Quem Foi o Pioneiro da Demografia Moderna e o Que Ele Pesquisou? O Que Graunt Procurava ao Pesquisar a Mortalidade em Londres? Qual Foi a Contribuição de Adolphe Quetelet ao Estudo da Estatística?
O pioneiro da demografia moderna
foi um próspero homem de negócios londrino – John Graunt – e um amador no mundo
da matemática. Não tinha instrução formal na matéria, mas foi colocado como
aprendiz em casa de um retroseiro ([1])
e se tornou um próspero homem de negócios. Conhecida pela sua hábil faculdade
de tomar apontamentos estenográficos, era devoto experimentalista, no tocante a
religião e apaziguador na Londres dominada pelas facções da Guerra Civil.
Embora educado como puritano,
converteu-se ao catolicismo e sofreu prejuízos enormes no incêndio de Londres
em 1666 e jamais refez sua fortuna. Homem de negócios realista, Graunt não se
preocupou com os cálculos da riqueza nacional que ocupavam os “aritméticos
políticos” do seu tempo. Interessava-se com o bem-estar da sua comunidade e
desempenhou diversos cargos, incluindo o de vereador. O número de mortos nos
anos da peste tornou-se a base do interesse de Graunt pela demografia e pela
estatística.
O fato mais angustiante relativamente
à população inglesa foi a elevada taxa de mortalidade durante os anos da peste.
Durante o ano de 1625, por exemplo, morreu ¼ da população e, durante a
catastrófica peste de 1603, as relações de mortalidade semanais publicavam
informações recolhidas por pesquisadores encarregados de observar os cadáveres
e comunicar a causa da morte, assim como de obrigar a cumprir as leis da
quarentena.
Graunt desconhecia por que os
seus pensamentos se interessaram pelas relações de mortalidade e integrava-o
que tantos fatos tão coligidos fossem tão pouco utilizados. O seu inimigo – o
economista William Petty – encorajou a sua curiosidade. Em fevereiro de 1662, o
Dr. Daniel Whistler distribuiu uma brochura de 90 páginas, de autoria de John
Graunt, propondo que ele fosse aceito como membro e a sociedade concedeu-lhe
imediatamente tal honra – coisa sem precedente relativamente a um simples homem
de negócios. O Rei Carlos II, apoiando Graunt, instigou a sociedade a que, “se
descobrissem mais alguns homens de negócios assim, não deixassem de admitir sem
qualquer hesitação”.
Modestamente Graunt esperava que
o seu curto panfleto lograsse alcançar-lhe representação naquilo a que chamava
de “Parlamento da Natureza”. Sua obra não fazia quaisquer reivindicações
cósmicas, limitando-se a “reduzir vários grandes volumes confusos em poucas
tabelas claras, e condensar observações delas decorrentes em poucos
parágrafos”. Graunt ofereceu logo no princípio 106 observações numeradas e,
recusando-se a admitir que a inaptidão das “pesquisadoras” tornara seu produto
inútil, ele revelou engenho extraindo dele hipóteses. Mesmo quando se sabia que
as pesquisadoras tinham sido tentadas, “depois de uma caneca de cerveja”,
registrando o que era realmente uma morte resultante de “bexigas francesas” ([2]) como sendo de “tísica”, utilizava o fato
Para aumentar o interesse das listas.
Depois de agrupar diversos fatos
similares de todas as 7 décadas registradas nas relações de mortalidade, Graunt
comparou os resultados de diferentes grupos. Observou por exemplo que apenas 2
pessoas em cada 9 morriam de doenças agudas, 70 em 229 de doenças crônicas e
somente 4 de 229 de “mazelas externas” (cancros, pústula, ossos partidos,
lepra, etc.). Sete por cento morriam de velhice, enquanto algumas doenças e
acidentes mantinham proporção constante. Menos de uma em 2 mil era assassinada
em Londres e, não mais de 1 em 4 mil, acabavam morrendo de fome.
O outono era a estação mais
insalubre, mas algumas doenças – febre, disenteria, varíola – eram igualmente
ameaçadoras ao longo de todo ano. Londres não era tão saudável como em tempos
fora. Enquanto a população da província inglesa duplicava pela procriação
apenas uma vez em cada 280 anos, a de Londres duplicava todos os 70 anos.
Seu invento mais original foi a
nova forma de apresentar a população e a mortalidade, calculando a
sobrevivência numa “tabela de vida”. Começando por dois (2) fatos simples – o
número de nascimentos que sobreviveram até aos 6 anos (64 em 100) e o número
dos que sobrevivem até à idade de 76 anos (1 em 100) – elaborou uma tabela
indicando o número de sobreviventes em cada uma das 6 décadas intervenientes no
cálculo:
·
Aos 16
anos ..................... 40
·
Aos 26
anos ..................... 25
·
Aos 36
anos ..................... 16
·
Aos 46
anos ..................... 10
·
Aos 56
anos ..................... 6
·
Aos 66
anos ..................... 3
·
Aos 76
anos ..................... 1
·
Aos 80
anos ..................... 0
Não temos conhecimento de nenhum censo nacional antes do século XVIII e, fossem quais fossem os números que revelavam o poder econômico e militar de uma nação. Eram guardados como segredos de Estado. Parece que os antigos censos de população entre os Egípcios, Gregos, Hebreus, Persas, Romanos e Japoneses incidiam sobre pessoas e bens tributáveis. E homens de idade militar.
Os números públicos são um
produto secundário moderno de novas formas de pensar a respeito de governo,
riqueza e ciência. Governos representativos têm necessitado de censos públicos
da população. Os estruturadores da Constituição americana foram pioneiros ao
estabelecerem a disposição de um censo nacional de 10 em 10 anos. O censo de
1790 deu início ao mais antigo censo periódico de uma nação e se tornou modelo
de instituição noutros lugares.
As razões de segurança nacional
não foram os únicos obstáculos medievais à publicação de dados sobre
nascimentos, mortes e longevidade. Durante muito tempo acreditou-se que a
duração das diferentes vidas humanas era do pelouro ([3])
exclusivo de Deus. Só no século XVII a palavra inglesa para dizer “seguro”
começou a ter o seu significado moderno e em 1783 um escritor francês se
vangloriava de que, embora permitido em Nápoles, Florença e na Inglaterra, o
seguro de vida não o era na França – onde a vida humana era tida por tão
sagrada que não podia ser objeto de aposta.
O Renascimento e uma ciência de
estatísticas cresceram juntos, fornecendo o moderno vocabulário das ciências
sócias, da economia nacional e das relações internacionais. Adolphe Quetelet
começou a ensinar Matemática aos 17 anos e obteve seu doutorado pela
Universidade de Gante, graças a uma tese sobre geometria analítica que lhe
assegurou a eleição para a Academia Belga. Aos 23 anos foi nomeado professor de
Matemática e depois atraiu multidões para as suas preleções sobre assuntos
científicos esotéricos.
Embora tivesse compartilhado as
especulações dos matemáticos e astrônomos franceses em Paris, sentiu “a
necessidade de juntar ao estudo dos fenômenos celestes o estudo dos fenômenos
terrestres, que não tinha sido possível até agora” e, tampouco, perdeu seu
interesse artístico pela forma e pelas medidas do corpo humano. Em Bruxelas
começou a reunir aquilo a que chamou de “estatística moral”. Da massa de
números não classificados separou todas as estatísticas sobre seres humanos,
incluindo números supostamente banais sobre as dimensões físicas do corpo
humano, juntamente com fatos sobre crimes e criminosos.
Quetelet alargou a “Estatística”
para passar a significar dados sobre a espécie humana. O uso conhecido mais
antigo da palavra “estatística” significava uma ciência do Estado, ou arte de
governar e, durante o século XVIII, descreveu o estudo de constituições e
recursos naturais e a política dos Estados. John Sinclair utilizou a palavra
“estatística” como o nome da avaliação do quantum da felicidade pelo povo de um
país e dos seus maios de “melhoria futura”.
Quetelet abordou o assunto não do
lado político ou econômico, mas a partir de um interesse pela matemática, pela
probabilidade e por normas humanas. Dos dados quantitativos que reuniu sobre o
corpo humano, ele concluiu que “considerando a altura dos homens de uma nação,
os valores individuais se agrupam eles próprios simetricamente à volta do médio
de acordo com a lei das causas acidentais”.
Em 1844, Quetelet deixou os
céticos surpresos ao aplicar seus conceitos para avaliar a extensão da fuga ao
recrutamento do exército francês. Comparando os seus números relativos à
distribuição provável dos homens de alturas diferentes com a distribuição efetiva
das alturas encontradas entre 100 mil jovens franceses que tinham respondido à
chamada para recrutamento, ele calculou que cerca de 2 mil homens tinham
escapado ao recrutamento, fingindo medir menos do que a altura mínima.
Quetelet foi atacado por usar a
“física social” para negar a capacidade do indivíduo de escolher entre o bem e
o mal. Mas replicou que, finalmente, agora, a estatística revelava as forças
que já se encontravam em ação na sociedade e criava assim “a possibilidade de
melhorar as pessoas, modificando as suas instituições, seus hábitos, sua
educação e tudo quanto influenciava o seu comportamento”. A devota Florence
Nightingale foi a inverossímil defensora dessa nova ciência, a qual fez de
Quetelet o seu herói, considerando sua “Física Social” como a sua segunda
Bíblia e anotou todas as páginas do exemplar que lhe foi oferecido. Como a
estatística era a medida do objetivo de Deus, o estudo da estatística se tornou
outro dos seus proclamados deveres religiosos.
Quetelet organizou pessoas na Europa
e na América para reunirem dados recenseadores que pudessem servir como
“estatística moral”. Instigou Charles Babbage a fundar a Sociedade Estatística
de Londres e, depois disso, fez da Exposição do Palácio de Cristal de Londres
um fórum de cooperação internacional, que decorridos 3 anos deu origem ao
Primeiro Congresso Estatístico Internacional em Bruxelas.
Foi de importância crucial nesses
anos formativos das ciências sociais. A estatística internacional – disseram
alguns – foi uma esplêndida criação do próprio Quetelet e, nela, os povos
ocidentais baseariam expectativas excessivas quanto às lições de dados
quantitativos sobre saúde pública, política e educação. No século XX, os
números públicos dominariam discussões sobre previdência nacional e relações
internacionais. Conceitos como rendimento nacional e per capita, produto
nacional bruto, taxas de crescimento e desenvolvimento, nações desenvolvidas e
subdesenvolvidas e crescimento populacional seriam um legado de Quetelet.
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([1]) Fabricante ou vendedor de retrós
([2]) Trata-se da Sífilis – Os Ingleses tinham o hábito de qualificar de francesas doenças ou práticas sexuais pouco católicas.
([3]) Funções; Atribuições
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