueou durante a Guerra da Independência. Nessa época, ele era uma celebridade internacional, equivalente hoje aos grandes astros de Hollywood, ao Rei Pelé ou Ayrton Senna.

Herói dos mares, alto, bonito e destemido, seus feitos eram celebrados em romances e alvo da curiosidade no mundo todo. A ascensão rumo ao estrelato começou pelo posto de oficial da Real Marinha Britânica durante as guerras napoleônicas.

Com apenas 25 anos, no comando de uma embarcação com 14 pequenos canhões e 84 marinheiros, ele conseguiu capturar o navio espanhol “El Gamo”, um barco bem maior e armado com 32 canhões e uma tripulação de 300 homens. 

Promovido a comandante de fragata, infernizou a vida de Napoleão Bonaparte no mar Mediterrâneo, impondo derrotas humilhantes à esquadra francesa. Manteve as costas da Espanha e da França em tal estado de alarme que ganhou do próprio Napoleão o apelido de “El Diablo”. 

Foi contratado como mercenário para lutar nas guerras de independências do Chile e do Peru, contra os espanhóis. No Brasil, contra os portugueses, na Grécia, contra os turcos do Império Otomano e, em todas elas, sua atuação foi decisiva.

Uma de suas especialidades era investir contra frotas de navios muito maiores, usando barcos intermediários que explodiam e espalhavam chamas em todas as direções. Os navios de guerra eram altamente vulneráveis ao fogo.

Porém, outras características contribuíram para adicionar à fama o traço da polêmica, pois Cochrane era teimoso, narcisista e louco por dinheiro. Desentendia-se com frequência com seus superiores e, essa atitude, o fez ainda mais popular entre os subordinados e eleitores, mas atraiu a ira da aristocracia britânica.

As guerras napoleônicas tinham deixado o antigo império colonial espanhol na América do Sul em pedaços. Do Caribe à Terra do Fogo, na extremidade sul do continente, os chamados “caudilhos” tinham-se aproveitado da situação para organizar exércitos em defesa dos territórios sob seu controle.

Ao norte, Simón Bolívar tinha estabelecido em 1814 a República de Nova Granada (Colômbia e Venezuela) e, dois anos mais tarde, um congresso em Buenos Aires proclamou a independência das províncias Unidas Rio da Prata (Argentina). Em 1817, uma expedição liderada pelo general Jose de San Martin cruzou os Andes, derrotou os espanhóis e estabeleceu o Chile.

O passo seguinte seria a libertação do Peru em 1821 e, para consolidar esses avanços, faltava o domínio dos mares. Com um litoral tão extenso quanto o Brasil, o Chile e o Peru continuavam assolados pelos navios espanhóis e, a tarefa de expulsá-los, foi confiada a Cochrane.

Em 1822, o governo brasileiro precisava desesperadamente de um líder que organizasse a sua Marinha, pois os almirantes disponíveis tinham pouca experiência de combate. E, pior que isso, todos eram portugueses e, portanto, suspeitos em relação à causa brasileira. 

O candidato mais provável – o vice-almirante Rodrigo Lobo – tinha fama de incompetente e covarde. A sugestão de contratar Lorde Cochrane partiu de Felisberto Caldeira Brant Pontes, representante brasileiro em Londres.

Uma semana após o “Grito do Ipiranga”, uma mensagem secreta de José Bonifácio chegou às mãos de Antônio Corrêa da Câmara – agente brasileiro em Buenos Aires – com instruções para ir ao Chile entregar a Cochrane o convite para juntar-se às forças brasileiras.

“A glória o chama”, escreveu Câmara ao escocês. “Um príncipe generoso e uma nação inteira estão à sua espera e, todas as cargas tomadas na guerra, serão de propriedade de quem as capturar”. Era tudo o que Cochrane precisava para decidir.

O almirante chegou ao Rio de Janeiro em 13 de março de 1823, trazendo a bordo uma nova amiga - a viajante inglesa Maria Graham de 37 anos. Ela se tornaria amiga da imperatriz Leopoldina, seria preceptora da princesa Maria da Glória e também deixaria um precioso registro sobre o Brasil.

No dia seguinte à sua chegada, Cochrane foi convidado por D. Pedro I a acompanhá-lo na inspeção aos navios ancorados no porto. Foi uma decepção, pois embora os barcos fossem até razoáveis, os marinheiros eram da “pior classe de portugueses” – na descrição do almirante.

A primeira investida contra os portugueses, na Bahia, foi um fiasco. Cochrane deixou o porto do Rio de Janeiro no dia 1º de abril com 5 navios e outros 2 foram deixados para trás em estado precário. A tripulação da nau capitânia – a Pedro I – era composta por 160 marinheiros ingleses e americanos, 130 ex-escravos e um grupo de “vagabundos da capital” recrutado à força.

Ao se aproximar de Salvador, foi surpreendido pela frota portuguesa quase 3 vezes maior (14 navios equipados com 380 canhões), pois a frota brasileira tinha apenas 234 canhões. Por sorte, os portugueses não eram grandes “lobos do mar” e o maior dos seus navios (D. João VI) encalhou, retardando a batalha em uma semana.

Quando o confronto recomeçou (4 de maio), Cochrane se deu conta de quão frágeis eram os seus recursos. No lado brasileiro, os navios foram alvo de sabotagens por parte dos marinheiros portugueses e, na corveta Guarani, a tripulação – toda portuguesa – recusou-se a entrar em ação, declarando que “portugueses não se batem contra portugueses”. Correndo o risco de sofrer uma derrota humilhante e até ser capturado, Cochrane preferiu fugir.

O frustrado ataque à Bahia serviu de lição. A tripulação portuguesa foi substituída por novos recrutas brasileiros e mercenários ingleses e americanos, mais confiáveis para a causa da independência. Os navios acabaram recebendo novos equipamentos, armas e munições comprados na Europa e, em vez de atacar uma 2ª vez os navios portugueses, Cochrane decidiu bloqueá-los no porto de Salvador e impedi-los de receber suprimentos e reforços - e isso foi uma sábia decisão.

Menos de dois meses depois toda a esquadra lusitana – 17 navios de guerra e 75 mercantes – deixou a capital baiana rumo a Portugal. Cochrane conseguiu capturar 16 barcos e fazer 2 mil prisioneiros. Uma fragata brasileira (Niterói) cruzou a Atlântico no encalço dos portugueses até as imediações da foz do rio Tejo, em Lisboa.

Levava a bordo um adolescente de 15 anos (Joaquim Marques Lisboa), futuro Marquês de Tamandaré, herói da Guerra do Paraguai e patrono da Marinha de Guerra do Brasil. Uma caçada tão destemida deixou os portugueses apavorados, pois pela primeira vez eles perceberam que sua ex-colônia tinha “a faca nos dentes”. 

A nascente Marinha brasileira não apenas reunia condições de defender a independência, mas poderia criar coragem e atacar a própria metrópole na Europa. Por alguns meses, isso foi motivo de boatos e sobressaltos em Portugal.

Cumprida sua missão na Bahia, Cochrane voltou sua atenção para o Maranhão e o Pará, que ainda permaneciam fiéis aos portugueses. No final de julho de 1823, todo o interior do Maranhão estava ocupado por oito mil voluntários piauienses e cearenses adeptos da Independência.

A rendição de São Luís seria apenas uma questão de tempo. Cochrane conseguiu sozinho toda a glória usando de astúcia para acelerar um fato já consumado.

Ao se aproximar de São Luís, Cochrane mandou hastear a bandeira britânica, em vez das cores brasileiras. Os militares que vigiavam o porto acreditaram tratar-se de um navio inglês neutro no conflito, e enviaram o navio S. Miguel com as mensagens de boas-vindas.

Ao subir a bordo o oficial se deu conta de que estava em um navio brasileiro. Foi imediatamente preso, mas Cochrane decidiu libertá-lo na condição de que ele levasse uma carta ao governador exigindo sua rendição.

No dia seguinte, a junta de governo – ciente da aproximação do exército brasileiros pelo interior – anunciou a adesão da província ao império do Brasil.

Em Belém, a astúcia foi ainda maior. Por orientação do almirante, no dia 10 de agosto de 1823 o capitão inglês (Joe Grenfell) ancorou seu navio em frente à cidade e mandou avisar os portugueses que além da linha do horizonte estava toda a frota imperial brasileira sob o comando de Cochrane.

Era um blefe. Isolados e sem comunicações por terra com as demais capitais, os portugueses preferiram não correr o risco e entregaram a capital paraense sem disparar um só tiro. 

Depois de obter a rendição portuguesa em São Luís Cochrane dedicou-se ao saque da cidade, tomando posse de um patrimônio estimado em 100 mil libras esterlinas (43 milhões de reais, hoje). Incluía todo o dinheiro depositado no tesouro público, nos quartéis e outras repartições, além de propriedades e mercadorias a bordo de 120 navios.

Apesar do comportamento brutal em São Luís, Cochrane foi recebido no Rio de Janeiro como herói nacional e agraciado por D. Pedro I com a Ordem do Cruzeiro do Sul e o título de Marquês do Maranhão – decisão que soa até hoje aos maranhenses como uma ofensa.

Ao Final dos combates em Pernambuco Cochrane retornou a São Luís, onde tinha contas a ajustar. Pelos seus cálculos, o governo do Maranhão ainda lhe devia 85 mil libras esterlinas (25 milhões de reais, hoje), mas anunciou que concordava em receber 21.000; ou seja, menos de um quarto do total, se fosse imediatamente.

Em 18 de maio de 1825, Cochrane deu por encerrada sua participação na Guerra da Independência e seu último ato foi melancólico. Numa repetição do comportamento que tivera no Peru, sequestrou um navio brasileiro (a fragata Piranga) de 50 canhões e o levou para a Inglaterra.

Quatorze anos depois, o império brasileiro concordou em pagar aos seus herdeiros mais 40.298 libras esterlinas, pondo fim a uma disputa de ½ século. Porém, sua reputação de herói da Independência estava irremediavelmente manchada.

  

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