Por Que os
Marinheiros da Idade Média Acreditavam na Existência de um Continente Austral?
Quem Percebeu Que a Austrália Não Fazia Parte do Continente Austral? Que Povos
Habitavam o Círculo Ártico Naquela Época?
O mesmo conservadorismo que fez os
marinheiros trocarem as cartas desenhadas à mão pela impressas ou admitir a
possibilidade da existência de novos continentes, haveria de fazê-los
relutantes em abandonar suas ilusões tornadas veneráveis pelo tempo.
A mais atraente e duradoura dessas
ilusões foi a crença na existência de um grande continente austral.
Aumentava-lhe a atração o fato de ainda não ter sido desmentido, e correspondia
ao amor universal pela simetria. Os antigos Gregos – sabedores de que a Terra era
uma esfera e que havia uma grande massa de terra a norte do equador –
acreditavam que, para contrabalançar, tinha de haver uma massa de terra similar
ao sul.
Depois, cerca do ano 43 da nossa era,
Pompônio Mela fez esse continente austral tão grande que o Ceilão era a sua
ponta setentrional. Mapas que afirmavam seguir Ptolomeu continuavam a mostrar
um vasto continente antártico, inscrito como a “Terra desconhecida de
Ptolomeu”. Em fins do século XV, esse mítico continente preso à África, fazia
do Oceano Índico um grande lago, o qual jamais poderia ser alcançado da Europa
por mar.
Quando Bartolomeu Dias contornou o
Cabo da Boa Esperança e provou a existência de uma passagem marítima para o
Oceano Índico, o continente austral teve que encolher nessa parte do globo. E,
quando Fernão de Magalhães conseguiu abrir caminho através do estreito que leva
o seu nome e entrar no Pacífico, os autores de mapas continuaram convencidos de
que a Terra do Fogo – a sul – era a costa norte do mítico continente.
Os mapas europeus do século XVII
continuaram mostrando esse continente um tanto ou quanto vagamente definido,
mas estendendo-se para norte na direção do equador. Os exploradores europeus do
Pacífico jamais deixaram de se sentir atraídos pela descrição de Marco Polo de
um Eldorado meridional e, à medida que as Américas iam sendo delineadas e os
contornos da Ásia e da África se tornavam mais nítidos, os autores de mapas
ocidentais exercitavam a sua imaginação preenchendo os espaços antárticos
vazios do globo.
Descobertas europeias de algumas
terras “lá de baixo”, serviam para empurrar o continente mais para o sul. Em
1642, Abel Tasman – navegador holandês – foi encarregado de explorar “A Grande
Terra do Sul” (Austrália) em cujas costas já fora estabelecido contato. Competia-lhe
descobrir a “parte que continua desconhecida do globo terrestre”. Tasman
circum-navegou a Austrália, provando que, também ela, não fazia parte do mítico
continente austral.
No século que seguinte um geógrafo
escocês – à serviço da Cia. Das Índias Orientais Inglesas – fez dessa
hipotética Grande Terra do Sul a sua obsessão e apresentou a argumentação mais
detalhada da época. Alexandre Dalrymple criou a profissão de cartógrafo dos
mares e veio a ser o primeiro hidrógrafo da Marinha, em 1795. Desde a juventude
seus heróis eram Colombo e Fernão de Magalhães, com os quais queria rivalizar
descobrindo o seu próprio continente.
A Royal Society de Londres planejou
uma expedição ao Taiti, pois o governo britânico via nisso um pretexto para um
novo esforço de navegação para a orla inexplorada do Pacífico. Se a “Grande
Terra do Sul” não existisse, a viagem poderia acabar com o mito de uma vez por
todas e, Dalrymple, que se considerava a maior autoridade no tocante ao
continente não cartografado, esperava comandar essa expedição.
Infelizmente para Dalrymple, a
Marinha Britânica realizou reformas radicais na nomeação de comandantes,
estabelecendo novos padrões profissionais para eles e a nomeação de
aristocratas bem relacionados já não era permitida. Diante disso, Dalrymple era
pouco indicado para uma missão tão exigente, pois fora demitido da Cia. das
Índias Orientais Inglesas por falta de tato nas suas relações nas ilhas do
Pacífico e, ademais, ele sofria de um caso grave de gota. No entanto, o
Almirante Lorde Hawke estava disposto a permitir-lhe que acompanhasse a
expedição como “observador” civil, mas Dalrymple afastou-se magoado.
A escolha de Hawke foi por um oficial
pouco conhecido (James Cook) que possuía instrução formal, leitura rudimentar e
escrita obtida em escolas elementares. Aos 18 anos, ele foi aceito como
aprendiz por um armador que transportava carvão em barcas carvoeiras e, durante
9 anos, ele percorreu mares bravios. Ao lhe oferecerem o 1º comendo, Cook
recusou e ofereceu-se como 1º marinheiro para a Marinha Real Inglesa em 1755.
Alto e vigoroso, atraiu as atenções
graças à sua presença imponente, à sua afabilidade e à sua perícia em águas não
cartografadas e, dessa forma, Cook foi subindo na hierarquia dos suboficiais.
Por isso, não surpreende que o Almirante Hawke nomeasse Cook para comandar a
expedição ao Taiti, pois já dera boas provas em combate, em mares bravios. Além
disso, era um avaliador competente de costas traiçoeiras e um curioso
observador dos fenômenos astronômicos.
Em maio de 1768, James Cook foi
promovido ao posto de tenente, passando assim a ser um oficial de carreira. O
navio carvoeiro foi batizado de Endeavor, recebendo um
revestimento de madeira e abastecido para 18 meses. Partiu de Plymouth em
agosto de 1768 com uma tripulação de 94 pessoas. Navegou para sudoeste com bom
tempo rumo à Ilha da Madeira. Depois disso, chegou ao Rio de Janeiro, contornou
o Cabo Horn e chegou ao Taiti em abril de 1769.
Completadas as observações
astronômicas, empreendeu sua missão secreta – e mais importante – a demanda do
grande continente austral e, possivelmente, a prova de que ele não existia. Ter
êxito numa descoberta negativa era muito mais difícil do ter sucesso em
encontrar um objetivo conhecido. O capitão James Cook satisfazia as condições
para ser o maior descobridor negativo do Mundo, pois ele possuía capacidade de
organização, vasto conhecimento de cartas marítimas e coragem de tentar.
As ordens que ele recebeu
facultavam-lhe a escolha entre regressar pelo leste ou oeste ao redor do Cabo
da Boa Esperança e, quando o Verão austral terminava, navegar para leste nas
latitudes antárticas era procurar problemas. Por isso, Cook decidiu seguir para
oeste, explorar a costa leste da Nova Holanda (Austrália) e rumar depois para
as Índias orientais em direção a Inglaterra (a volta do Cabo da Boa Esperança).
Sua descoberta ao largo da costa foi
pouco promissora, pois a Grande Barreira de Recifes da Austrália é a maior
estrutura construída por criaturas vivas, a qual possui uma extensão de cerca
de 2000 km. As cartas antigas classificavam aquela costa como perigosa e
advertiam da existência de baixios, mas apesar disso Cook conseguiu abrir
caminho. Como efetuava prospecção costeira tinha que se manter próximo à costa
e, sem saber, acabou navegando em plena Barreira de Recifes.
De repente o Endeavor bateu no coral
e ficou empoleirado num recife, entrando água nos porões que atingiram 1,20 m
de altura. Eles levantaram âncoras para tentar safar-se o navio e, depois
disso, atiraram pela borda umas 50 toneladas de lastro, incluindo vários
canhões. Graças a uma combinação de sorte, coragem e perícia o carvoeiro
safou-se do recife, mas tornava-se necessário fazer qualquer coisa nos rombos
da quilha.
Um tripulante lembrou-se quando
naufragou e viu seu navio salvar-se por um inusitado “vedamento”. Cook resolveu
experimentar a manobra, cosendo à vela bocados de madeira e estopa, cobertos
com pontas de corda e esterco de animais. O resultado bastou para manter o
Endeavor flutuando até a foz do rio mais próximo, onde abicou um mês para os
devidos reparos. Entretanto, Cook acabou aprendendo a sobreviver nos trópicos,
comendo cangurus, aves e tartarugas.
A perigosa passagem que ele realizou
confirmou que a Austrália se separava da Nova Guiné na parte norte e, depois
disso, Cook prosseguiu para a Batávia, em Java, nas Índias orientais, contornou
o Cabo da Boa Esperança e voltou à Inglaterra em junho de 1771. Seu talento
realista para avaliar suas realizações era raro entre os grandes navegadores.
Ele relatou ao Almirantado que “embora os descobrimentos feitos nessa
viagem não sejam grandes, tenho a pretensão de que poderão merecer a atenção de
suas senhorias e, embora tenha falhado no descobrimento do tão falado
continente austral (que talvez nem exista) tenho a certeza de que não me podem
imputar parte alguma desse malogro”.
O recém-promovido capitão de fragata
James Cook obteve dois novos navios carvoeiros recentemente construídos e,
desta vez, seu plano era solucionar o problema da Grande Terra do Sul. Para
atingir seu objetivo, a viagem tinha de ser uma circum-navegação completa da
Terra pela latitude mais extremo-austral possível. Na viagem anterior ele
chegara ao Pacífico pelo Cabo Horn e, nesta viagem, propunha-se descer o
Atlântico, passar o Cabo da Boa Esperança e prosseguir a leste a volta das
regiões do Polo Sul terrestre. Pois, se houvesse realmente um continente
austral que se prolongasse para zonas inabitáveis, não poderia escapar-lhe.
Zarpou de Plymouth em julho de 1772
na que seria uma das maiores viagens de descoberta em navios à vela da
história. Nunca antes houvera uma viagem tão longa com um objetivo investigador
determinado e fixo. Não se tratava de procurar um Eldorado, nem encontrar ouro
ou prata e, muito menos, capturar escravos. Desta vez Cook ia procurar principalmente
resposta a uma pergunta.
O falado continente austral se
encontrava realmente ali? A procura dessa resposta levou-o a algumas áreas mais
inóspitas do globo e revelou uma paisagem marítima como nunca fora vista outra,
pois a Antártica era perigosamente diferente do Ártico. Cook desvendaria um
novo cenário de gelo montanhoso que transcendia a capacidade de crença da
temperada Europa.
Aquelas regiões polares eram um
imenso oceano gelado rodeado por terra. Um navio que lograsse evitar (ou
dominar) as massas de gelo encontraria maneira de seguir o seu caminho. Nas
margens do polo, bem no interior do círculo ártico, havia grandes áreas
habitadas ao longo de todo o ano por lapões, groenlandeses e esquimós.
Ao chegar, em janeiro, no verão
antártico, Cook ficou impactado pela beleza branco-azulada da paisagem alpina
de icebergs que via à sua frente. Cook esteve a 120 km do continente antártico,
mas não podia vê-lo e era inútil tentar fazer o levantamento da costa – se
havia. Depois, virou para norte, saindo do gelo e prosseguiu para leste. Seus
dois navios se separaram no nevoeiro, mas se encontraram – conforme o plano
estabelecido – na Nova Zelândia, a fim de lá passarem o Inverno austral.
Passou o Inverno seguinte explorando
o Pacífico Sul, onde cartografou as Ilhas de Páscoa e Tonga e descobriu Nova
Caledônia antes de rumar para as latitudes austrais. A caminho do Cabo da Boa
Esperança – no Atlântico – descobriu as Ilhas Sandwich e Geórgia do Sul.
O Almirantado Britânico tinha outra
missão para Cook nas fronteiras do mito, da esperança e da geografia. Haveria
realmente uma passagem para noroeste? A procura de uma viagem marítima do
Atlântico para o Pacífico seduzia viajantes desde a descoberta da América. Os
empreendimentos de Cook no Pacífico tão cheios de mitos sugeriu à Royal Society
a ideia de que ele era o homem indicado para responder à pergunta do lado do
Pacífico. Menos de um ano após seu regresso da 2ª viagem, Cook partiu à procura
de uma passagem que podia (ou não) existir.
Sua busca revelou-se infrutífera,
pois não existia passagem alguma para noroeste, pelo menos nenhuma que pudesse
ser usada por navios à vela. De regresso para descansar no Havaí, encontrou seu
fim numa luta sem heroísmo. Quando um dos escaleres de Cook foi roubado, ele
não aguentou e desembarcou com sua guarda armada a fim de reaver a embarcação.
Enfurecidos, os havaianos atacaram-no com facas e cacetes e mantiveram-no
debaixo d’água até se afogar.
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