Os Chineses Eram Bons Navegadores? Por Que Eles Viviam Isolados? Qual Era o Poder dos Eunucos na Corte Imperial? Como Eram Seus Navios?
Quando o Infante D. Henrique mandava
seus navios descer a costa ocidental da África, do outro lado do planeta, os
navegadores chineses já possuíam – naquela época – uma marinha sem paralelo em
número, perícia e tecnologia.
Sua grande frota já navegava para além-mar da China e à volta do Oceano Índico,
tendo chegado pela costa oriental da África à própria ponta do Continente
Negro.
Mas, enquanto as explorações de D.
Henrique foram um prólogo para viagens marítimas que levariam à descoberta de
todo um mundo novo, as maiores expedições chinesas da mesma era conduziram a um
beco sem saída. O que tornou tão dramático o Grande Isolamento (1433) foi o
fato de que a exploração marítima chinesa ter sido tão espetacular e, o herói,
o planejador e o comandante do mais notável desses empreendimentos (Cheng Ho)
se tornou conhecido como “o eunuco das Três Pedras Preciosas”.
O fato de Cheng Ho ser eunuco ajuda a
explicar como ele conseguiu iniciar essas grandes aventuras, e também por que
motivo eles terminaram abruptamente. No Ocidente, os castrados não eram
conhecidos pela sua influência política, mas principalmente pelas suas
peculiaridades vocais. Além de tirar a capacidade de procriar, a operação de
castrar retarda o engrossamento da voz e faz do eunuco um soprano. A prática de
utilizar os eunucos na corte se propagou partir de Constantinopla.
As instituições imperiais chinesas se
revelaram bem favoráveis ao poder dos eunucos. A rígida etiqueta da corte
confinava o imperador ao seu palácio e ao jardim em nas raras ocasiões em que
ele abandonava esse confinamento, seus homens impediam que a população se
aproximasse dele, protegendo-o dos olhares públicos. Em contrapartida, os
eunucos imperiais que viviam no interior do palácio falavam diariamente com o
Imperador. Os ministros de estado só podiam apresentar seus relatórios por
escritos, mas aos eunucos era permitido até murmurar ao ouvido do Imperador.
Um desses eunucos era exatamente Cheng
Ho que, por razões que fazem parte da nossa história, sabemos muito menos a seu
respeito do que do Infante D. Henrique, Vasco da Gama, Cristóvão Colombo,
Américo Vespúcio ou Fernão de Magalhães – que foram seus homólogos europeus.
Sabemos apenas que ele era muçulmano de nascença e vinha de uma pequena
província do interior.
Ao mesmo tempo em que reduzia os poderes
da burocracia o imperador iniciava uma política de endurecimento, a qual
transformou em ódio as suspeitas que os funcionários públicos normais
alimentavam contra os eunucos. Com projetos megalômanos o Imperador resolveu
enviar expedições navais com mensagens de sua grandeza por todos os mares
circundantes e, para comandá-las, escolheu Cheng Ho.
A tripulação era composta de 37 mil
homens, em uma frota de 370 barcos – alguns com 9 mastros – 133 metros de
comprimento e uma largura de 54 metros. Tais barcos eram muito maiores do que
quaisquer que tinham sido vistos no Ocidente. Cheng Ho levou sua frota a quase
todas as terras habitadas das margens do mar da China e do Oceano Índico. Havia
pelo menos 500 anos que os Chineses faziam comércio com o mundo islâmico, tendo
acrescentado aos seus mapas o rio Nilo, o Sudão, Zanzibar e alguns lugares do
Mediterrâneo sul.
Sete expedições avançaram cada vez
mais para ocidente e a primeira delas visitou Java, Sumatra, Ceilão e Calecute.
As seguintes chegaram ao Sião, fizeram de Málaca seu quartel-general para
chegarem às Índias e depois prosseguiram a Bengala, Ilhas Maldivas e chegaram à
Ormuz, no Golfo Pérsio. A 7ª expedição, que transportava 27.500 oficiais e
marinheiros, foi mais longe do que qualquer de suas antecessoras e estabeleceu
relações diplomáticas com mais de 20 reinos de Java – através das Ilhas Nicobar
– até Meca, percorrendo longa distância pela costa da África.
Esses povos longínquos – que havia mil anos viam pequenos juncos chineses nas suas águas – ficaram subjugados pelos navios de múltiplos andares, muito maiores do que quaisquer antes vistos ou qualquer que os Portugueses tenham visto naquelas paragens.
O propósito dessas frotas é difícil
de apreender para os padrões ocidentais, pois os interesses de Cheng Ho estavam
tão distantes como os polos de interesses das frotas europeias na idade dos
descobrimentos. Os Portugueses – por exemplo – desejavam aumentar sua riqueza,
assegurar o acesso aos produtos do Oriente e converter os pagãos ao
cristianismo.
Mas, o propósito das extensas
expedições de Cheng Ho não era acumular riquezas, converter pessoas ou colher
informações científicas e vários cronistas afirmaram que Cheng Ho fora mandado
ao mar a fim de localizar o sobrinho do Imperador que o havia traído.
As viagens se tornaram uma
instituição que mostrava o poder da nova dinastia Ming, pois com técnicas de
persuasão não violentas eram capazes de obter tributos de Estados distantes. Os
Chineses esperavam transformar “todo o Mundo” em admiradores involuntários do
único centro de civilização mundial. E, com isso em mente, a frota chinesa não
ousava pilhar os Estados que visitava.
Cheng Ho não procurava escravos,
ouro, prata ou especiarias. Nada indicava que os chineses precisavam do que as
outras nações possuíam e, enquanto os povos da Ásia ficavam impressionados com
a capacidade dos Portugueses de tirar, os Chineses impressionavam com sua
capacidade de dar.
Eles dramatizavam de forma
involuntária o axioma cristão de que é mais nobre dar do que receber e, em
lugar das bugigangas infantis e sem valor, ofereciam tesouros do mais excelente
artesanato. Nesse tempo, os chineses praticavam o que pregavam, com
consequências muito dispendiosas, pois o sistema tributário exigia que a China pagasse
mais do que recebia e, cada novo Estado, agravava o desequilíbrio do comércio
chinas. Os acidentes da história que lançaram as relações públicas chinesas
para essa situação ajudam a explicar por que motivo a comunicação chinesa com o
mundo exterior foi absurda, durante os séculos seguintes.
Assim como não eram comerciantes e
conquistadores, os Chineses também não eram Cruzados, pois os Portugueses
levaram para a Ásia toda a intolerância ocidental determinados a convencer os
pagãos. Muçulmanos, hindus, budistas e cristão heréticos eram o alvo do
proselitismo e da sua perseguição. Em 1560 quando estabeleceram a Santa
Inquisição em Goa, os Portugueses iniciaram um piedoso reinado de terror
imposto pela lógica da câmara de torturas.
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