quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

As Quatro Abordagens da Cognição Humana

 

Quais São as Quatro Abordagens da Cognição Humana? Por Que Muitos Psicólogos Cognitivos Adotaram a Abordagem do Processamento da Informação a Partir da Analogia Entre a Mente Humana e o Computador? Com Que se Preocupa a Neuropsicologia Cognitiva? Quais São as Áreas do Cérebro Ativadas Durante Uma Tarefa? Qual a Diferença Entre a Modelagem Computacional e Inteligência Artificial?

 

 

Cognição é a capacidade humana de processar informações e transformá-las em conhecimento, baseada em um conjunto de habilidades mentais e/ou cerebrais como a percepção, a atenção, a associação, a imaginação, o juízo, o raciocínio e a memória. Essas informações a serem processadas estão disponíveis no meio em que vivemos. Então, de modo geral, podemos dizer que a cognição humana é a interpretação que o cérebro faz de todas as informações captadas pelos cinco sentidos, e a conversão dessa interpretação para a nossa forma interna de ser. Conforme MILLER ([1]), existem quatro (4) abordagens da cognição humana:

 

1. PSICOLOGIA COGNITIVA

 

É quase um tanto fora de propósito perguntar “Quando começou a Psicologia Cognitiva? ” quanto perguntar “Qual é o comprimento de um pedaço de barbante? ”. No entanto, o ano de 1956 foi de importância fundamental para essas questões. Em um encontro no Massachusetts Institute of Technology (MIT), CHOMSKY ([2]) fez uma exposição sobre sua teoria da linguagem, George Miller discutiu o mágico número sete na memória de curto prazo (Miller, 1956) e outros estudiosos explanaram a respeito de seu modelo extremamente influente denominado General Problem Solver (Solucionador Geral dos Problemas). Além disso, foi feita a primeira tentativa sistemática de estudar a formação de conceitos a partir da perspectiva cognitiva (Bruner et al., 1956).

Ao mesmo tempo, a maioria dos psicólogos cognitivos adotou a abordagem do processamento da informação a partir de uma analogia entre a mente e o computador. Um estímulo (um evento ambiental, como um problema ou uma tarefa) é apresentado e, consequentemente, provoca a ocorrência de determinados processos cognitivos, e esses processos, finalmente, produzem a reação ou a resposta desejada. O processamento diretamente afetado pela produção do estímulo é descrito como processamento bottom-up (processamento de baixo para cima).

Em geral, presumiu-se que ocorre apenas um processo por vez, em determinado momento. Trata-se do chamado processamento serial, significando que o processo atual é completado antes do início do processo seguinte. Essa abordagem é bastante simplificada. Normalmente, o processamento de tarefas também envolve o processamento top-down (processamento de cima para baixo), o qual é influenciado pelas expectativas e pelo conhecimento do indivíduo, em vez de apenas pelo estímulo em si.



Leia o que está escrito dentro do triângulo da figura acima e, ao menos que conheça o truque, você provavelmente terá lido “Paris na Primavera”. Observe novamente e irá perceber que a palavra “na” se repete. Sua expectativa de que se trata de uma frase conhecida (i.e., o processamento de cima para baixo – top-down) dominou a informação disponível no estímulo (i.e., o processamento de baixo para cima – bottom-up).

A abordagem tradicional também foi simplificada ao supor que o processamento quase sempre é serial. Na verdade, normalmente ocorre mais de um processo ao mesmo tempo – trata-se do processamento paralelo. É muito mais provável que usemos o processamento paralelo em uma tarefa muito praticada do que em uma realizada pela primeira vez. Por exemplo, alguém que está fazendo sua primeira aula de direção acha quase impossível mudar a marcha, guiar bem e prestar atenção aos outros condutores ao mesmo tempo. Todavia, um motorista experiente acha isso muito fácil.

Por muitos anos, quase todas as pesquisas sobre a cognição humana consistiam em experimentos com indivíduos saudáveis em ambiente laboratorial. Tais experimentos são rigorosamente controlados e “científicos”. Os pesquisadores demonstraram grande criatividade ao projetar experimentos para revelar os processos envolvidos em atenção, percepção, aprendizagem, memória, raciocínio, etc. Como consequência, essas pesquisas têm exercido influência importante (e constante) nos estudos conduzidos por neurocientistas cognitivos.

Um assunto importante para os psicólogos cognitivos é o problema da impureza da tarefa – a maioria das tarefas cognitivas requer uma combinação complexa de processos, o que dificulta a interpretação dos achados. Essa questão foi tratada de várias formas. Por exemplo, suponha que estamos interessados nos processos envolvidos quando uma tarefa requer a inibição deliberada de uma resposta dominante. Miyake e seus colaboradores (2000) estudaram três tarefas desse tipo: a tarefa de Stroop; a tarefa antissacádica; e a tarefa do sinal inibitório.

Na tarefa de Stroop, os participantes nomeiam a cor na qual os nomes das cores são apresentados (p. ex., VERMELHO impresso em verde) e evitam dizer o nome da cor (o que é difícil de inibir) (ver Macleod, 2015) para uma discussão sobre essa tarefa). Na tarefa antissacádica, apresenta-se um estímulo visual. A tarefa envolve não olhar para o estímulo, mas inibir essa resposta e olhar na direção oposta. Na tarefa do sinal inibitório, os participantes classificam as palavras o mais rápido possível, mas devem inibir sua resposta quando soar um toque.

Miyake e seus colaboradores (2000) descobriram que todas as três tarefas envolviam processos semelhantes. Eles usaram técnicas estatísticas complexas para extrair o que havia em comum entre elas. Supostamente, isso representava uma medida relativamente pura do processo inibitório. Os psicólogos cognitivos desenvolveram várias formas de compreender os processos envolvidos em tarefas complexas. Apresentaremos abaixo um breve exemplo.

Cinco palavras são apresentadas visualmente aos participantes, e eles devem repeti-las. O desempenho é pior quando as palavras são longas em relação à quando são curtas (Baddeley et al., 1975. Provavelmente, isso ocorre porque os participantes fazem um ensaio verbal (repetindo as palavras para si mesmos) durante a apresentação das palavras, e isso leva mais tempo com palavras longas do que com palavras curtas. Como podemos mostrar que o ensaio verbal é um processo usado nessa tarefa?

Baddeley e seus colaboradores (1975) usaram a supressão articulatória – os participantes repetiam os dígitos de 1 a 8 ordenadamente durante a apresentação da lista de palavras, para que fossem impedidos de ensaiar. Conforme previsto, o desempenho foi pior quando era usada a supressão articulatória. Além disso, o efeito do comprimento da palavra desapareceu, sugerindo que sua ocorrência dependia do ensaio verbal.

 

2. NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA

 

Se preocupa com os padrões de desempenho cognitivo (intacto e deficiente) apresentados pelos pacientes com dano cerebral, os quais sofreram lesões – danos estruturais no cérebro causados por ferimentos ou doenças. De acordo com os neuropsicólogos cognitivos, o estudo de pacientes com dano cerebral sobre o cérebro. Em vez disso, seu objetivo principal é aprender sobre a mente, elucidar a arquitetura funcional da cognição”. A ideia anterior não parece muito promissora, não é? No entanto, a Neuropsicologia cognitiva contribuiu substancialmente para compreensão da cognição humana normal.

Por exemplo, em 1960, muitos pesquisadores da memória acreditavam que o armazenamento da informação na memória de longo prazo dependia do processamento prévio na memória de curto prazo. Entretanto, Shallice e Warringon (1970) relataram o caso de um homem com lesão cerebral, KF. Sua memória de curto prazo estava gravemente prejudicada, mas sua memória de longo prazo estava intacta. Esses achados desempenharam um papel importante na mudança das teorias da memória humana normal.

Como os neuropsicólogos cognitivos estudam pacientes com lesão cerebral, seria fácil imaginar que eles estão interessados no funcionamento do cérebro. Na verdade, o principal neuropsicólogo cognitivo, Max Coltheart e muitos outros dão pouca atenção ao cérebro propriamente dito. Nas palavras de Coltheart (2010, p. 3): “O objetivo principal da Neuropsicologia cognitiva não é aprender. Outros neuropsicólogos cognitivos discordam de Coltheart (2010). Um número crescente leva em conta o cérebro, usando técnicas como imagem por ressonância magnética para identificar áreas do cérebro lesionadas em um paciente. Além disso, existe uma disposição crescente para considerar os achados de neuroimagem.

 

3. NEUROCIÊNCIA COGNITIVA (O Cérebro em Ação)

 

Envolve o estudo intensivo do cérebro e do comportamento. Infelizmente o cérebro é complicado, pois consiste de cem bilhões de neurônios, os quais estão conectados de formas muito complexas. Para compreender a pesquisa que envolve a neuroimagem funcional, precisamos considerar como o cérebro é organizado e como as diferentes áreas são descritas. São usadas várias formas de descrição de áreas específicas do cérebro e, as três (3) principais, são: O córtex cerebral é dividido em quatro zonas ou lobos principais. Existem quatro lobos em cada hemisfério cerebral: frontal, parietal, temporal e occipital. Os lobos frontais são separados dos lobos parietais pelo sulco central (sulco significa ranhura ou estria) e a fissura lateral separa os lobos temporais dos lobos parietal e frontal. Além disso, o sulco parieto occipital e o corte pré occipital dividem os lobos occipitais dos lobos parietal e temporal. Os pesquisadores usam vários termos para descrever com maior precisão a (s) área (s) do cérebro ativada (s) durante o desempenho de uma tarefa:

 

·        Dorsal (ou superior): em direção ao topo

·        Ventral (ou inferior): em direção à base

·        Rostral (ou anterior): em direção à frente

·        Posterior: em direção à parte de trás

·        Lateral: situado no lado

·        Medial: situado no meio.

 

 

4. CIÊNCIA COGNITIVA COMPUTACIONAL

 

Começaremos distinguindo entre modelagem computacional e inteligência artificial, pois a modelagem envolve a programação de computadores para simularem ou imitarem aspectos do funcionamento cognitivo humano. Em comparação, a inteligência artificial envolve a construção de sistemas de computador que produzem resultados inteligentes, mas os processos envolvidos podem ter pouca semelhança com os usados pelos seres humanos. Por exemplo, Deep Blue, o programa de xadrez que derrotou Kasparov em 1997. Deep Blue considerou aproximadamente 200 milhões de posições por segundo, o que é muitíssimo mais do que consegue fazer qualquer jogador de xadrez humano.

Os cientistas cognitivos computacionais desenvolvem modelos para entender a cognição humana. Um bom modelo computacional mostra como uma teoria pode ser especificada e permite prever o comportamento em novas situações. Os primeiros modelos matemáticos faziam previsões, mas frequentemente careciam de um componente explanatório. Por exemplo, ter três infrações de trânsito prevê muito bem se alguém constitui um risco para o seguro de automóveis, mas não deixa claro o motivo. Um dos principais benefícios dos modelos computacionais desenvolvidos na ciência cognitiva computacional é que eles podem proporcionar uma base explanatória e preditiva para um fenômeno (Costello & Keane, 2000).

No passado (e mesmo nos dias atuais), muitos psicólogos cognitivos experimentais expuseram suas teorias por meio de descrições verbais vagas. Isso tornou mais difícil decidir se as evidências encaixavam-se na teoria. Conforme apontado por Murphy (2011), as teorias verbais fornecem aos teóricos um “espaço de manobra” inconveniente. Entretanto, um modelo computacional “requer que o pesquisador seja explícito sobre certa teoria de uma forma que uma teoria verbal não é” (Murphy, 2011, p. 300). Implantar uma teoria como um programa é um bom método para verificar se ela não contém suposições ocultas ou termos vagos. Isso com frequência revela que a teoria faz previsões que o teórico em questão não percebeu.

Surgem questões referentes à relação entre o desempenho de um programa de computador e o desempenho humano (Costello & Keane, 2000). Raramente é significativo relacionar a velocidade de um programa que está realizando uma tarefa simulada com o tempo de reação dos participantes humanos, porque os tempos de processamento são afetados por aspectos psicologicamente irrelevantes. Por exemplo, os programas rodam mais rápido em computadores mais potentes. No entanto, os vários materiais apresentados ao programa devem resultar em diferenças em seu tempo de operação, relacionando-se intimamente com diferenças nos tempos de reação de participantes humanos no processamento dos mesmos materiais.

 

Avaliação Global

 

A ciência Cognitiva Computacional apresenta várias vantagens. Em primeiro lugar, o desenvolvimento de arquiteturas cognitivas oferece a perspectiva de proporcionar uma estrutura abrangente dentro da qual é possível compreender o sistema cognitivo. Essa estrutura pode ser de grande valia. Isso vale especialmente quando se considera que boa parte da pesquisa empírica em psicologia cognitiva está limitada na abrangência e sofre da especificidade do paradigma. Contudo, existem controvérsias sobre até que ponto esse objetivo foi atingido. Em segundo lugar, o âmbito da ciência cognitiva computacional aumentou com o tempo. No início, ela era aplicada principalmente a dados comportamentais. Mais recentemente, a modelagem computacional foi ampliada para dados de neuroimagem funcional. Além disso, muitos cientistas computacionais “lesionam” seus modelos para ver os efeitos da lesão em várias partes do modelo e para comparar seus achados a dados comportamentais de pacientes com lesão cerebral.

Em terceiro lugar, o desenvolvimento de modelos computacionais requer que os teóricos pensem de forma criteriosa e rigorosa. Esse é o caso porque os programas de computador precisam conter informações detalhadas acerca dos processos envolvidos no desempenho de uma tarefa. Todavia, muitas teorias na forma verbal são vagamente expressas e as predições decorrentes das suas hipóteses não estão claras. Em quarto, com frequência é possível fazer progressos por meio do uso do que é conhecido como modelagem incremental aninhada. Em essência, um novo modelo é construído com base nos pontos fortes de modelos anteriores relacionados, ao mesmo tempo eliminando seus pontos fracos e descrevendo dados adicionais. Por exemplo, Perry e colaboradores (2007) apresentaram um modelo de processo dual conexionista (CDP+) da leitura em voz alta que aprimorou o modelo de processo dual do qual foi derivado.

Quais são as principais limitações da abordagem da ciência cognitiva computacional? Em primeiro lugar, existe o paradoxo de Bonini: “Quando um modelo de um sistema complexo se torna mais completo, se torna menos compreensível. Ou então, quando um modelo se torna mais realista, também se torna tão difícil de compreender quanto os processos do mundo real que ele representa” (Dutton & Starbuck, 1971, p.4). A relação entre um mapa e um território serve como um exemplo simples do paradoxo de Bonini. Um mapa do mesmo tamanho do território que ele representa seria maximamente preciso, mas também impossível de ser utilizado. Na prática, no entanto, a maior complexidade dos modelos computacionais tem sido acompanhada por um aumento substancial em sua potência.

Em segundo lugar, por vezes é difícil falsificar modelos computacionais, embora em geral seja mais fácil do que com as teorias expressas somente em termos verbais. Por que é assim? A engenhosidade dos modeladores computacionais significa que muitos modelos podem explicar os numerosos achados comportamentais. É promissora a perspectiva de que os modelos computacionais sejam aplicados mais sistematicamente a achados de neuroimagem além dos comportamentais. Em terceiro lugar, existem várias formas pelas quais os modeladores computacionais aumentam o sucesso aparente de seu modelo. Um exemplo é o sobreajuste (Ziegler et al., 2010). Isso acontece quando um modelo explica extremamente bem determinado conjunto de dados, mas não consegue generalizar para outros. Isso pode ocorrer quando um modelo explica um ruído nos dados tão bem quanto os efeitos genuínos.

Em quarto lugar, a cognição humana é influenciada por diversos fatores motivacionais e emocionais potencialmente conflitantes. A maioria dos modelos computacionais ignora esses fatores, embora o ACT-R (Anderson et al., 2008) tenha um componente motivacional em seu módulo de objetivo. Pode-se distinguir entre um sistema cognitivo (o Sistema Cognitivo Puro) e um sistema biológico (o Sistema Regulatório) (Norman, 1980). Boa parte do Sistema Cognitivo Puro é determinada pelas necessidades do Sistema Regulatório (p. ex., sobrevivência, alimento e água). A ciência cognitiva computacional (como a maior parte da psicologia cognitiva) normalmente retira a ênfase do papel essencial do Sistema Regulatório.

Em quinto lugar, é muito difícil avaliar em detalhes a maioria dos modelos computacionais e, conforme assinalaram Addyman e French (2012, p. 332), existem várias razões para isso. Todos ainda programam na linguagem de sua preferência, o código-fonte raramente é acessível, a acessibilidade de modelos para pesquisadores que não são programadores é quase inexistente. Portanto, até mesmo para outros modeladores, a quantidade de códigos-fonte em uma imensidão de linguagens de programação e ter de escrever sem guias de programação tornam praticamente impossível acessar, checar, explorar, reutilizar ou continuar a desenvolver.





([1])   MILLER, George A. “The Magical Number Seven, Plus or Minus Two: Some Limits on Our Capacity for Processing Information”. Psychological Review. Harvard, 1956

 

([2])  Avram Noam CHOMSKY é um linguista, filósofo, sociólogo, cientista cognitivo, comentarista e ativista político norte-americano, reverenciado em âmbito acadêmico como "o pai da linguística moderna", também é uma das mais renomadas figuras no campo da filosofia analítica

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