No
início de setembro, quase 90% dos funcionários voltaram a bater cartão nos dois
escritórios da empresa, no Rio e em Brasília. O motivo: a conexão entre os
funcionários estava perdendo a liga em meio à infinidade de percalços típicos
da rotina de trabalho à distância, como os horários descasados entre chefia e
funcionários, as quedas constantes de internet e o ritmo arrastado típico das
reuniões por videoconferência. “É um desafio manter a cultura do negócio com
todo mundo em casa”, diz Luciana Caldas, gerente de recursos humanos da Evoltz.
A
volta dos funcionários da Evoltz ao escritório está se tornando uma história
cada vez mais comum em empresas Brasil afora. É, claro, uma decisão que vem
tirando o sono de muito gestor por aí. Como garantir um mínimo de segurança a
funcionários sentados a uma baia de distância entre si contra um vírus ainda
sem tratamento decente nem uma vacina aprovada pela ciência?
Apesar
das incertezas aqui e ali, muitas empresas estão bolando esquemas para
autorizar a volta. Segundo uma pesquisa recente da consultoria KPMG com 1.124
executivos de todas as regiões brasileiras, 51% deles planejam chamar uma parte
de seus funcionários de volta ao batente presencial até o fim do ano. Desse
total, quase um terço vai fazer isso ainda em setembro.
Somente
26% pretendem deixar a decisão para 2021. “As empresas estão fazendo análises
de tempos em tempos, e com cuidado, para definir esse prazo”, diz André
Coutinho, sócio da KPMG, responsável pela pesquisa. “Todas as variáveis
precisam ser consideradas, não só as financeiras, mas também as sanitárias”
Por
causa dos riscos da decisão de convocar o pessoal para voltar ao escritório,
muitas empresas estão virando verdadeiros bunkers contra o vírus. Em
boa medida as experiências brasileiras copiam o que deu certo na China,
primeiro epicentro da pandemia e até agora um dos poucos lugares no mundo
minimamente bem-sucedidos no controle do vírus.
Em
escritórios de unicórnios chineses, como o varejista Alibaba, tornou-se
frequente medir a temperatura dos funcionários no trabalho. Na Evoltz, o jeito
foi investir 2 milhões de reais na reforma das duas unidades da empresa.
As
baias agora ficam mais distantes entre si, como recomendam epidemiologistas.
Entre uma posição de trabalho e outra, barreiras de acrílico evitam que
partículas de saliva de um funcionário cheguem perto do colega durante uma
conversa — uma situação que já era desagradável e agora, além de tudo, é vetor
de contágio do novo corona vírus.
Pelos
corredores, cartazes lembram os funcionários sobre o uso obrigatório de
máscaras. Sinais no chão mostram onde os funcionários podem sentar e as áreas
que devem ser evitadas. Na portaria, os funcionários esticam o celular em
direção à porta. Um aplicativo de reconhecimento facial faz as vezes do cartão
de ponto.
A
temperatura de todos é monitorada a rigor por uma técnica de enfermagem. Quem
dependia de transporte público antes da pandemia pôde dar adeus à condução —
vouchers de táxi estão liberados pela empresa pelos próximos dois meses. “O
momento não é normal, mas nada substitui o olho no olho. É bom estar perto,
apesar de não tão perto”, diz Caldas, da Evoltz.
Por
causa de toda a função envolvida na volta aos escritórios, as empresas estão
indo aos poucos. Segundo a pesquisa da KPMG, a maioria dos negócios deve
colocar menos da metade dos funcionários para trabalhar lado a lado num
primeiro momento.
Na
startup paulistana Loft, uma plataforma online para compra e venda de imóveis,
a orientação é evitar muvucas. Em julho, apenas 10% dos 600 funcionários podiam
ir ao escritório — em geral, só aqueles cujo ofício depende de uma interação
mais próxima com clientes ou fornecedores e os que precisam do telefone e do Wi-Fi
mais estável da empresa.
Agora,
com a epidemia em curva descendente na capital paulista, o limite passou para
25%. Antes de sair de casa, contudo, o funcionário deve explicar a seu chefe,
tim-tim por tim-tim, os motivos do deslocamento. “Funcionários que convivem com
idosos e outros grupos com risco de desenvolver sintomas mais agudos da
covid-19 são desaconselhados a colocar os pés na sede da empresa”, diz Renata
Feijó, diretora da área de pessoas da Loft.
Do
ponto de vista dos funcionários, a saudade do escritório ainda está longe de
ser uma unanimidade — e a ânsia é maior em algumas carreiras do que em outras.
Numa enquete recente da rede social LinkedIn com 2.500 internautas brasileiros,
poucos demonstraram ânimo para voltar ao batente como antigamente.
Entre
os mais ansiosos, como é o caso dos profissionais da construção civil e os da
educação, os interessados mal chegam a 40% do total. Quase um terço daqueles
que trabalham com tecnologia da informação, carreiras já acostumadas ao home
office antes mesmo da crise sanitária, quer continuar a labuta em casa, de
chinelão e bermuda.
“As
empresas não vão conseguir virar a página da pandemia e simplesmente decretar o
retorno ao modelo de antigamente”, diz Alexandre Fialho, diretor do Seer, um
programa de formação de executivos da escola de negócios Saint Paul, em São
Paulo.
Não
é à toa que o movimento de retomada aos escritórios está sendo feito em
paralelo a uma saraivada de anúncios de home office sem data para acabar em
muitas empresas. Em gigantes de tecnologia, como Google e Facebook, a
orientação global é estender o trabalho remoto até meados de julho de 2021 —
quando, se tudo der certo, uma vacina estará disponível em larga escala.
No
Brasil, a petroleira Petrobras anunciou na semana passada regras bem flexíveis
sobre o local de trabalho dos empregados. Os 28.500 funcionários
administrativos em escritórios espalhados pelo Brasil poderão escolher se
querem ou não o home office.
A
ideia é dar até três dias por semana fora do escritório. Só quem está envolvido
na extração de petróleo vai ter o compromisso de bater o cartão todo dia. Numa
pesquisa interna com 13.400 empregados, 82% optaram por esquemas para ficar em
casa ao máximo. “Temos a regra de adotar o tele trabalho como prática oficial”,
diz Cláudio Costa, gerente de recursos humanos da Petrobras.
DESAFIOS
COMPLEXOS
Em
negócios que conseguiram crescer na pandemia, a volta ao escritório esbarra em
desafios complexos. O espaço comporta quem foi contratado na quarentena? E mais
espinhoso ainda é o fato de que muitas empresas aproveitaram a normalização do
trabalho remoto para sair contratando profissionais pelo interior do Brasil,
onde o salário é mais baixo.
Agora,
com a pressão para ir trabalhar no escritório, como remunerar o funcionário por
gastos maiores com deslocamentos e alimentação em empresas sediadas em regiões
com custo de vida mais alto? Esses foram dilemas com que a startup de
investimentos Vitreo, de São Paulo, precisou lidar. Na pandemia, a empresa
triplicou de tamanho: hoje são 115 funcionários, boa parte deles contratada em
estados como Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro, onde a média salarial é
mais baixa do que em São Paulo.
“Decidimos
manter as contratações com piso salarial da matriz, em São Paulo”, diz Dani
Nascimento, gerente de recursos humanos da Vitreo. Por ora, os novatos vão à
sede só para conversas estratégicas. Pedir a transferência dos novos
contratados para São Paulo está fora de cogitação. “O escritório teria de ser
ampliado para acomodar todo mundo”, diz Nascimento.
Se
em algumas empresas pode faltar espaço na hora de o pessoal trabalhar lado a
lado de novo, nos escritórios compartilhados, os chamados coworkings, pode
sobrar espaço. Convencer as empresas a autorizar a convivência de seus
funcionários com os de outros negócios não tem sido tarefa fácil. Um sinal
disso são os desafios do WeWork, a estrela desse setor, cujo controle frouxo das despesas já vinha sendo alvo de críticas dos investidores.
No
início da pandemia, unidades da empresa nos Estados Unidos e na China chegaram
a fechar por medo do contágio. Por isso, a avaliação de mercado da empresa é
hoje 89% abaixo do patamar de 2019. A empresa diz seguir protocolos sanitários
de diversas fontes, como da Organização Mundial da Saúde, que preveem maior
distanciamento dos assentos e higienização frequente dos espaços.
No
Brasil, mesmo na pandemia, a empresa abriu operações em seis prédios em grandes
centros, como Rio e São Paulo. Apesar das apostas na retomada do setor, quem
vive de escritórios compartilhados sofreu com a crise de confiança. Segundo a
Ancev, associação de empresários do setor, a demanda caiu 40% na pandemia.
A
queda só não foi maior porque muitos escritórios criaram pacotes de serviços
virtuais, como o de telefonista para organizar a comunicação das startups com
clientes e fornecedores. Para convencer o pessoal a voltar aos escritórios, o
jeito foi reforçar medidas de segurança, como redução da capacidade das salas e
respeito a protocolos como máscara e álcool em gel em todo canto.
A
esperança de quem vive desse setor é que os clientes sejam atraídos pela
flexibilidade do modelo. “É uma solução sem amarras: em geral, os contratos
podem ser cancelados com uma antecedência de apenas 30 dias. Ninguém hoje quer
ficar preso a um modelo antigo de trabalho”, diz Ismar Marquardt,
vice-presidente da Ancev.
A
volta aos escritórios, se feita com os devidos cuidados, pode contornar o fato
de profissionais com ambiente doméstico mais conturbado — por exemplo, por
filhos pequenos — terem mais dificuldade de manter a produtividade do que
colegas moradores de locais com mais condições para a concentração. Ao que tudo
indica, a pandemia acentuou a desigualdade de gênero no mercado de trabalho.
Numa
pesquisa da consultoria de RH BoardList com 1.000 americanos, quase seis em
cada dez homens revelaram estar confiantes com a progressão na carreira, mesmo
com o home office. Entre as mulheres, só 30% tiveram essa opinião.
“Por
um lado, a presença dos homens em casa pode fazer com que eles percebam o peso
das tarefas domésticas e aumentem sua empatia com as esposas e funcionárias”,
diz Tatiana Iwai, professora de comportamento organizacional na escola de
negócios Insper, de São Paulo. “Por outro lado, a percepção sobre o tempo
consumido pelas tarefas domésticas pode gerar dúvidas sobre o compromisso
possível da mulher com seu trabalho, reforçando a visão de que as mulheres são
menos capazes de fazer entregas.”
No
Brasil, a discussão de discriminação no ambiente de trabalho em meio à volta
aos escritórios passa por um problema adicional: onde deixar as crianças, uma
vez que a grande maioria das escolas segue com as portas fechadas? Esse foi um
dos maiores desafios para a retomada na RaiaDrogasil, rede de farmácias com
42.000 funcionários.
“Ficou
como opcional. Procuramos dar suporte para o contexto individual, como mães e
pais com filhos fora da escola, e oferecemos suporte emocional com
teleterapia”, afirma Maria Susana de Souza, vice-presidente de gente e cultura
da RaiaDrogasil. Os funcionários da área administrativa da RaiaDrogasil
voltaram em julho aos escritórios, mas a ocupação máxima é de 20% da
capacidade.
Afinal,
existe um jeito certo de voltar ao escritório? O primeiro passo, para os
especialistas, é ouvir os funcionários sobre a decisão. E, ato contínuo,
entender como minimizar o risco de contágio no trajeto da casa ao ambiente de
trabalho.
“As
maiores preocupações de quem nos procura são o espaço e as pessoas”, diz Anarita
Buffe, diretora do Hospital Albert Einstein, que dá consultorias sobre a
retomada. Na cartilha do Einstein estão sugestões que devem nortear a
arquitetura de escritórios no futuro, como layouts das baias em ziguezague para
dificultar o caminho do vírus. Até lá, com ajustes, as empresas vêm encontrando
jeitos de adaptar seus escritórios. Resta saber se os funcionários estarão
contentes — e seguros.
Publicado em: 10/09/2020
(https://exame.com/revista-exame/em-casa-e-na-firma/
)
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