Por Que Algumas Montanhas Eram Conhecidas Como “Residência dos Deuses”? Qual Foi o Maior Obstáculo à Descoberta da Forma da Terra?
Muito antes de os homens pensarem
em conquistar as montanhas, elas já tinham conquistado os homens. Toda montanha
relativamente alta era idolatrada pelas pessoas que viviam à sua sombra e,
inspirados pelo Himalaia, o povo da Índia imaginava uma montanha
ainda mais alta.
Os Hindus – e
depois os budistas – tornaram isso uma mística e consideravam montanhas de mais
de 135 mil km como a “residência dos deuses”. Segundo as escrituras hindus, na
montanha de Meru há rios de água doce correndo nela e belas casas douradas
habitadas pelos seres espirituais. A tradição
budista afirmava que Meru ficava entre quatro mundos, nas quatro direções
cardeais.
Os Japoneses tinham
a sua Fujiyama uma deusa que lhes dominava a paisagem e jamais deixou de ser
celebrada na sua arte. No Ocidente, os Gregos diziam que o seu
Olimpo – erguendo-se a 2700 metros acima do Egeu e envolto em nuvens
–proporcionava privacidade aos deuses. Eles estavam convencidos de que o Olimpo
era a montanha mais alta do mundo.
Onde não havia montanhas
naturais, os povos acabavam construindo montanhas artificiais. Os mais antigos
exemplos são as pirâmides em escala (os Zigurates) da antiga Mesopotâmia.
Zigurate significava tanto o cume de uma montanha como uma torre em escada
feita pelo homem. O enorme monte piramidal da Babilônia (90 metros de lado e
outros tantos de altura) tornou-se famoso como a Torre de Babel.
No vale do Rio Nilo ainda se pode
ver algumas das montanhas artificiais mais duráveis. O monte primevo – o lugar
da criação da vida – se revestia de uma força especial para os Egípcios,
pois todos os anos quando a cheia do Nilo recuava, apareciam montes de lodo
recém-sedimentados, férteis de vida nova e, por isso mesmo, todos os anos os
Egípcios reviviam a história da criação.
No Tibete, os lamas todos os dias
ofereciam aos budas o seu próprio modelo da Terra _ o seu montinho de arroz era
a montanha de Meru. O Buda deu instruções para que os seus ossos, após a
cremação, fossem colocados num monte no cruzamento de quatro caminhos, a fim de
simbolizar o reino universal dos seus ensinamentos.
A maior e mais imponente dessas
montanhas budistas artificiais é a grande stupa de Borobudur (Século
VIII d. C.) em Java. Acima de 5 terraços murados erguem-se 3 plataformas
redondas com 72 stupas menores, contendo cada qual seu Buda e uma stupa
maior se sobrepõe a todas elas.
Do outro lado do mundo,
ergueram-se pirâmides mais simples, símbolos do temor universal das montanhas.
No Vale do México, os Toltecas ergueram a sua Pirâmide do Sol com 2/3 da altura
da Torre de Babel, em Teotihuacán. Na Península plana de Yucatán, os Maias
ergueram as suas pirâmides templos em Chichén Itza.
Cartografando o Céu e o Inferno
O grande obstáculo à descoberta
da forma da Terra, dos continentes e oceanos não foi a ignorância, mas a ilusão
do saber. A imaginação
representa em traços ousados, servindo esperanças e medos, enquanto avançavam
lentamente o saber e o conhecimento. Aldeões que temiam subir as montanhas
localizavam seus entes falecidos nas impenetráveis alturas celestes.
Os corpos celestes eram exemplos
de desaparecimento e renascimento. O Sol morria todas as noites e renascia
todas as manhãs, enquanto a Lua era recém-nascida todos os meses. Era essa Lua
o mesmo corpo celeste que reaparecia a cada “renascimento”?
Eram as estrelas realmente as
mesmas que se apagavam todas as alvoradas? Talvez cada um de nós pudesse
extinguir-se e, apesar disso, renascer. Sendo assim, não surpreende que os
corpos celestes (especialmente a Lua) fossem associados com a ressurreição dos
mortos.
O crescente lunar – símbolo da
imortalidade – adornava monumentos fúnebres dos antigos babilônicos e em países
célticos, assim como em toda a África. Em Roma, por exemplo, os sapatos dos
senadores eram adornados com crescentes de marfim, os quais eram interpretados
como um símbolo do seu espírito puro, visto que as almas nobres serem
transportadas para o Céu depois da sua morte, a fim de caminharem na Lua.
Assim, o voo de almas para a Lua
não era uma simples metáfora, pois segundo os estoicos a Lua estava rodeada por
uma zona de qualidades físicas especiais. Daí a alma subia naturalmente através
do ar na direção dos fogos do Céu.
Talvez cada pessoa tivesse a sua
própria estrela que se acendia no seu nascimento e se extinguia na sua morte.
Então, uma estrela cadente podia significar a morte de alguma pessoa. Se – como
muita gente pensa – a alma liberta do corpo se transforma numa ave voando desta
terra, não seria natural que as almas pousassem nos corpos celestes?
Assim, a multidão de estrelas
poderia ser explicada pelas incontáveis gerações de mortos. A Via Láctea –
considerada por muitos a “estrada das almas que partiam” – era um desses
aglomerados de inúmeros espíritos que tinham abandonados os corpos.
Pessoas que estavam de acordo em
poucos fatos a respeito de regiões remotas
da Terra concordavam – sabe-se lá por que – com relação à geografia do outro
mundo. Mesmo quando a maior parte da superfície da Terra ainda era
desconhecida, o Mundo Subterrâneo era descrito minuciosamente.
A prática de sepultar os mortos
na terra tornava natural que as pessoas pensassem que os que morriam iam
habitar o Mundo Subterrâneo. Portanto, uma topografia subterrânea parecia
tornar essa vida além da morte possível e até plausível.
A vida no Mundo Subterrâneo era
uma extensão da vida cá em cima, o que explica por que os guerreiros eram
sepultados com suas armas e suas mulheres, por que as ferramentas acompanhavam
os artesãos na sepultura e por que as donas de casa iam para a cova com seus
utensílios de cozinhar. Assim, a vida na terra podia continuar debaixo da
terra.
No século VI a. C. os Gregos
criaram a mitologia de um “dia do juízo final”, uma escatologia ([1]) atraente que ainda pode ser vista nos
seus vasos com figuras pretas. Muitos livros de povos antigos sobre a descida
do homem para Hades (Inferno) concordam na topografia das regiões infernais,
como se descrevessem uma paisagem bem próxima.
No Mundo Subterrâneo dos Gregos,
os juízes – de cuja sentença não havia recurso – enviavam os maus para a
esquerda, através de um rio de fogo para as torturas de Tártaro, e os virtuosos
pela estrada do lado direito, na direção dos Campos Elísios. Seria a Terra
suficientemente grande para conter um Tártaro, onde coubessem todos aqueles que
tinham merecido sofrer seus castigos?
Talvez as regiões infernais se
devessem encontrar não debaixo da terra, mas sim na metade inferior do globo
terrestre, no hemisfério sul. Parece que na Grécia a topografia do Mundo
Subterrâneo era aceita pela população ou,
pelo menos, não era ativamente rejeitada. Não podemos ter certeza de quantas
inscrições em túmulos eram meras metáforas.
O maior geógrafo cristão do Céu e
do Inferno foi o maior poeta italiano (Dante Alighieri), cuja viagem ao outro
mundo foi uma peregrinação a cenas familiares antigas. A força da sua obre (“A
Grande Comédia”) foi multiplicada porque não foi escrita em latim, mas em
italiano, uma modesta língua falada até por donas de casa.
A experiência emocional dominante
da sua vida foi a morte da sua Beatriz, quando ele tinha apenas 25 anos, o que
o instigou a passar a maior parte da sua vida escrevendo um poema épico sobre o
outro mundo para onde ela fora.
A obra de Dante é uma epopeia que
conta a viagem do autor através dos reinos dos mortos. Cem cantos abrangem o
“estado das almas depois da morte” na viagem guiada de Dante através do
Inferno, do Purgatório e do Paraíso. Dante traduziu a erudição medieval num
panorama da vida após a morte.
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