Um dos grandes avanços da história do planeta foi o salto da observação celeste a olho nu para a visão através de instrumentos, embora ninguém ainda tivesse proposto a invenção do telescópio. Pois, um dos preconceitos mais profundos e difundidos na Idade Média era a fé nos sentidos humanos, sem ajuda e sem mediação.
Não se sabe
quem inventou os óculos, como ou onde foi inventado, mas tudo indica que foi
por acaso – por leigos que não entendiam nada de ótica. Talvez um vidreiro
idoso, ao fazer discos de vidro para janelas chumbadas, tenha experimentado um
disco e, olhando através dele, tenha descoberto que via muito melhor.
Assim, é
normal suspeitar de que o inventor não foi um acadêmico, pois os professores
vangloriam-se de seus inventos e, antes do século XIII, não se tem registro de
algum inventor desse gênero.
A palavra
italiana “lente” (inglês: “lens”, de “lentil”,
a semente; lentilha – comestível) usada para descrever o invento, não tem nada
de acadêmica. Não é o gênero de palavra que um professor utilizaria para
descrever a aplicação das suas teorias óticas. Desde as primeiras utilizações
dos óculos (antes de 1300) até à invenção do telescópio (quase 300 anos
depois), as lentes foram ignoradas pelos sábios.
Sabia-se
pouco sobre a teoria da refração da luz e os poucos físicos em vez de estudarem
a refração, sentiram-se mais atraídos pelo seu amor pelas formas perfeitas
pelos círculos e pelas esferas. Começaram por estudá-la numa esfera de vidro
completa, o que implicou as aberrações mais complexas e não os levou a lugar
algum.
Ao procurarem
os efeitos das lentes, os filósofos foram bloqueados pelas suas teorias da luz
e da visão. Os Gregos pensavam na visão como o processo ativo de um olho humano
vivo, e não como o registro passivo de impressões físicas no exterior. Platão e
os pitagóricos descreveram o processo de ver como emanações do olho que
circundavam o objeto visto.
Ptolomeu
compartilhava essa abordagem. Já, Galeno – o árbitro da anatomia – levantou a
objeção de que imagens grandes como as das montanhas não poderiam se espremer e
penetrar através da minúscula pupila do olho.
Durante a
Idade Média, a Europa continuou dominada pelo conceito do “olho ativo” cuja
experiência visual dependia da alma interior, o que significava que o próprio
olho não era um instrumento ótico, nem a luz um fenômeno da física. E
levantaram-se obstáculos religiosos ao estudo da ótica ou a fabricação de
instrumentos para auxiliar o olho nu.
A tradição
popular e o senso comum reforçavam a teologia. Por que tinham sido dados olhos
aos homens, a não ser para saberem a forma, o tamanho e a cor verdadeira dos
objetos do mundo exterior? Assim sendo, não eram os espelhos, os prismas e as
lentes instrumentos para fazer mentiras visuais? E os instrumentos feitos pelo
homem para multiplicar, ampliar ou reduzir imagens visuais não eram meios de
deturpar a verdade.
Contudo,
algumas pessoas práticas avançaram e se sentiam satisfeitas por usarem óculos
no nariz, simplesmente porque isso as ajudava a ver. A primeira utilização dos
óculos parece ter sido para corrigir a presbiopia – deficiência da visão que
ocorre com a idade através do endurecimento do cristalino, quando os olhos não
podem mais enfocar nitidamente objetos mais próximos.
Em 1623,
Galileu escreveu “temos a certeza de que o 1º inventor do telescópio foi um
simples fabricante de óculos que, manejando ao acaso diferente formas de vidro,
olhou por acaso através de dois deles, um côncavo e outro conexo, colocados a
distâncias diferentes do olho; viu e observou o resultado inesperado; e assim
descobriu o instrumento”.
A história
mais crível situa o episódio na oficina de um fabricante de óculos dinamarquês
(Hans Lippershey) em 1600, quando duas crianças brincavam com as suas lentes e,
ao juntarem duas e olharem através delas para um catavento distante da Igreja
da cidade, viram-no maravilhosamente ampliado. Lippershey também olhou e depois
começou a fazer telescópios.
Os Países
Baixos lutam pela sua independência contra os exércitos da Espanha e aquele
seria o momento para ele tentar vender um novo dispositivo militar. O príncipe
Maurício de Nassau – comandante das forças independentes e patrono da ciência –
apreciaria a utilidade no campo de batalha de “um instrumento para ver à
distância”. Depois de experimentar a invenção de Lippershey, uma comissão
considerou-o capaz de ser “de utilidade para o Estado”.
O azar de
Lippershey deveu-se ao fato de, no mesmo momento, outros cidadãos dos Países
Baixos reivindicarem a honra do telescópio. Um deles (James Metius de Alkmar)
declarou já ter feito um telescópio tão bom como o de Lippershey e, com o apoio
dos Estados-Gerais, ser capaz de fabricar um muito melhor.
Como as
autoridades não aceitavam imediatamente a sua oferta, James Metius recusou-se a
deixar quem quer que fosse ver o seu telescópio e, ao morrer, mandou destruir
todos os seus utensílios para evitar que alguém reclamasse as honras.
Quando a
notícia se divulgou, tornou-se tentador reivindicá-lo para si próprio e um
desses inventores foi Zacharias Jansen, também fabricante de óculos. Jansen prosperou
falsificando moedas de cobre espanholas. No meio dessa confusão, os
Estado-Gerais indeferiram a petição de Lippershey e não deram a nenhum dos
reivindicadores crédito ou dinheiro pelo novo instrumento.
Entretanto, o
telescópio se tornava conhecido e em 1608 o embaixador francês em Haia
conseguiu obter um para o rei Henrique IV e, logo no ano seguinte, havia-os à
venda em Paris. Em 1609 foi visto um telescópio na feira de Frankfurt e também
apareceram telescópios em Milão, Veneza, Pádua e Londres.
No entanto,
não foi fácil persuadir os “filósofos naturais” a olhar pelo utensílio de
Galileu, pois eles tinham muitas razões para desconfiarem do que não haviam
visto a os olhos nus. Cesar Cremonini – por exemplo – se recusou desperdiçar
seu tempo através da engenhoca de Galileu só para ver “o que ninguém viu,
além de Galileu”..... e, além disso, “olhar por esses óculos causou-me
dor de cabeça”.
O próprio
Galileu via um objeto através do seu telescópio e depois se dirigia ao objeto
para ter a certeza de que não fora enganado. Em maio de 1610 declarou que
experimentara o seu telescópio “cem mil vezes em cem mil estrelas e outros
objetos”. Galileu foi um cruzado dos paradoxos da ciência contra a tirania
do senso comum.
A grande
mensagem do telescópio não estava no que mostrava dos objetos terrenos que
Galileu podia ir verificar em pessoa e à vista desarmada, mas antes na
infinidade de “outros objetos” que não podiam ser pessoalmente
examinados ou sequer vistos a olho nu.
As vistas
telescópicas perturbaram as pessoas durante muito tempo antes de elas se
persuadirem por completo. Em 1611, o poeta inglês John Donne observou que as
ideias de Copérnico – “que podem muito bem ser verdadeiras” – estavam
“a insinuar-se no cérebro de toda a gente”. John Milton também se
sentiu confuso quanto ao que poderia significar e, mal fizera 30 anos, visitou
o cego Galileu perto de Florença, onde o astrólogo se encontrava confinado por
ordem papal.
No seu livro
publicado após a morte de Galileu, descreveu-o como uma vítima heroica. “Foi
isto que apagou a glória da inteligência italiana[.....]nada ali fora escrito
escritos nesses anos mais que lisonja e empolação. Foi lá que encontrei o
famoso Galileu envelhecido, prisioneiro da Inquisição, por pensar na astronomia
de outro modo que os censores franciscanos pensavam”.
Uma série de
coincidências juntaram Galileu Galilei e o telescópio e elas não tiveram nada a
ver com o desejo de alguém em rever o cosmo ptolomaico, de fazer progredir a
astronomia ou de conhecer a forma do Universo. Os motivos se encontravam nas
ambições marítimas e militares da República de Veneza e no espírito
experimental inspirado pelos seus empreendimentos comerciais.
Um mês após
Lippershey recorrer ao príncipe Maurício de Nassau, chegaram à Veneza notícias
do seu telescópio e o homem que primeiro as ouviu foi Paolo Sarpi, um frade
apaixonado pela ciência. Como teólogo do Senado de Veneza, dele se esperava que
se mantivesse informado dos acontecimentos que ocorressem no estrangeiro.
Era amigo do
engenhoso fabricante de instrumentos – Galileu – cujo invento de um novo
utensílio de cálculo defendera recentemente das reivindicações de um
mal-intencionado plagiador milanês.
Nesse tempo
Galileu era professor de Matemática em Pádua, lugar concedido pelo Senado de
Veneza. Visitara com frequência oficina do arsenal veneziano, e dirigia em
Pádua uma pequena oficina própria. Aí fazia instrumentos de agrimensão,
compassos e outros aparelhos matemáticos. O rendimento da oficina permitiu-lhe
dar dotes às suas irmãs e manter os irmãos e a mãe. Entretanto, conquistara
forme reputação como fabricante de instrumentos.
Quando um
estrangeiro chegou a Veneza para vender um telescópio ao Senado, o assunto foi
confiado a Sarpi que, embora convencido de que um telescópio poderia ser útil a
uma potência marítima, estava convencido de que o próprio Galileu poderia fazer
um instrumento melhor e, por isso mesmo, aconselhou o Senado a recusar a oferta
do desconhecido.
A confiança
de Sarpi não tardou a ser justificada, pois em junho de 1609 Galileu ouvira
falar da existência de um instrumento com as características do telescópio e,
ao mesmo tempo, da chegada à Pádua de um estrangeiro com um deles. Depois de
tomar conhecimento do modo como o telescópio do estrangeiro era feito, pôs mãos
à obra a fim de fazer ele próprio um. Voltou a Veneza, onde surpreendeu o
Senado e alegrou Sarpi com um telescópio de “potência 9”; ou seja, três vezes
mais potente do que o oferecido pelo estrangeiro.
Dessa forma,
Galileu continuou a aperfeiçoá-lo até que em fins de 1609 produziu um
telescópio de “potência 30”, o qual ficou sendo conhecido como “o
telescópio galileano”. Em vez de tentar vendê-lo, Galileu ofereceu-o
ao Senado de Veneza que, em troca, concedeu-lhe uma renovação vitalícia do seu
cargo de professor e aumentou-lhe os honorários.
Esse trato
suscitou ressentimentos entre seus invejosos acadêmicos, os quais alegaram que
em virtude de outros terem inventado o telescópio, o máximo a que Galileu teria
direito era um bom preço pelo seu utensílio.
Sem nenhuma
percepção especial da ciência ótica, Galileu fizera o telescópio pelo método do
“ensaio e erro”. Mas, em janeiro de 1610 fez o que hoje parece ser o mais
óbvio; isto é, ele virou o telescópio para o céu.
No nosso
tempo, tal não exigiria nem coragem nem imaginação, mas no de Galileu a
história era bem diferente. Quem ousaria utilizar um brinquedo para penetrar na
majestade das esferas celestes? Espiar a forma do céu de Deus era supérfluo,
presunçoso e poderia se revelar blasfêmia.
Em 1597
Galileu apoiava efetivamente o sistema ptolomaico numa série de lições em Pádua
e a Cosmografia – a qual estava escrevendo – não revelava quaisquer dúvidas
sobre o cosmo tradicional. Contudo, escreveu a um colega de Pádua defendendo a
hipótese de Copérnico de críticas injustificadas. Quando recebeu o primeiro
livro de Kepler – com a defesa do sistema copernicano – agradeceu-o
compreensivamente.
O que o
atraía na versão de Copérnico feita por Kepler não era a sua astronomia, mas
sim a sua coerência com a teoria do próprio Galileu das marés da Terra. E,
quando Kepler o incitou a se pronunciar pela nova visão do Mundo, recusou
antecipadamente.
O que Galileu
viu através do seu telescópio quando o apontou para o céu deixou-o tão
maravilhado que publicou uma descrição do que observou em um panfleto de 24
páginas, o qual assombrou e perturbou o mundo erudito. Ele descreveu,
entusiasmado a “vista mais bela e deliciosa de fenômenos naturais {....}
primeiro, dada a sua excelência; segundo dada a sua absoluta novidade. Eis que
o diâmetro da Lua parece cerca de 30 vezes maior, a sua superfície cerca de 900
vezes, e a sua massa sólida quase 27000 vezes maior do que quando é observada a
olho nu ”.
Cada uma
dessas simples observações abalou um pilar do universo aristotélico ptolomaico.
Agora com seus próprios olhos, Galileu viu estrela fixas que ultrapassavam a
sua capacidade de contá-las. Viu que a Lua não era, em forma, mais perfeita do
que a própria Terra.
A Via Láctea
revelou-se não apenas uma massa de incontáveis estrelas. Embora essas observações
começassem a remover os obstáculos tradicionais do dogma, a verdade é que
nenhuma delas confirmaria Copérnico.
O que Galileu
viu bastou para convertê-lo. No pequeno panfleto (de 24 páginas) ousou anunciar
a sua afinidade com o sistema copernicano. Kepler fora incapaz de persuadi-lo,
mas o telescópio o persuadira. A ele, os quatro satélites à volta de Júpiter
pareceram-lhe as suas mais importantes descobertas, pois constituíam a prova
mais óbvia de que a Terra podia não ser a única no Universo. E provava também
que um corpo como a Terra, com outro corpo circulando à sua volta, podia
circular à volta de ainda outro corpo.
Essas
descobertas promoveram rapidamente a sua carreira, embora a inveja dos seus
rivais tenha produzido alguns efeitos. O Senado de Veneza não se comportou à
altura de suas generosidades e Galileu teve de procurar noutro lado uma
sinecura ([1]) acadêmica onde pudesse se entregar ao seu novo
interesse pela astronomia. Com esse objetivo batizou as quatro (4) luas de
Júpiter de “planetas medicianos” – nome da família Médici do
Grão-Duque de Florença. E enviou-lhe um telescópio de presente.
Tais
cumprimentos não tardaram a produzir efeitos, pois o Grão-Duque enviou-lhe uma
corrente de ouro, uma medalha e nomeou Galileu “Principal Matemático da
Universidade de Pisa e Filósofo do Grão-Duque” e com um salário de 1000
florentinos por ano. Daí, Florença se tornou sua sede acadêmica durante o resto
da sua vida.
Kepler
rejubilou por Galileu ter “abandonado” as suas dúvidas e escreveu dois livros
para apoiá-lo. Entretanto, Galileu prosseguiu com suas observações que
forneceram mais pistas quanto à plausibilidade do sistema copernicano. Ele viu
o aspecto oval de Saturno e as fases de Vênus que nunca tinham sido observadas
a olho nu, aumentando assim as probabilidades de Vênus girar à volta do Sol.
Essas observações começaram a fornecer a evidência direta da existência de um
sistema heliocêntrico.
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([1]) Do
latim sine, "sem" e “cura, "cuidado".
É um tipo de emprego ou função, quase sempre em cargo público, e que
praticamente não requer responsabilidade, trabalho ou serviço ativo.
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