Conforme Galeno, Quais Eram as “Forças” Que Dominavam o Corpo Humano? Nesse Sentido, o Que Pensava Hipócrates? Como Harvey Descreveu o Movimento das Artérias?
Durante 13 séculos Galeno dominou a Fisiologia
e a Anatomia europeia, pois a sua persuasiva explicação do fenômeno da vida
partia dos três (3) “sopros” que Platão dizia governarem o corpo. O racional,
no cérebro, dominava a sensação e o movimento. O irascível, no coração, controlava
as paixões e, o concupiscente, no fígado, nutria.
Depois de inalado, o ar era
transformado em “pneuma” pelos pulmões e esse processo transformava
uma espécie de pneuma em outra. O fígado elaborava “quilo” do trato alimentar
em sangue, transportador do “espírito natural” que fluía nas veias com uma
espécie de movimentos das marés.
E, em seguida, o espírito vital era
transportado numa fase de pneuma ainda mais elevada, conhecida como “espírito
animal”. Esta elevada forma de pneuma era distribuída através do corpo, pelos
nervos, os quais Galeno supunha serem ocos.
Em resumo, esta era a grande
estrutura da fisiologia de Galeno, a qual era essencialmente uma “pneumatologia”.
Ele explicava tudo, mas ninguém podia acusá-lo de pretender possuir mais
conhecimentos do que na realidade possuía, pois ele admitia o caráter enganoso
de todos os elementos de seu sistema.
No cerne do seu sistema encontrava-se
uma interessante teoria sobre o coração humano. Pois, segundo Hipócrates, o
“calor” ingênito ([1]) permeava todo o corpo e distinguia os
vivos dos mortos, tinha sua origem no coração. Alimentado pelo pneuma,
o coração era o órgão mais quente de todos e o calor que vinha com a própria
vida era ingênito, a marca de garantia da alma.
Como o coração era claramente a
cidadela da fisiologia galeniana, para que os médicos pudessem abandonar os
seus pneumas, alguém teria de fornecer outra explicação
persuasiva de como o coração funcionava. Isso seria conseguido por Wiliam
Harvey que, com 15 anos ganhou uma bolsa de estudos para medicina em 1599, foi
para Pádua onde conquistou a confiança dos seus colegas e se tornou
representante da “Nação Inglesa” no conselho da universidade. As lições eram em
latim – que ele sabia ler e falar – e a vida estudantil era turbulenta, sem ser
intelectualmente excitante.
Fabrício Aquapendente era um
investigador incansável fiel a Galeno e, quando um grupo de estudantes se rebelou
contra sua atitude zombeteira, ele conseguiu apaziguá-los com um precioso
cadáver para eles próprios dissecarem. Durante algum tempo, Harvey viveu com
Fabrício na sua casa de campo à saída de Pádua.
Por volta de 1574 – bem antes de
Harvey chegar à Pádua – Fabrício notou que as veias dos membros humanos
continham minúsculas válvulas que só permitiam que o sangue fluísse numa
direção. Observou que essas válvulas não estavam nas veias largas do tronco do
corpo que transportavam sangue diretamente para os órgãos vitais.
Dessa forma, Fabrício ajustou essas
novas informações às velhas teorias de Galeno do movimento centrífugo do sangue
para o exterior, a fim de alimentar as vísceras. A recordação dessas
maravilhosas válvulas, que ele mostrou ao jovem Harvey em Pádua, permaneceu
viva na mente deste para inquietá-lo e estimulá-lo. E, quando Harvey começou a
estudar o coração, os médicos ainda não tinham acordado se esse órgão
trabalhava quando se expandia – o que coincidia com a dilatação das veias – ou
quando se contraía.
Harvey descreveu o movimento das
artérias, como elas se dilatam quando o coração se contrai e para elas bombeia
o sangue e, depois disso, ele acompanha o caminho do sangue quando ele sai da
câmara direita do coração. “Do ventrículo direito, o sangue é transportado
através dos pulmões no seu caminho para a aurícula esquerda, donde é expulso
através do ventrículo esquerdo”. Isso implicava outro novo conceito: _ a
circulação “menor” ou pulmonar do sangue, através dos pulmões.
Mas, inesperadamente, foi Cristóvão
Colombo que forneceu alguns fatos essenciais. Duas de suas observações foram as
peças que faltavam no quebra-cabeça cardiovascular de Harvey. A primeira era o
fato – desconhecido de Vesálio – de que o sangue passava do ventrículo direito
para o esquerdo, via pulmões e, a segunda observação, era a descrição exata do
funcionamento do coração e do significado correto da sístole e da diástole.
Colombo dizia que o coração
trabalhava quando se contraía, na sístole, incluindo o ritmo do coração entre “as
coisas que são belas de observar”. Quando juntou as intenções de Colombo
sobre a ação bombeadora do coração com as descrições de Fabrício das válvulas
das veias, Harvey começou a ver a luz: _ o coração não era uma fornalha e sim
uma bomba, e o sangue fluía dele para alimentar os órgãos.
Mas, ainda eram necessários outros
fatos a fim de provar a circularidade do movimento sanguíneo e Harvey teve de
dar o passo da mera circulação do sangue à sua maneira: _
para a circularidade do movimento que se tornou o conceito fundamental da
fisiologia moderna.
Após descrever os caminhos do sangue
para o coração, ele levantou uma questão essencial, pois descobriu a força que
mantinha a corrente em movimento, embora ele ainda não tivesse cartografado
todo o curso do sangue. Ele levantou uma questão a qual estava decidido a dar
uma resposta quantitativa: _ “Quanto sangue passa das veias para as
artérias?”
Daí, Harvey examinou quanto sangue
era transmitido e em quanto tempo. “Se o enchimento da corrente sanguínea
estivesse restabelecido constantemente apenas pela substância dos alimentos
ingeridos, o resultado seria o rápido esvaziamento de todas as artérias e o seu
arrebentamento pelo fluxo excessivo de sangue”. Qual seria a resposta?
Dentro do sistema do corpo não
existia nenhuma explicação, a não ser que o sangue refluísse de algum modo das
artérias para as veias e regressasse ao ventrículo direito do coração.
Essa explicação era simples e, tendo
no seu raciocínio confirmado as suas hipóteses contra as objeções que ele
encontrou, Harvey tentou convencer seus colegas reunindo autoridades em seu
apoio.
Citou extensivamente Galeno a fim de
apoiar sua opinião da relação de artérias e veias com os pulmões. Com respeito
citou Aristóteles, cujas ideias anatômicas tinham sido eclipsadas desde a
disseminação de textos impressos de Galeno no século XVI.
Harvey insistia que aquilo descrito
por ele eram apenas fatos e não a aplicação de uma filosofia. “Não professo
aprender e ensinar anatomia, partindo dos axiomas dos filósofos”. No entanto,
havia uma lacuna que ele não conseguiu preencher, pois as grandes quantidades
de sangue eram expelidas velozmente do coração para as artérias e depois para
as veias e, dessa forma, de volta ao coração. Mas, o conjunto do sistema não
funcionaria a não ser que fosse constantemente transmitido sangue das artérias
para as veias.
Harvey jamais conseguiu descobrir os
corredores de ligação, mas expressou a sua convicção de que essa ligação era
realizada por quaisquer “admiráveis artifícios ainda por descobri”.
Embora, ocasionalmente usasse uma lente de aumento, ele não possuía
microscópio, o qual seria imprescindível para descobrir os capilares.
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([1]) Que nasce com a pessoa; inato, congênito.
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