Quem Foi Henry Oldenburg? De Que Forma as Fronteiras Entre a Ciência e a
Tecnologia Foram Reveladas? Por Que as Cartas se Tornaram Importantes Para os
Cientistas?
As
gerações que produziram Galileu, Vesálio, Harvey e Malpighi precisavam de novos
fóruns de ciência que reunissem as verdades descobertas por pessoas para
enriquecimento mútuo. As comunidades de ciência se tornaram parlamentos de
cientistas e, o que era oferecido às comunidades científicas, não tinha de fazer
parte de um grande esquema de significado, bastando apenas que fosse
interessante, invulgar ou novo.
As
fronteiras entre ciência e tecnologia e entre profissional e amador, foram
reveladas. De uma nova mecânica de troca de informações saiu um novo conceito
incrementador da ciência. Marin Mersenne foi um modelo desse novo homem da
ciência.
Nascido
de uma família de trabalhadores da França e depois de estudar Teologia na
Sorbonne, ele entrou para a Ordem Franciscana dos Mínimos, que era mais
rigorosa do que outras ordens franciscanas em termos de humildade, penitência e
pobreza. Seu encanto pessoal fez do seu mosteiro um centro de vida científica
em Paris e Mersenne ajudou a fazer de paris o centro intelectual da Europa.
O “Irmão
Marino” se preocupou em preservar a religião e fazer progredir a ciência. Pelos
seus cálculos, só em Paris havia cerca de 50 mil ateus e, ao contrário dos
“ateus mágicos”, ele via as novas descobertas da ciência confirmarem as
verdades da religião.
Na Casa
dos Mínimos, Mersenne reuniu alguns dos cérebros mais lúcidos e curiosos do seu
tempo, não apenas da França. As suas conferências contavam com Pierre Gassendi
(amigo de Galileu e de Kepler), os Descartes (pai e filho) e muitos outros.
Mersenne reuniu na sua rede de correspondência internacional pensadores muito
distantes uns dos outros.
Aos
discípulos italianos de Galileu explicou que este não fora, realmente,
condenado por heresia. Embora desse à estampa uma versão francesa de obras não
publicadas de Galileu, acautelou-se de avalizar a nova astronomia.
Mersenne
desenvolveu uma ativa permuta com a Inglaterra, importando livros de lá e
fornecendo os franceses e, com isso, ele inspirou outro parlamento de
cientistas. O homem que organizou tudo foi o pouco conhecido Henry Oldenburg
que tinha o dom de inspirar aqueles que se contavam. Oldenburg estudou latim,
grego e hebreu, recebendo o grau de mestre em Teologia e depois foi para a
Universidade de Utrecht.
Durante
os 12 anos seguintes visitou jovens nobres ingleses, a França, a Itália, Suíça
e Alemanha, aprendendo a falar francês, inglês, italiano e seu alemão natal. Aos
35 anos Oldenburg travou conhecimento com os principais pensadores ingleses
como John Milton, Thomas Hobbes e Robert Boyle. Oldenburg abriu seu caminho não
através do poder das ideias, mas através da fluência e do encanto pessoal que
seriam essenciais para a diplomacia científica.
A irmã de
Robert Boyle (Lady Ranelagh) atraída pelo instruído Oldenburg contratou-o como
educador de seu filho e, por esse motivo, ele conheceu vários cientistas
reunidos à volta de Boyle como John Wilkins – um versátil matemático-astrônomo
– e outros, que vieram a construir o núcleo da Royal Society.
Em 1657,
o entusiasmado Oldenburg acompanhou seu jovem pupilo numa viagem pelo
continente e o estatuto social de Ranelagh tornou-os bem-vindos nos salões dos
cientistas e amadores franceses. A visita de Oldenburg a Paris foi
providencial, pois ele frequentou reuniões na Academia de Montmor em conversas
sobre “tudo quanto o Sol cobria”. Oldenburg dizia que “cada um dos
membros da associação é obrigado a tratar de certo tópico, quer físico ou
médico ou mecânico”.
Oldenburg
notou que os naturalistas franceses eram mais discursivos do que ativos ou
experimentais, confirmando o provérbio italiano de que “as palavras são
femininas e os fatos, masculinos”. Daí, quando ele regressou à Inglaterra
visionou uma comunidade de ciência mais “masculina” e, sob o patrocínio do rei,
um grupo de homens das ciências se reuniram em novembro de 1660 a fim de
fundarem uma nova academia para o fomento das ciências.
O
presidente dessa nova sociedade era John Wilkins, um dos dirigentes era Robert
Boyle e, embora não estivesse presente na fundação, Oldenburg constava da 1ª
lista de propostos para membros. Em fevereiro de 1661 nomearam-no para uma
comissão “a fim de considerar questões adequadas para serem investigadas nas
partes mais remotas do Mundo”.
A nova
sociedade já não era mais confinada a respeitáveis residentes na capital, pois
acabou se tornando um “colégio invisível” e para ser ouvido na Royal Society em
Londres já não era necessário assistir a qualquer reunião.
Pessoas
escreveram do oeste da Inglaterra, relatando problemas agrários e indicando as
melhores formas de preparar cidra e, outra pessoa, informou a existência de
comunidades que consumiam aranhas e sapos. Mas a lista também incluía John
Flamsteed que escrevia sobre astronomia e Martin Lister, que escreveu de York
sobre biologia.
As muitas
relações de Oldenburg e seus conhecimentos linguísticos resultaram dividendos,
pois o fluxo de correspondência aumentou e essas cartas forneciam assuntos para
as próximas reuniões da sociedade. Nessa época, as cartas eram uma forma de
comunicação entre cientistas e em Paris eles expunham suas ideias numa carta a
um amigo, pagavam para imprimi-la e enviavam centenas de cópias. Para se
manterem informados sobre novas invenções precisavam de correspondentes em
outros centros de cultura.
Uma carta
tinha vantagens óbvias sobre um livro e, enquanto as obras científicas eram
fáceis de interceptar para serem censuradas, as observações relatadas numa
carta podiam passar despercebidas ou ser entregues com o correio normal. Além
disso, as cartas podiam transitar uma vez por semana entre Londres, Paris e
Amsterdã.
O
empreendedor Oldenburg criou um serviço mais extenso e de maior confiança,
contratando como agentes jovens membros do pessoal de embaixadas britânicas, os
quais enviavam seus relatórios através de canais diplomáticos para uma
morada-código engendrada a partir do seu nome.
Quando
Oldenburg se tornou secretário da Royal Society, o rudimentar serviço postal
britânico ainda era um órgão de segurança nacional, servindo como agente de
censura assim como de contraespionagem. Todos os mensageiros sem licença tinham
sido suprimidos.
Durante
séculos, a carta foi o veículo de comunicação em longa distância mais rápido,
seguro e barato, expressando também uma atitude nova em relação à ciência e à
tecnologia. Uma carta era apropriada para comunicar um fato e o papel ou o
artigo científico impresso – que mais não foi do que uma versão posterior da
carta – seria o típico formato em que a ciência moderna foi sendo acumulada e
comunicada.
Essa
forma anunciou o aparecimento do cientista experimental que substituiu o
“filósofo natural”. A carta foi um veículo ideal para o crescente número de
homens dispersos por toda Europa que já não esperavam tomar de assalto a
cidadela da verdade, mas desejavam fomentar o saber passo a passo.
Oldenburg
escrevia a quem quer que suspeitasse ter um pouco de informação científica nova
e, às vezes, instigava a sociedade para que lhe desse instruções no sentido de
iniciar uma correspondência oficial. Chegavam cartas em todas as principais
línguas europeias. Para o mundo da ciência o advento das línguas vernáculas foi
uma faca de dois gumes, elas levantaram novas barreiras.
Enquanto
o latim foi a linguagem universal da ciência europeia, um impressor de obras em
latim podia contar com uma grande venda, mesmo de dispendiosos livros técnicos.
O alastramento da alfabetização e o advento das línguas vernáculas (que
decorreram da tipografia) reduziram o mercado de livros em latim.
Os novos
mercados eram estritamente regionais e até na Itália a comunidade científica
não lia um livro em latim, se houvesse algum em italiano. Isso aumentou a
oportunidade da educação pública e criou mercado para obras de ciência popular.
Mas também criou novos problemas, pois o vocabulário latino padrão foi-se
tornando mais confuso pela intromissão de coloquialismos.
Nessa
época, a maioria dos membros da Royal Society de Londres ainda sabia ler latim.
Newton escrevia latim tão bem quanto inglês, mas eram poucos os que se sentiam
à vontade em qualquer língua senão a sua. Robert Hook, por exemplo, não
acreditava em nada escrito em francês, os cientistas franceses não sabiam
inglês e, o alemão, só então começava a ser aperfeiçoado e tornou-se uma língua
erudita.
Tudo isso
tornava a carta conveniente, econômica e útil e quando alguém queria comunicar
sua última invenção não acarretava qualquer custo, como acontecia com um livro,
por exemplo. O empreendedor Oldenburg, combinando o caráter informal da carta
com o alcance da palavra impressa, inventou a profissão de “jornalista
científico”.
Esse novo
gênero literário transmitiria algumas das mais importantes notícias dos tempos
modernos. Em princípio Oldenburg não era remunerado, mas em dezembro de 1666 o
Conselho da Royal Society lhe pagou 40 libras por todo o seu trabalho.
Entretanto, ele concebeu a ideia de compilar e publicar toda a correspondência
que passou a ser considerada como de sua propriedade.
Em março
de 1665 publicou o 1º número do livro Philosophical Transactions, um
periódico científico que se dedicava a criticar livros e assuntos literários e,
quando seus inimigos jesuítas o forçaram a tornar-se mais brando, sua
publicação foi interrompida. Porém, cada número mensal de 12 páginas impressas
geravam uma tiragem de 1200 exemplares, rendendo pouquíssimo para o seu elevado
custo.
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