quinta-feira, 27 de novembro de 2025

O Processo de Formação da Economia Brasileira na Primeira República

 


 

Descendemos de uma economia colonial em que a colonização ocorreu por meio da ocupação de vastas extensões territoriais, sem diversificação da produção. Pelo contrário, esses territórios eram sustentados pelo predomínio da monocultura e com a utilização da mão de obra escrava. Esses foram os sustentáculos da economia colonial que de alguma forma se enraizaram na cultura econômica do País. Na interpretação de Gremaud, Saes e Toneto Júnior (1997), são pouquíssimas as divergências dos autores pesquisados de que a monocultura, a elevada concentração da propriedade e a utilização da mão de obra escrava foram os fatores estruturantes da nossa sociedade colonial. O gestor moderno deve ter consciência de todos os problemas, conhecimento sobre sustentabilidade e trabalho solidário. Para isso, tendo em vista que o Período Colonial deixou fortes marcas na economia brasileira que nem a crise do sistema colonial nem a independência do Brasil de   Portugal conseguiram romper definitivamente, coexistindo nos tempos atuais de alguma forma os laços de dependência econômica herdados. É importante reafirmar que, após a independência do Brasil de Portugal, o País avançou bem pouco no rumo da industrialização, mantendo-se agrário e com poucos recursos que levassem ao desenvolvimento da indústria.  Somente na segunda metade do século XIX o excedente gerado pelo setor cafeeiro conseguiu uma expansão maior, passando a ser de investido na expansão industrial, na construção de ferrovias e na urbanização de cidades. O autor brasileiro Celso Furtado possui uma das mais importantes contribuições sobre a situação da economia brasileira no século XX.

A contribuição “furtadiana” ao pensamento econômico brasileiro é muito vasta e merece ser conhecida.  Para Furtado (2001, p. 39), A exploração do Brasil [...] foi uma empresa concebida nos mesmos termos do Império das Índias:  como um simples empreendimento comercial. As necessidades da colonização mudarão, entretanto, a fisionomia externa da nova empresa.  Essa mudança, porém, afetará apenas a roupagem exterior.  O sentido de empresa comercial se conservará bem marcado.  Esse sentido, que será o da evolução econômica da colônia, presidirá a formação da sociedade.  A análise da economia colonial é tão importante para a compreensão da economia brasileira quanto a da formação histórica de Portugal para compreender-se a razão de ser das grandes expedições e o sentido que tomou a empresa de colonização. A entrada de imigrantes estrangeiros no Brasil, que se dirigiam à lavoura cafeeira, acelerou fortemente a partir da generalização do trabalho assalariado. Isso, por sua vez, acabou trazendo para a economia algo que não existia: o desequilíbrio externo, conforme ressaltado por Gremaud, Saes e Toneto Junior (1997, p. 28):

Numa economia escravista pura (em que só haja senhores e escravos), a renda monetária concentra-se nas mãos dos senhores e pode, no máximo, ser igual ao valor das exportações (pois não há qualquer tipo de propagação da renda internamente, como descrito pelo mecanismo do multiplicador). Consequentemente, não há desequilíbrio externo, pois, a demanda de importações pode, no máximo, ser igual ao valor das exportações (que é também o nível da renda interna). Quando se introduz o trabalho assalariado, pelo processo de multiplicação da renda interna, esta passa a ser um múltiplo do valor das exportações, criando a possibilidade do desequilíbrio externo. Mais importante [...], no entanto, é perceber que há uma defasagem temporal entre o impulso das exportações e a materialização da demanda de importações (que resulta da propagação da renda interna em direção a vários setores).Contudo,  vale  observar  que  a  introdução  do  trabalho  assalariado  foi  um  dos resultados da inserção do Brasil na organização do capitalismo mundial e que acabou preparando o terreno para a industrialização em um determinado tipo de capitalismo que foi chamado de “capitalismo tardio” (MELLO, 1998, p. 177). O capitalismo tardio fez referência ao atraso da entrada do Brasil no processo capitalista de produção, advinda das condições internas deformação do excedente do capital, que acabou beneficiando o capital industrial, com consequências perversas para os trabalhadores devido ao rebaixamento da força de trabalho na periferia. Nesse período em foco, ocorreu a abolição da escravatura, forçada pela própria estrutura que não suportava mais aquele tipo de organização. Também, logo em seguida, a proclamação da República de modo repentino mudou a forma de governo no País, com a intenção de transformar tudo no País em uma grande república, e não cada casa em uma república, um lugar onde todos que habitam desfrutam de forma igual de tudo a que tem direito. Na República, tivemos os seguintes períodos de evolução política:

 

·        Primeira República, ou República Velha (1889-1930);

·        Era Populista (1930-1964);

·        Era Ditatorial (1964-1984);

·        Nova República (a partir de 1985).

 

A democracia teve, por incrível que pareça, existência tímida em todo o Período Republicano, que não foi uma conquista qualquer:  veio por meio de muita luta. Um dos maiores movimentos populares que o País presenciou foi precisamente a tentativa de aprovação das eleições diretas para presidente em 1984 (95 anos após a proclamação da República), que foi recusada pelo Congresso Nacional, adiando esse projeto por mais quatro anos, depois de 20anos de autoritarismo. A Primeira República no Brasil foi marcada pela política dos coronéis que, sob o regime da força, impunham a direção do governo, com as eleições quase sempre decididas antecipadamente, por meio das famosas atas escritas a bico de pena. Foi a fase do predomínio da agricultura como o setor-chave da economia, embora a indústria viesse se constituindo desde a segunda metade do século XIX, a duras penas.  De 1889 a 1930, a economia brasileira enfrentou uma série de dificuldades, como:

 

·        Os impactos da Primeira Guerra Mundial sobre o comércio exterior;

·        Fortes oscilações no preço do café;

·        A Crise de 1929, que abalou o mundo;

·        A transformação na condução da economia a partir de 1930.

 

A Primeira República ficou caracterizada como República do Café com Leite, porque os governos eleitos se revezavam entre São Paulo (principal produtor de café) e Minas Gerais (importante produtor de leite e derivados). O primeiro presidente da República foi Marechal Deodoro da Fonseca e o vice-presidente Marechal Floriano Peixoto.  Ambos ficaram por pouco tempo no governo, e houve uma sucessão de outros no cargo, sendo um período em que se configurou também muita agitação política. Por causa do novo regime instalado, o País deixou de ser monarquia e passou a ser República. A primeira Constituição foi criada em 1891 e deu muita força aos Estados, o que levou a política da época a ser chamada de “Política dos Governadores”. Como os grupos oligárquicos dominavam o poder econômico e político, impuseram pela força seus candidatos, por meio de um “pacto oligárquico”. Foi um período econômico dos mais difíceis da República, pelo fato das rápidas transformações em curso, como a instalação do trabalho assalariado na agricultura, a reinserção do País na economia internacional e a readaptação às novas formas do exercício da política.

Para Fritsch (1990, p. 37), a instabilidade econômica gerada pelos sucessivos choques externos que se iniciam em 1914 e se estendem pela primeira metade dos anos 20, mina as bases das alianças políticas tradicionais entre os grandes estados e – sob o estímulo adicional das ideologias emergentes na Europa do Pós-Guerra – debilita a crença nas vantagens do liberalismo econômico.  [...] A história das políticas econômicas e o desempenho da economia brasileira entre o limiar do século e a revolução de 1930 pode   ser   dividida em períodos demarcados, basicamente, por alterações no comportamento da economia internacional:  a do longo ciclo de crescimento com endividamento da década anterior a 1914, a do funcionamento anômalo da economia mundial durante a Primeira Guerra Mundial, e a do choque, reconstrução e colapso dos anos 20. Nesse período, o centro nevrálgico da economia brasileira gravitou em torno do café, embora um lento processo de diversificação econômica estivesse em curso, tanto no setor agrícola como no setor industrial. Desde o século XIX que o café vinha se apresentando como o produto de exportação principal da economia brasileira, inicialmente produzido na região do Vale do Paraíba fluminense e depois se dirigindo a São Paulo.

De acordo com Saes e Farina (1999, p. 54-55), a participação do Brasil no   mercado internacional do café tem sido decrescente. No início do século XX o Brasil chegou a deter 80% do total do mercado internacional do café, na década de 90 dominava apenas 25% a 30% do mercado, tendo permanecido desde os anos 60 com a exportação praticamente estagnada em cerca de 17 milhões de sacas. Como o mercado do café sofreu instabilidades decorrentes de choques externos, em 1906 foi firmado o Convênio de Taubaté com a finalidade de intervir no mercado cafeeiro para que a economia do café pudesse desfrutar de algumas garantias. E, assim, o governo decidiu comprar o excedente produzido. Como forma de manter o preço, foi proibida a ampliação das plantações de café e foi facilitado os empréstimos externos para a compra do excedente produzido. A superprodução tem sua explicação na economia brasileira por causa da abundância de terras e mão de obra, mas será que esta precisa ser acompanhada também pelo governo? Por quê? Será que apresenta reflexo na economia?

Sim, a superprodução precisa, ainda nos dias de hoje, ser observada pelo governo, como é o caso da soja, em Mato Grosso e no Paraná, da cana-de-açúcar e da laranja, em São Paulo, que, embora diferente da superprodução vivenciada pelo café, comprova a necessidade da presença do governo de alguma maneira na regulação da atividade agrícola. No momento da eclosão da Crise de 1929, o Brasil vivenciava mais um contexto de superprodução, abalando os programas de valorização do café, pois, ao mesmo tempo, a bolsa de Nova York despencava, e, em todo o mundo, muitas empresas foram fechadas.  Assim, milhares de desempregados foram para as ruas e os empréstimos restringidos, uma vez que o crédito desaparecera das praças. Logo, a maneira encontrada para não desestabilizar o mercado cafeeiro foi a queima dos excedentes de cafés, um recurso que já vinha sendo utilizado desde princípios do século. Outro momento que é importante destacarmos em relação à economia brasileira foi o primeiro surto industrial no Brasil que ocorreu no Rio de Janeiro, em fins do século XIX, e somente depois se estendeu a São Paulo durante a Primeira República. Contudo, a ideia parece ter se fortalecido após a Primeira Guerra Mundial, quando se confirmou a necessidade de a economia buscar formas concretas de se industrializar, embora os esforços ocorressem de forma lenta, tendo em vista os interesses agrários predominarem na pauta das discussões estabelecidas. E assim caminhou a Primeira República no Brasil.

  

 

REFERÊNCIAS

 

 FRITSCH, Winston. Apogeu e crise na Primeira República: 1900-1930. In: ABREU, Marcelo de Paiva. A ordem do progresso. Cem anos de Política Econômica Republicana (1889-1989). Rio de Janeiro: Campus, 1990.

FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 19. ed. São Paulo: Nacional, 1984.

______. O longo amanhecer. Reflexões sobre a formação do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.

______. Introdução ao desenvolvimento. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. ______.  Economia Colonial no Brasil nos séculos XVI e XVII.  São Paulo:  HUCITEC e ABPHE, 2001.

______. Raízes do subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

______.  Economia do desenvolvimento.  Curso ministrado na PUC-SP em 1975.  Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.

GREMAUD, Amaury Patrick; et al. Formação econômica do Brasil. São Paulo: Atlas, 1997.HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26. ed. 11. Reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

MELLO, João Manuel Cardoso de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1998.MIHM, Stephem. Revista Exame Ceo. São Paulo, abr., p. 64-66, 2009.

SAES, Flávio Azevedo Marques de. Uma Releitura de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda. In: Revista Territórios e Fronteiras. Cuiabá: v. 5, n. 2, p. 11-19, jul. /dez. 2004.

SAES, Maria Sylvia M.; FARINA, Elizabeth Maria Mercier.  Q.  O agribusiness do café no Brasil. São Paulo: Milkbizz, 1999.



https://www.facebook.com/juliocesar.s.santos 

Nenhum comentário :

Postar um comentário