Quais São as Quatro Abordagens da Cognição Humana? Por
Que Muitos Psicólogos Cognitivos Adotaram a Abordagem do Processamento da
Informação a Partir da Analogia Entre a Mente Humana e o Computador? Com Que se
Preocupa a Neuropsicologia Cognitiva? Quais São as Áreas do Cérebro Ativadas
Durante Uma Tarefa? Qual a Diferença Entre a Modelagem Computacional e
Inteligência Artificial?
Cognição é a capacidade humana
de processar informações e transformá-las em conhecimento, baseada em um
conjunto de habilidades mentais e/ou cerebrais como a percepção, a atenção, a
associação, a imaginação, o juízo, o raciocínio e a memória. Essas informações
a serem processadas estão disponíveis no meio em que vivemos. Então, de modo
geral, podemos dizer que a cognição humana é a interpretação que o cérebro faz
de todas as informações captadas pelos cinco sentidos, e a conversão dessa
interpretação para a nossa forma interna de ser. Conforme MILLER ([1]),
existem quatro (4) abordagens da cognição humana:
1. PSICOLOGIA COGNITIVA
É quase um tanto fora de
propósito perguntar “Quando começou a Psicologia Cognitiva? ” quanto perguntar
“Qual é o comprimento de um pedaço de barbante? ”. No entanto, o ano de 1956
foi de importância fundamental para essas questões. Em um encontro no
Massachusetts Institute of Technology (MIT), CHOMSKY ([2])
fez uma exposição sobre sua teoria da linguagem, George Miller discutiu o
mágico número sete na memória de curto prazo (Miller, 1956) e outros estudiosos
explanaram a respeito de seu modelo extremamente influente denominado General
Problem Solver (Solucionador Geral dos Problemas). Além disso, foi feita a
primeira tentativa sistemática de estudar a formação de conceitos a partir da
perspectiva cognitiva (Bruner et al., 1956).
Ao mesmo tempo, a maioria dos
psicólogos cognitivos adotou a abordagem do processamento da informação a
partir de uma analogia entre a mente e o computador. Um estímulo (um evento
ambiental, como um problema ou uma tarefa) é apresentado e, consequentemente, provoca
a ocorrência de determinados processos cognitivos, e esses processos,
finalmente, produzem a reação ou a resposta desejada. O processamento
diretamente afetado pela produção do estímulo é descrito como processamento
bottom-up (processamento de baixo para cima).
Em geral, presumiu-se que ocorre
apenas um processo por vez, em determinado momento. Trata-se do chamado
processamento serial, significando que o processo atual é completado antes do
início do processo seguinte. Essa abordagem é bastante simplificada.
Normalmente, o processamento de tarefas também envolve o processamento top-down
(processamento de cima para baixo), o qual é influenciado pelas expectativas e
pelo conhecimento do indivíduo, em vez de apenas pelo estímulo em si.
Leia o que está escrito dentro do
triângulo da figura acima e, ao menos que conheça o truque, você provavelmente
terá lido “Paris na Primavera”. Observe novamente e irá perceber que a
palavra “na” se repete. Sua expectativa de que se trata de uma frase conhecida
(i.e., o processamento de cima para baixo – top-down) dominou a informação
disponível no estímulo (i.e., o processamento de baixo para cima – bottom-up).
A abordagem tradicional também
foi simplificada ao supor que o processamento quase sempre é serial. Na
verdade, normalmente ocorre mais de um processo ao mesmo tempo – trata-se do
processamento paralelo. É muito mais provável que usemos o processamento
paralelo em uma tarefa muito praticada do que em uma realizada pela primeira vez.
Por exemplo, alguém que está fazendo sua primeira aula de direção acha quase
impossível mudar a marcha, guiar bem e prestar atenção aos outros condutores ao
mesmo tempo. Todavia, um motorista experiente acha isso muito fácil.
Por muitos anos, quase todas as
pesquisas sobre a cognição humana consistiam em experimentos com indivíduos
saudáveis em ambiente laboratorial. Tais experimentos são rigorosamente
controlados e “científicos”. Os pesquisadores demonstraram grande criatividade
ao projetar experimentos para revelar os processos envolvidos em atenção,
percepção, aprendizagem, memória, raciocínio, etc. Como consequência, essas
pesquisas têm exercido influência importante (e constante) nos estudos
conduzidos por neurocientistas cognitivos.
Um assunto importante para os
psicólogos cognitivos é o problema da impureza da tarefa – a maioria das
tarefas cognitivas requer uma combinação complexa de processos, o que dificulta
a interpretação dos achados. Essa questão foi tratada de várias formas. Por
exemplo, suponha que estamos interessados nos processos envolvidos quando uma
tarefa requer a inibição deliberada de uma resposta dominante. Miyake e seus colaboradores
(2000) estudaram três tarefas desse tipo: a tarefa de Stroop; a tarefa
antissacádica; e a tarefa do sinal inibitório.
Na tarefa de Stroop, os
participantes nomeiam a cor na qual os nomes das cores são apresentados (p.
ex., VERMELHO impresso em verde) e evitam dizer o nome da cor (o que é difícil
de inibir) (ver Macleod, 2015) para uma discussão sobre essa tarefa). Na tarefa
antissacádica, apresenta-se um estímulo visual. A tarefa envolve não olhar para
o estímulo, mas inibir essa resposta e olhar na direção oposta. Na tarefa do
sinal inibitório, os participantes classificam as palavras o mais rápido possível,
mas devem inibir sua resposta quando soar um toque.
Miyake e seus colaboradores
(2000) descobriram que todas as três tarefas envolviam processos semelhantes.
Eles usaram técnicas estatísticas complexas para extrair o que havia em comum
entre elas. Supostamente, isso representava uma medida relativamente pura do
processo inibitório. Os psicólogos cognitivos desenvolveram várias formas de
compreender os processos envolvidos em tarefas complexas. Apresentaremos abaixo
um breve exemplo.
Cinco palavras são apresentadas
visualmente aos participantes, e eles devem repeti-las. O desempenho é pior
quando as palavras são longas em relação à quando são curtas (Baddeley et al.,
1975. Provavelmente, isso ocorre porque os participantes fazem um ensaio verbal
(repetindo as palavras para si mesmos) durante a apresentação das palavras, e
isso leva mais tempo com palavras longas do que com palavras curtas. Como
podemos mostrar que o ensaio verbal é um processo usado nessa tarefa?
Baddeley e seus colaboradores
(1975) usaram a supressão articulatória – os participantes repetiam os dígitos
de 1 a 8 ordenadamente durante a apresentação da lista de palavras, para que
fossem impedidos de ensaiar. Conforme previsto, o desempenho foi pior quando
era usada a supressão articulatória. Além disso, o efeito do comprimento da
palavra desapareceu, sugerindo que sua ocorrência dependia do ensaio verbal.
2. NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA
Se preocupa com os padrões de
desempenho cognitivo (intacto e deficiente) apresentados pelos pacientes com
dano cerebral, os quais sofreram lesões – danos estruturais no cérebro causados
por ferimentos ou doenças. De acordo com os neuropsicólogos cognitivos, o
estudo de pacientes com dano cerebral sobre o cérebro. Em vez disso, seu
objetivo principal é aprender sobre a mente, elucidar a arquitetura funcional
da cognição”. A ideia anterior não parece muito promissora, não é? No entanto,
a Neuropsicologia cognitiva contribuiu substancialmente para compreensão da
cognição humana normal.
Por exemplo, em 1960, muitos
pesquisadores da memória acreditavam que o armazenamento da informação na
memória de longo prazo dependia do processamento prévio na memória de curto
prazo. Entretanto, Shallice e Warringon (1970) relataram o caso de um homem com
lesão cerebral, KF. Sua memória de curto prazo estava gravemente prejudicada,
mas sua memória de longo prazo estava intacta. Esses achados desempenharam um
papel importante na mudança das teorias da memória humana normal.
Como os neuropsicólogos
cognitivos estudam pacientes com lesão cerebral, seria fácil imaginar que eles
estão interessados no funcionamento do cérebro. Na verdade, o principal
neuropsicólogo cognitivo, Max Coltheart e muitos outros dão pouca atenção ao
cérebro propriamente dito. Nas palavras de Coltheart (2010, p. 3): “O objetivo
principal da Neuropsicologia cognitiva não é aprender. Outros neuropsicólogos
cognitivos discordam de Coltheart (2010). Um número crescente leva em conta o
cérebro, usando técnicas como imagem por ressonância magnética para identificar
áreas do cérebro lesionadas em um paciente. Além disso, existe uma disposição
crescente para considerar os achados de neuroimagem.
3. NEUROCIÊNCIA COGNITIVA (O
Cérebro em Ação)
Envolve o estudo intensivo do
cérebro e do comportamento. Infelizmente o cérebro é complicado, pois consiste
de cem bilhões de neurônios, os quais estão conectados de formas muito
complexas. Para compreender a pesquisa que envolve a neuroimagem funcional,
precisamos considerar como o cérebro é organizado e como as diferentes áreas
são descritas. São usadas várias formas de descrição de áreas específicas do
cérebro e, as três (3) principais, são: O córtex cerebral é dividido em quatro
zonas ou lobos principais. Existem quatro lobos em cada hemisfério cerebral:
frontal, parietal, temporal e occipital. Os lobos frontais são separados dos
lobos parietais pelo sulco central (sulco significa ranhura ou estria) e a
fissura lateral separa os lobos temporais dos lobos parietal e frontal. Além
disso, o sulco parieto occipital e o corte pré occipital dividem os lobos
occipitais dos lobos parietal e temporal. Os pesquisadores usam vários termos
para descrever com maior precisão a (s) área (s) do cérebro ativada (s) durante
o desempenho de uma tarefa:
·
Dorsal (ou superior): em direção ao topo
·
Ventral (ou inferior): em direção à base
·
Rostral (ou anterior): em direção à frente
·
Posterior: em direção à parte de trás
·
Lateral: situado no lado
·
Medial: situado no meio.
4. CIÊNCIA COGNITIVA
COMPUTACIONAL
Começaremos distinguindo entre modelagem
computacional e inteligência artificial, pois a modelagem envolve a programação
de computadores para simularem ou imitarem aspectos do funcionamento cognitivo
humano. Em comparação, a inteligência artificial envolve a construção de
sistemas de computador que produzem resultados inteligentes, mas os processos
envolvidos podem ter pouca semelhança com os usados pelos seres humanos. Por
exemplo, Deep Blue, o programa de xadrez que derrotou Kasparov em 1997. Deep
Blue considerou aproximadamente 200 milhões de posições por segundo, o que é
muitíssimo mais do que consegue fazer qualquer jogador de xadrez humano.
Os cientistas cognitivos
computacionais desenvolvem modelos para entender a cognição humana. Um bom
modelo computacional mostra como uma teoria pode ser especificada e permite
prever o comportamento em novas situações. Os primeiros modelos matemáticos
faziam previsões, mas frequentemente careciam de um componente explanatório.
Por exemplo, ter três infrações de trânsito prevê muito bem se alguém constitui
um risco para o seguro de automóveis, mas não deixa claro o motivo. Um dos
principais benefícios dos modelos computacionais desenvolvidos na ciência
cognitiva computacional é que eles podem proporcionar uma base explanatória e
preditiva para um fenômeno (Costello & Keane, 2000).
No passado (e mesmo nos dias
atuais), muitos psicólogos cognitivos experimentais expuseram suas teorias por
meio de descrições verbais vagas. Isso tornou mais difícil decidir se as
evidências encaixavam-se na teoria. Conforme apontado por Murphy (2011), as
teorias verbais fornecem aos teóricos um “espaço de manobra” inconveniente.
Entretanto, um modelo computacional “requer que o pesquisador seja explícito
sobre certa teoria de uma forma que uma teoria verbal não é” (Murphy, 2011, p.
300). Implantar uma teoria como um programa é um bom método para verificar se
ela não contém suposições ocultas ou termos vagos. Isso com frequência revela
que a teoria faz previsões que o teórico em questão não percebeu.
Surgem questões referentes à
relação entre o desempenho de um programa de computador e o desempenho humano
(Costello & Keane, 2000). Raramente é significativo relacionar a velocidade
de um programa que está realizando uma tarefa simulada com o tempo de reação
dos participantes humanos, porque os tempos de processamento são afetados por
aspectos psicologicamente irrelevantes. Por exemplo, os programas rodam mais
rápido em computadores mais potentes. No entanto, os vários materiais
apresentados ao programa devem resultar em diferenças em seu tempo de operação,
relacionando-se intimamente com diferenças nos tempos de reação de
participantes humanos no processamento dos mesmos materiais.
Avaliação Global
A ciência Cognitiva Computacional
apresenta várias vantagens. Em primeiro lugar, o desenvolvimento de
arquiteturas cognitivas oferece a perspectiva de proporcionar uma estrutura
abrangente dentro da qual é possível compreender o sistema cognitivo. Essa
estrutura pode ser de grande valia. Isso vale especialmente quando se considera
que boa parte da pesquisa empírica em psicologia cognitiva está limitada na
abrangência e sofre da especificidade do paradigma. Contudo, existem
controvérsias sobre até que ponto esse objetivo foi atingido. Em segundo lugar,
o âmbito da ciência cognitiva computacional aumentou com o tempo. No início,
ela era aplicada principalmente a dados comportamentais. Mais recentemente, a
modelagem computacional foi ampliada para dados de neuroimagem funcional. Além
disso, muitos cientistas computacionais “lesionam” seus modelos para ver os
efeitos da lesão em várias partes do modelo e para comparar seus achados a
dados comportamentais de pacientes com lesão cerebral.
Em terceiro lugar, o
desenvolvimento de modelos computacionais requer que os teóricos pensem de
forma criteriosa e rigorosa. Esse é o caso porque os programas de computador
precisam conter informações detalhadas acerca dos processos envolvidos no
desempenho de uma tarefa. Todavia, muitas teorias na forma verbal são vagamente
expressas e as predições decorrentes das suas hipóteses não estão claras. Em
quarto, com frequência é possível fazer progressos por meio do uso do que é
conhecido como modelagem incremental aninhada. Em essência, um novo modelo é construído
com base nos pontos fortes de modelos anteriores relacionados, ao mesmo tempo
eliminando seus pontos fracos e descrevendo dados adicionais. Por exemplo,
Perry e colaboradores (2007) apresentaram um modelo de processo dual
conexionista (CDP+) da leitura em voz alta que aprimorou o modelo de processo
dual do qual foi derivado.
Quais são as principais
limitações da abordagem da ciência cognitiva computacional? Em primeiro lugar,
existe o paradoxo de Bonini: “Quando um modelo de um sistema complexo se torna
mais completo, se torna menos compreensível. Ou então, quando um modelo se
torna mais realista, também se torna tão difícil de compreender quanto os
processos do mundo real que ele representa” (Dutton & Starbuck, 1971, p.4).
A relação entre um mapa e um território serve como um exemplo simples do
paradoxo de Bonini. Um mapa do mesmo tamanho do território que ele representa
seria maximamente preciso, mas também impossível de ser utilizado. Na prática,
no entanto, a maior complexidade dos modelos computacionais tem sido
acompanhada por um aumento substancial em sua potência.
Em segundo lugar, por vezes é
difícil falsificar modelos computacionais, embora em geral seja mais fácil do
que com as teorias expressas somente em termos verbais. Por que é assim? A
engenhosidade dos modeladores computacionais significa que muitos modelos podem
explicar os numerosos achados comportamentais. É promissora a perspectiva de
que os modelos computacionais sejam aplicados mais sistematicamente a achados
de neuroimagem além dos comportamentais. Em terceiro lugar, existem várias
formas pelas quais os modeladores computacionais aumentam o sucesso aparente de
seu modelo. Um exemplo é o sobreajuste (Ziegler et al., 2010). Isso acontece
quando um modelo explica extremamente bem determinado conjunto de dados, mas
não consegue generalizar para outros. Isso pode ocorrer quando um modelo
explica um ruído nos dados tão bem quanto os efeitos genuínos.
Em quarto lugar, a cognição
humana é influenciada por diversos fatores motivacionais e emocionais
potencialmente conflitantes. A maioria dos modelos computacionais ignora esses
fatores, embora o ACT-R (Anderson et al., 2008) tenha um componente
motivacional em seu módulo de objetivo. Pode-se distinguir entre um sistema
cognitivo (o Sistema Cognitivo Puro) e um sistema biológico (o Sistema
Regulatório) (Norman, 1980). Boa parte do Sistema Cognitivo Puro é determinada
pelas necessidades do Sistema Regulatório (p. ex., sobrevivência, alimento e
água). A ciência cognitiva computacional (como a maior parte da psicologia
cognitiva) normalmente retira a ênfase do papel essencial do Sistema
Regulatório.
Em quinto lugar, é muito difícil
avaliar em detalhes a maioria dos modelos computacionais e, conforme
assinalaram Addyman e French (2012, p. 332), existem várias razões para isso. Todos
ainda programam na linguagem de sua preferência, o código-fonte raramente é
acessível, a acessibilidade de modelos para pesquisadores que não são
programadores é quase inexistente. Portanto, até mesmo para outros modeladores,
a quantidade de códigos-fonte em uma imensidão de linguagens de programação e
ter de escrever sem guias de programação tornam praticamente impossível
acessar, checar, explorar, reutilizar ou continuar a desenvolver.
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